Vitor Evangelista
Ultimato é o apogeu do cinema de heróis. Saúda o americanismo e reverencia tudo que a Marvel lançou as telonas nos últimos onze anos. O quarto capítulo dos Vingadores, aliás, pode (e deve) ser avaliado em duas correntezas: em primeiro lugar, o arco final dos mascarados, a finalização da Saga do Infinito; e, num segundo olhar, o filme é um grande manicômio criativo vomitado dos gibis. E nada poderia ser melhor.
O luto é personagem central aqui. Quando, em Guerra Infinita (2018), os heróis perderam e assistiram impotentes Thanos (Josh Brolin) apagar da existência metade do Universo, a Marvel estabeleceu um precedente dentro do gênero. Foi essa a primeira vez que um vilão ganhou quando os créditos subiram. Na sequência, a Marvel abre outra porta: usar novamente o mesmo antagonista principal. Transformar em poeira metade do elenco não foi o suficiente, o Titã Louco voltou.
Numa entrevista, logo que Guerra Infinita saiu, os diretores Joe e Anthony Russo ressaltaram que o terceiro filme era sobre Thanos e o quarto sobre os Vingadores. Em Ultimato, os irmãos posicionam a lupa sob o sexteto fundador do grupo, peneirando a linha narrativa. Isso sem nunca menosprezar coadjuvantes, como Rocket (Bradley Cooper) ou o Máquina de Combate (Don Cheadle). E, falando em coadjuvantes, a recém-chegada Capitã Marvel se adequa subitamente ao plano maior.
Ultimato acerta em favorecer seus protagonistas, Homem de Ferro e Capitão América. Os dois maiores arcos do MCU são estudados e finalizados nas três horas do longa. Ao passo que Robert Downey Jr. figura sua persona mais dramática da Saga e transforma Tony Stark num misto de amargura e receio; Chris Evans segue na linha do Patriota Americano mas sempre questionando o papel da América atual, se transformando no produto de seu (novo) tempo.
O roteiro de Stephen McFeely e Christopher Markus acena para diversos momentos dos quadrinhos. Guerras Secretas, Guerra Civil II, A Morte do Sonho, Império Secreto: Ultimato é a catarse de tudo que a Marvel constrói a tanto tempo. Além é claro de revisitar (sob ótica cômica, na maioria das vezes) eventos prévios do MCU (Universo Cinematográfico da Marvel, em inglês).
É importante salientar que, por mais que figuras coloridas pulem de um lado para o outro brandindo martelos e machados, Ultimato é um drama. Mesmo o humor sagaz (desconfortável, a primeira vista) dos desconstruídos Hulk (Mark Ruffalo, hilário) e Thor (Chris Hemsworth, ainda digno) não anula o peso e o vigor com que os Irmãos Russo delimitam o passo que a história vai caminhar.
Essa escolha abre a margem para extrair o melhor de seu elenco. O destaque principal recai nos ombros azuis e robóticos de Nebulosa (Karen Gillan). A atriz rememora sentimentos incubados pelo pai, Thanos, e agrega ao filme o arco mais satisfatório dos personagens periféricos ao duo principal. É, sem dúvidas, uma das melhores atuações do sub-gênero dos heróis.
Paralelos à filha de Thanos, Viúva Negra e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) escrevem a passagem mais sombria de Ultimato. Os Irmãos Russo respeitam dinâmicas pré-estabelecidas por Joss Whedon lá nos dois primeiros Vingadores, mas o controle dramático dos diretores possibilita que a ex-dupla de espiões da SHIELD lamuriem seus pesares antes dos créditos subirem.
Existe, é claro, uma devida constatação sobre a construção da Viúva Negra no MCU. Desde seu debut em Homem de Ferro 2, a personagem de Scarlett Johansson sofre com o machismo e a falta de atenção para com sua jornada dentro desses filmes. A Vanity Fair publicou um texto discutindo (com spoilers) os passos da Viúva por toda a Saga do Infinito. Vale a leitura e a problematização.
Ainda sem filme solo, a espiã ruiva sempre se apoiou em tramas paralelas dos Vingadores homens. Flertou com todos. Até engatou um romance (esquisito) com o Hulk. O Gigante Esmeralda, também sem filme solo desde 2008, evolui como personagem e chega no capítulo final com um arco bem desenhado e estruturado. Mas a Viúva, não. Numa era de ascensão de heroínas, Ultimato falhou com a precursora de todas elas no cinema?
Tecnicamente, Ultimato é impecável. A abertura filmada trêmula com a câmera na mão, enquanto Stark e Nebulosa manufaturam ideias para fugir do espaço. O plano-sequência em Tóquio na (re)apresentação do Gavião Arqueiro/Ronin. As cenas passadas do MCU com um ar ‘por-trás-das-câmeras’. Tudo resultando na esplêndida batalha final.
Sem precedentes no cinema, a última investida contra Thanos é memorável, dura, seca, esperançosa e, o mais importante, à altura do que foi prometido. Os Irmãos Russo filmam os heróis num prisma que parece recortado e colado direto das páginas coloridas dos quadrinhos.
Ultimato abre, aos poucos, uma torneira do fan-service. Deixa correr e vai liberando o registro ao passo que os heróis se aproximam do inevitável clímax. É um presente, uma recompensa. Tudo lido, relido, estudado e entregue na melhor forma. O filme se segura ao máximo até se esbaldar no auto-festejo.
Mesmo excessivamente longo, o filme não faz pesar suas três horas. Até mesmo inconsistências sobre viagem no tempo podem passar batidas. O longa entrega tanto, mas tanto, que é mais visto como uma recordação, uma dádiva que Kevin Feige e os Irmãos Russo desembrulharam a nossa frente, camada por camada, passeando por cada um dos vinte e um filmes anteriores.
Vingadores: Ultimato se prostra como o marco da cultura pop a se superar. É um filme estupendo, grandioso e íntimo. Olha para o futuro do cinema de heróis mas favorece seu passado. A Saga do Infinito emociona três mil vezes mais que qualquer outra. E, como entoa em seus segundos finais, It’s Been a Long, Long Time que não nos emocionávamos assim.
3 comentários em “Vingadores: Ultimato acena para o futuro mas prioriza o passado”