Earth 2 ainda reverbera com força

Foto promocional do Earth para a gravadora Sub Pop nos primórdios: simpáticos, não? (Reprodução)

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Como em seus conterrâneos do grunge, a herança do Black Sabbath era escancarada: além dos timbres pesados, o nome Earth foi utilizado pela trupe de Birmingham ainda na década de 60. Já no EP Extra-Capsular Extraction (1991), a banda formada por Dylan Carlson (o melhor amigo de Kurt Cobain) soava como um dos tributos mais radicais aos pioneiros do heavy metal: a cadência dos riffs era ainda mais lenta, com foco pleno em atmosferas nebulosas. Isso foi levado a níveis extremos em Earth 2: Special Low Frequency Version (1993), que acaba de completar 25 anos.

O registro mais conhecido do Earth é composto por apenas três faixas, que somam 73 minutos de duração. Excetuando sutis toques percussivos na finalíssima “Like Gold and Faceted”, Earth 2 pode ser definido como um experimento sonoro com distorções de guitarra e baixo. Mas o principal instrumento no álbum é, sem dúvidas, o amplificador: são as configurações de volume e sustentação que tornam este LP tão peculiar.

Bateu uma onda forte (Reprodução)

Nos discos seminais do Black Sabbath, Tony Iommi elaborou um contraste entre luz e sombra ao preencher e desestabilizar o silêncio com barulhos densos (vide o bend que inicia “Iron Man” e o vibrato icônico de “Black Sabbath”). Carlson e o baixista Dave Harwell, de certa forma, subvertem essa lógica. Os riffs monolíticos ecoam de forma tão bruta que, em questão de minutos, as notas tocadas se dispersam e pouco importam. A experiência é observar as oscilações quase drásticas da massa sonora – é como se a estabilidade desses drones fosse tão bem sintonizada que a mente então passa a reconhecê-los como um novo tipo de silêncio.

O que leva à outra ligação essencial presente no álbum: a música ambiente. Tanto o subtítulo como as fontes na capa foram surrupiados de um disco da série Environments, pioneira em gravações de campo. No caso, trata-se da versão especial do segundo volume, onde o lado A do LP original é desacelerado e se transforma em uma odisseia de frequências baixas que dura exatamente uma hora – ouça aqui. A banda também se vale dessa guinada, visto que “Ouroboros is Broken”, última faixa do EP de 91, é tocada mais devagar e se estende para virar “Seven Angels”, abertura de Earth 2.

“A música do futuro não é música”: conceitual é pouco (Reprodução/Discogs)

Na contracapa, Carlson copia o conceito da primeira prensagem do vinil e coloca mensagens sobre supostos resultados da audição de sua obra. “MINHAS DORES DE CABEÇA SUMIRAM!”, “Esqueça drogas e álcool… agora eu sou muito, muito suave!” e afins não só mostram seu senso de humor, como sugerem a ambiguidade da estreia do Earth: uma aura tão opressiva quanto meditativa. Este último aspecto é reforçado pelo tom místico dos nomes das canções: “Seven Angels” (sete anjos), “Teeth of Lions Rule the Divine” (dentes de leões governam o divino) e “Like Gold and Faceted” (como ouro e lapidado).

Contracapa de Earth 2: a cura para insônia, ressaca e muito mais! (Reprodução/Discogs)

O trabalho caiu como uma bomba no cenário underground. Praticamente fundou o chamado drone metal, com bandas como Boris e Sunn O))) perpetuando o legado dos graves em moldes mutagênicos, e é sentido com força peculiar no post rock de Swans e Godspeed You! Black Emperor, onde as texturas foram essenciais para que o prefixo “pós” se tornasse legítimo. Infelizmente, também é influência direta para hordas de artistas cujo trabalho é mais (conceitualmente) interessante do que consistente.

Após um hiato de quatro anos, Dylan Carlson retomou o Earth em 2001 com nova formação e expandiu a gama de influências – evitou se estagnar em uma caricatura de si mesmo e, indiretamente, conservou o brilho peculiar da estreia do grupo. Surgiram discos de drone com volume mais alto e duração mais longa, mas nenhum se equipara à parede sonora intimidadora e visceral que é Earth 2. Basta colocar os melhores fones de ouvido e comprovar…

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