Persona Entrevista: Aline Bei

A autora comenta sobre as inspirações para seu livro mais recente, Pequena Coreografia do Adeus, parte da parceria do Persona com a Cia das Letras

Arte retangular com fundo vermelho. No canto esquerdo foi adicionado 4 faixas com as palavras "persona entrevista" nas cores pretas e brancas, posicionadas na vertical. No topo foi adicionado o texto "aline bei" em letras pretas, e mais abaixo há a foto da autora de mesmo nome em preto e branco. Ela é uma mulher branca jovem. Ela veste uma camisa preta e usa cabelo em coque no topo da cabeça. Seu cabelos são castanho escuro. Atrás dela foi adicionada a capa de seu livro Pequena coreografia do adeus.
O Persona entrevista, pela primeira vez, um nome da Literatura depois de diversas conversas com cineastas do Brasil e do mundo (Foto: Companhia das Letras/Arte: Jho Brunhara)

Caroline Campos

Fiz essa entrevista ainda em julho, há longos cinco meses – que mais parecem cinco anos. Cercada pelos horrores da pandemia e a esperança da vacina, encontrei na leitura de Pequena coreografia do adeus uma forma de desabrochar velhos traumas e olhar para dentro de mim com o mesmo carinho que era capaz de olhar para Júlia, protagonista dessa criação de Aline Bei. Não esperava encontrar o que encontrei – palavras flutuando pelas páginas como pensamentos perdidos, te convidando a preencher esses espaços com sua própria e pesada bagagem. 

E quem diria que a artista por trás de um dos maiores lançamentos literários de 2021 não só elogiaria minha emocionada resenha como também toparia fazer parte de mais uma edição do Persona Entrevista. Em uma conversa no fim da tarde de uma terça-feira, Aline me contou sobre a infância com a leitura, a rotina movimentada pós-lançamento e as várias faces de suas protagonistas femininas. Com alguns meses angustiantes de atraso (2021 não foi fácil para ninguém), você pode conferir esse bate-papo especial para conhecer melhor a figura por trás dessa dança tão (des)amorosa.

A imagem retangular é uma foto de Aline Bei, uma mulher branca, jovem, de cabelos pretos e com luzes loiras, lisos e longos até a altura do peito. Podemos vê-la do peito para cima enquanto está atrás de uma mesa de madeira fazendo anotações em um caderno. Ela usa uma camiseta branca com decote e vemos um copo de água à sua frente. No lado esquerdo e à frente há um panfleto que está desfocado. Ao fundo vemos um banner vermelho com escritos da “Livraria da Vila” em branco.
“Eu vivo muito meus personagens. Também fui atriz, então acabo convocando muito meu corpo pra escrever e sendo habitada por elas, aí tenho que dar esse tempo para que elas saiam de mim.” (Foto: Aline Bei)

“Eu não sei se tenho mais uma história para contar”. Foi assim que a paulistana Aline Bei se sentiu logo depois de lançar seu estrondoso livro de estreia, O peso do pássaro morto. Atravessada por um sentimento de devastação após finalizar seu primeiro romance e com público recém-chegado que suplicava por uma nova obra, a autora de voz suave e fala calma conta que primeiro foi necessário acolher o medo de não possuir uma segunda narrativa para, então, começar a trabalhar nela.

E trabalho foi o que não faltou, já que sua filha mais nova, Pequena coreografia do adeus, levou quatro anos de estudos para chegar a sua versão final. No meio do caminho, Aline cruzou com a Companhia das Letras e iniciou um processo de reescrita da versão entregue. “Como eu vim do Teatro, já gostava muito desse processo coletivo e sentia bastante saudade dessa troca escrevendo, porque tem esse processo mais solitário quando a gente escreve. Mas é muito bom poder compartilhar com as pessoas”, relembra a escritora a respeito da parceria com suas editoras, Camila Berto e Stéphanie Roque.

