Gabriel Fonseca
Filmes são feitos de outros filmes. De músicas, pinturas, e livros também. Como linguagem e expressão artística, o Cinema está constantemente influenciando e sendo influenciado por outras obras. Algumas são referências diretas, como as centenas de easter eggs em Jogador Nº 1. Outras, são fontes de inspiração e resultam em um trabalho único, como a pintura de Edward Hopper que inspirou a casa horripilante de Psicose, um clássico de Alfred Hitchcock.
Por sua vez, Hitchcock foi uma fonte de referências e inspirações para Joe Wright, que é conhecido por dirigir dramas como Orgulho e Preconceito e O Destino de uma Nação. Wright se aventurou no suspense com A Mulher na Janela, uma adaptação tediosa do romance homônimo de A.J. Finn. Lançado na Netflix em maio, o filme é pura reverência às obras do passado – especialmente às de Hitchcock – e as utiliza como fórmula, sem propor uma experiência própria, ou alcançar o mesmo nível de tais obras.
Fazer um filme com elementos visuais, técnicos, ou com enredo que nos lembre de outro não é necessariamente um crime artístico. Na verdade, assim nascem os gêneros que costumamos usar para classificar o Cinema. Os filmes pioneiros ganham créditos por lançarem uma tendência, enquanto os posteriores são notados quando ultrapassam os limites do convencional. Usemos o exemplo do clássico Blade Runner, de Ridley Scott. Com um futuro distópico herdado da literatura de George Orwell e Ray Bradbury, o longa ostenta a roupagem dos clássicos noir. O resultado é uma combinação inovadora das visões de passado e futuro, que rendeu uma continuação de mesmo nível.
Apesar da baixa criatividade, o filme de Wright ganha pontos ao escolher Amy Adams para dar vida à protagonista Anna Fox, uma psicóloga infantil com depressão e agorafobia, um transtorno de ansiedade que a impede de sair de casa. Só de abrir a porta, Anna entra em pânico e desmaia. Nos primeiros minutos, surge o mistério inicial da história: a causa de sua condição psicológica. Tudo o que sabemos é que ela é divorciada, mistura remédios controlados com álcool, é fã de suspenses clássicos e desenvolveu uma obsessão pela vida dos vizinhos, especialmente os Russell, uma família que acabou de se mudar para a casa da frente.
A semelhança com Janela Indiscreta (1954) não é nenhum segredo, pois, logo no início de A Mulher na Janela, vemos um frame do clássico, congelado na televisão de Anna. Também podemos ver cenas de outros filmes do mesmo gênero, como Quando Fala o Coração e Prisioneiro do Passado. Estas referências são colocadas na tela por Wright, que quer nos familiarizar com a narrativa e, em alguns momentos, com as sensações despertadas pelos filmes mais velhos.
Logo, o espectador se antecipa em relação aos acontecimentos principais da trama: a protagonista que não pode sair de casa é testemunha de um assassinato, visto através de sua janela, o que coloca a sua vida em perigo também. Porém, construída com um perfil psicológico pouco confiável, Anna nos conduz à direção errada. Joe Wright, por sua vez, tenta nos posicionar dentro da cena, como observadores à espreita; o que consegue algumas vezes graças à atuação de Amy Adams e a cenografia. Tanto a atriz quanto a casa que a cerca são aflitivos, como se os dois representassem o mesmo estado de espírito.
Esta combinação entre a performance de Amy Adams e o cenário são como âncoras para criar o suspense. Vez ou outra, A Mulher na Janela expressa visualmente o delírio e o medo de uma mulher traumatizada. Os outros personagens são revelados, se mostram mais do que os arquétipos que atribuímos a eles, porém, a sua transformação não nos surpreende porque não sentimos o seu peso, ou conseguimos nos importar suficientemente. A única exceção é Alistair, o pai da família Russell interpretado por Gary Oldman. O vilão é fino e carrancudo, até quebrar a sua passividade e explodir.
Mesmo com elementos interessantes, como a cenografia, o enredo inspirado em um clássico, Adams e Oldman no elenco, The Woman in the Window não transmite uma experiência a la Hitchcock. É apenas um amontoado de referências. Talvez o objetivo de Wright com este filme tenha sido explicitar as convenções do próprio gênero, para anteciparmos o enredo e nos surpreendermos com as alterações. Isto não acontece com quem assiste e não percebe tais referências – elas passam despercebidas, tornam a direção vazia. Por outro lado, para quem é aficcionado por este tipo de mistério, o filme soa como outro Paranóia, que não encontrou a própria voz.
Se posicionar em uma tendência artística ou gênero não é o mesmo que reproduzi-los. Se Joe Wright intencionou homenagear outro artista, se esqueceu de uma das suas características mais notáveis: a sua personalidade. Muitas decisões tomadas nesta produção não passaram de um chamariz comercial, sem o objetivo de despertar um sentimento, senão, o de familiaridade: o título e o enredo que nos lembram outro filme, o plano na escada de Um Corpo que Cai (1958) e a mudança de tom no final, para um terror slasher. É como se toda obra fosse construída a partir de fórmulas, coisa que a Netflix faz às centenas, todos os anos.
Amarrou tudo no final e matou o benefício da dúvida da coincidência entre os estilos literários, narrativa e até produção geral quando apontou o padrão forte na Netflix em fazer conteúdo modelado.
Agora – “uma adaptação tediosa” – foi forte! Haha
Eu realmente não peguei as referências :/
Parabéns, Gabriel!