Cineclube Persona – Abril/2019

Nem só de Vingadores vive o homem (Foto: Reprodução)

Egberto Santana Nunes, Jho Brunhara, Leonardo Santana Teixeira, Natália Santos e Rafaela Martuscelli

Abril foi um mês marcante para a cultura pop. A chegada do quarto capítulo dos heróis da Marvel, a estreia modesta de Shazam e o fim de Game of Thrones foram destaques aqui. O Persona cavou mais fundo e fez uma seleção do melhor que chegou no mês da Páscoa, passando pela Netflix, Amazon Prime Video e o cinema nacional. Confira.

 

Guava Island (2019, Hiro Murai)

Ou a arte como instrumento de revolução

Rihanna e Donald Glover. Um quadro perfeito. (Foto: Reprodução)

Em junho de 2018, uma foto de Rihanna com Donald Glover, na ilha de Havana, em Cuba, ambos sob trajes “desajeitados”, surgiu na internet e os fãs foram à loucura com a nova parceria. Logo se descobriu que era um set de um filme, porém os detalhes da obra foram mantidos em segredo apenas dias antes da estreia. A produção de pouco menos de uma hora foi ao ar no show de Childish Gambino (alter ego musical de Glover) no Coachella, e logo depois disponibilizado na Amazon Prime.  

Para além da união entre os dois artistas, Guava Island é um pequeno musical político sobre disputa de classes e opressão. Na trama, Deni (Glover) prepara um festival para libertar o povo da Ilha de Guava, que trabalha diariamente para Red, líder local.

This is America é refeito aqui, ao som de máquinas de uma fábrica, e Summertime Magic, dentre outras composições de Gambino, aparecem para dar tom na relação com a personagem de Rihanna, Kofi. Celebração, amor e crítica, cada momento tem sua música, quer você entenda como parte da trama, ou como pequenos clipes do rapper.

Inspirado por Cidade de Deus e produzido pela mesma banca de Atlanta, a equipe conseguiu entreter um tema político-social através de uma câmera persecutória e cambaleante junto duma cinematografia colorida e viva. Tudo isso narrado como uma história de ninar, na voz de Riri, e com sons tocados pelos próprios nativos do local de gravação, afro-cubanos de Havana.  

Seja no discurso ou na técnica, Guava Island já nasceu destaque do ano. Obrigatório. – Egberto Santana Nunes

 

De Pernas pro Ar 3 (2019, Júlia Rezende)

Com mais de um milhão de espectadores em duas semanas de exibição, Ingrid Guimarães apresenta um filme crítico e reflexivo sobre a vida adulta que vai muito além das risadas aguardadas ao se ver uma produção da Globo Filmes (Foto: Reprodução)

Pela terceira vez, a empresária da franquia de sucesso Sex Delícia volta às telas dos cinema brasileiros. Depois de rodar o mundo e expandir a sua marca, Alice (Ingrid Guimarães) enfrenta um momento delicado: o embate entre sua vida empresarial versus o distanciamento de sua família.

Em meio a uma crise existencial, Alice opta por deixar a liderança dos negócios com sua mãe Marion (Denise Weinberg) e volta para a vida pacata de esposa do João (Bruno Garcia) e mãe dos filhos Paulinho (Eduardo Mello) e Clarinha (Duda Batista). Entretanto, o que Alice não esperava era o aparecimento de Lorena (Samya Pascotto), uma jovem empreendedora capaz de causar um grande alvoroço no mercado de sexy shop com o seu novo produto.

Desde o primeiro filme da franquia, é perceptível uma certa preocupação em enfatizar questões sobre o mundo feminino, principalmente o prazer e a liberdade sexual feminina, temas chave do enredo. O terceiro capítulo, dessa vez, vai além das situações visíveis. Ainda temos a mulher empresária, que tem sido tradicional dos últimos lançamos da Globo Filmes, entretanto agora o leque de debate estende-se às consequências das escolhas de Alice. O longa navega por temáticas já vivenciadas nas telas como a presença feminina no mercado de trabalho e crise conjugal ao mesmo tempo em que se aventura ao refletir sobre envelhecimento e competitividade feminina.