 A imagem retangular é uma foto de Aline Bei, uma mulher branca, jovem, de cabelos pretos, lisos e curtos até a altura do ombro. Ela possui um rosto magro e está sorrindo, enquanto segura uma estatueta com as duas mãos. Ela usa um vestido preto com a manga apenas no lado direito do corpo e pode ser vista da cintura para cima. De fundo vemos uma parede com riscos azuis claros e ao seu lado esquerdo há um logo semelhante a uma folha com o escrito “Prêmio São Paulo de Literatura 2018”.
No Prêmio São Paulo de Literatura 2018, Aline ganhou na categoria Melhor Livro do Ano – Estreantes com menos de 40 anos, com “O peso do pássaro morto”, publicado pela Editora Nós (Foto: Prêmio São Paulo de Literatura)

Em Pequena, como Aline carinhosamente se refere, conhecemos Júlia Terra, uma jovem escritora sufocada pelo abandono, pela falta de afeto e pela solidão de uma família destroçada – Vera amava demais, Sérgio amava de menos. Para chegar nessa complexa e dolorosa relação, Bei navegou pelo tortuoso mar da psicanálise até entender a importância dos primeiros anos da vida de uma pessoa e o peso que os familiares exercem sobre ela. “Foi bacana investigar esse divórcio, essa separação, pelos olhos de uma criança. Muito mais interessante dentro da minha linguagem do que pelos olhos de um casal”, conta a paulistana, também citando o trabalho da coreógrafa alemã Pina Bausch como inspiração performática para a diagramação de seu livro, característica extremamente marcante no trabalho de Bei.

Com uma destreza textual impressionante e uma protagonista demolida, Aline Bei exala, naturalmente, a sensibilidade que sua própria obra transparece. Quando a entrevista foi realizada, a autora contou que sua Júlia ainda era muito presente em seus pensamentos, mas já estava assumindo o lugar de uma personagem construída, e não em construção. “O Pequena foi publicado quase um ano depois que eu entreguei, então eu consegui me distanciar da protagonista de uma forma criativa. É algo que eu criei, ainda está fresco, mas já consigo habitar outros personagens, porque ela está em uma trajetória de passado”.

Inclusive, no momento em que comenta a relação entre Pássaro e Pequena, Bei ressalta o fato de Júlia carregar uma individualidade difícil de ser comparada com a sua protagonista anterior, que carrega muitas mulheres em um corpo que tem o verbo perder como força-motriz. Já com a experiência de dois livros na carreira, a autora entende a personagem de Pássaro como uma criação menos profunda, muito relacionada à variedade de ações que pendem ao longo de sua vida. “Com a Júlia, eu entrei em uma existência de fato, talvez por ela ter nome e sobrenome. É uma personagem em que a história do livro está muito vinculada a ela, mais até do que a protagonista do Pássaro, comenta Aline, reforçando que a imersão em Pequena foi, sem dúvidas, muito maior.

A imagem retangular é uma foto de Aline Bei, uma mulher branca, jovem, de cabelos pretos, lisos e presos. Ela possui um rosto magro e está sorrindo, enquanto segura seu livro Pequena Coreografia do Adeus com a mão esquerda. Ela está ligeiramente curvada para a esquerda e pode ser vista do peito para cima, enquanto usa um colete rosa de um material plastificado.
O nome da viúva Argentina veio de uma viagem especial que Bei fez para Buenos Aires, uma cidade com ruas tão largas quanto a dimensão íntima de sua personagem (Foto: Instagram/Aline Bei)

Seria possível, então, depois das 282 páginas de Pequena coreografia do adeus, imaginar um futuro para a jovem Júlia Manjuba Terra? Segundo Aline, sim. Para não cercar a própria imaginação nem fechar a trajetória de sua personagem, a autora de muitos textos curtos fecha seu segundo romance já convidando o leitor a pensar no futuro que deseja. Mesmo assim, após o longo período de convívio entre criadora e criatura, Aline vislumbra Júlia como uma espécie muito especial de escritora – daquelas que “vem de dentro para fora”, do jeitinho que podemos caracterizar a própria Bei. 

No entanto, com uma nova perspectiva de afeto, uma nova realidade e uma nova coreografia, a história de Júlia é de começos. “Eu queria falar sobre o começo de uma trajetória de uma artista brilhante. Não exatamente tão bom quanto o futuro, já que, às vezes, o começo necessita de muita coragem para seguir adiante”. E, se tratando de Aline Bei, a escritora, atriz e poeta que iniciou a viagem pelas páginas dos livros ainda vivendo a ingenuidade da infância, a  tal “trajetória de uma artista brilhante” só está começando.

 

que o Artista não é quem explode por dentro, isso pode acontecer com toda e qualquer pessoa; só é Artista quem Entrega 

a explosão 

aos pés do público

com ritmo, poesia, beleza

ainda que ele esteja dançando um crime.

(Pequena coreografia do adeus, p. 130)

 

Como sua persona de atriz se transpõe na sua Literatura?

Aline: “Eu sinto esse corpo sempre muito presente na criação. Até sou um tipo de escritora que não pode trabalhar em lugares públicos, porque eu acho que sou expressiva demais criando – faço sons, não chego a levantar nem nada, mas é algo que fica bem físico. E me toma bastante nesse sentido obsessivo que eu tinha também com o personagem, de ficar tentando entender a trajetória, porque entender, também quando a gente lê uma peça, é uma parte do que aconteceu, é uma parte daquele personagem. A gente escreve o recorte de algumas coisas, mas tem tantas coisas que a gente não diz e vão ficando na gente como uma possibilidade do que aconteceu, e eu acho que fico muito imersa em tudo isso, sabe, na atmosfera. Como se eu tivesse preenchida de Júlia para escrever uma parte da vida dela, mas tem muito mais. Então eu fico com esse ‘muito mais’ depois que eu termino o trabalho e continuo vivendo com os personagens, tentando encontrar a voz dela dentro da minha voz. E pode ser agora não a voz física, a fisicalidade da atriz, mas essa voz da Literatura, encontrando a voz da Júlia dentro da minha dicção literária. É muito parecido com o exercício de atriz.”

 

Consegue escolher 3 livros e 3 autores favoritos?

Aline: “A Obscena Senhora D, da Hilda Hilst, estaria com certeza no meu top. Da Clarice, que também sou muito fã, eu fico muito em dúvida entre A Paixão segundo G.H. ou A Hora da Estrela, mas acho que vou de A Hora da Estrela. E Lavoura Arcaica, do Raduan Nassar. São três livros que me acompanham muito, e eles três [autores] são muito queridos aqui no meu altar. Eu também gosto muito dos poetas – Fernando Pessoa, Herberto Helder –, mas sou também sou bastante atravessada pelas minhas novas descobertas, como o James Baldwin, a Bernardine Evaristo, o Milan Kundera. Estou sempre lendo, então acho que esse altar está sempre se renovando.”

 

Se você pudesse escrever uma história com algum personagem que já existe, qual e como seria?

Aline: “Pra mim é muito difícil. Eu sou uma grande leitora, eu amo ler, mas eu sempre me envolvo com os livros que eu leio de uma forma leitora. Eu gostaria de escrever os livros que eu escrevo, porque eu acho que é o que eu quero fazer, sabe. Então, eu não escolheria um personagem de Machado, de Clarice, que eu amo, para continuar, porque eu não continuaria. Eles que fazem o que eles fazem, eu faço o que eu faço e quero cada vez mais me identificar e aprofundar o que eu faço. Então, eu acho que vou escolher uma própria personagem pro meu estudo, que seria a viúva Argentina, que eu sinto que é uma personagem que me interessa muito, que eu admiro, e que tem uma trajetória que fica delineada no livro, mas que a gente não tem tanto contato. E eu a aprofundaria com certeza. É uma personagem que me levaria para um romance também.”

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