Com a estreia de “Vingadores: Ultimato”, duas semanas após o lançamento de “De Pernas para o Ar 3”, o nacional perdeu cerca de 300 salas de exibição, uma vez que a nova estreia da Marvel ocupou 80% das salas de cinema no Brasil.

Mesmo com mais de um milhão de espectadores antes do corte de salas, o filme de Ingrid Guimarães sofreu com o domínio da produção norte-americana que aproveitou a ausência da política de “cota de tela”, ainda não assinada por Jair Bolsonaro na época de lançamento de ambos os filmes. Essa política consiste em uma forma de afirmar que discriminando o número de dias que toda sala de cinema comercial é obrigada a exibir filmes brasileiros de longa-metragem.

O governo brasileiro resolveu voltar a interferir numa verdadeira luta entre Davi e Golias, e restabeleceu a política de “cota de tela” para as salas de exibição de cinema nacionais. Por conta de um “vácuo” na lei que obriga os cinemas a exibirem um percentual de filmes locais, blockbusters estrangeiros tomaram conta dos espaços disponíveis – caso de “Vingadores: Ultimato”, que ocupou mais de 80% das salas em sua estreia no País, no fim de abril. – Natália Santos

 

Alguém Especial (2019, Jennifer Kaytin Robinson)

A amizade e a persistência ao seguir sonhos marcam “Alguém Especial”. (Foto: Reprodução)

Outra aposta da Netflix em tramas jovens, Alguém Especial é mais um de seus filmes que retrata sobre questões amorosas. Aqui, Jenny, interpretada por Gina Rodriguez, é uma jornalista musical que acaba de terminar um longo relacionamento e conta com suas duas melhores amigas para procurar maneiras de deixar a tristeza de lado e superar essa grande perda.

Apesar do clichê romântico, o filme não decepciona. Ele tem tudo que precisa para te manter entretido por algumas horas, fazer você desejar por um amor e quem sabe até derramar algumas lágrimas. O desenvolvimento de Jenny é incrível, assim como sua personagem, forte e enérgica. Ouso dizer que podemos usá-la como inspiração, já que em nenhum momento trocou sua carreira e seus sonhos por nenhuma paixão, por mais que parecesse que ela seria para a vida inteira.

Não diria que é um imperdível, mas se estiver procurando por algo na Netflix para passar um tempo e se distrair, segue a dica que vale a pena! – Rafaela Martuscelli

 

O Mau Exemplo de Cameron Post (2018, Desiree Akhavan)

O filme foi destaque no Festival Sundance 2018 (Foto: Reprodução)

Lançado em território brasileiro apenas no mês passado, O Mau Exemplo de Cameron Post é a adaptação do livro homônimo. A história que se passa em 1993, conta sobre Cameron Post (Chloë Grace Moretz), que é flagrada pelo namorado transando com uma menina. Cam é mandada pela família para um acampamento de cura-gay, chamado God’s Promise.

Lá, como no longa Boy Erased: Uma Verdade Anulada — que também chegou no Brasil apenas esse ano — , Post precisa enfrentar a terapia de conversão, pensamentos arcaicos e preconceituosos dos religiosos que conduzem o acampamento, e encontrar em si sua própria verdade.

Diferentemente de Boy Erased, que é extremamente melancólico e sério chegando até mesmo a ser chato, O Mau Exemplo de Cameron Post aposta em uma linha mais descontraída, que funciona por partes. A certa leveza em tratar de um tema tão problemático permite deixar o espectador mais confortável. Porém, falta coragem de ousar e impôr o que difere o longa de todos os outros de temática LGBT+ e conversão sexual.

O roteiro é reflexivo, a amizade construída é muito bonita, e existem pequenos momentos em que o filme parece crescer, mas de resto é morno e previsível. A falta de uma conexão criada entre o espectador e as personagens gera pouca chance de comoção, e as existentes são chochas.

Cameron Post é o longa perfeito para assistir em uma tarde chuvosa em que se reserva o dia para maratonar filmes, e começar por ele. Gostaria que não fosse tão esquecível quanto é. Está na hora do cinema LGBT+ contar as histórias como o cinema negro vem abordando: de forma crua e verdadeira, sem medo de não ser tão facilmente digerível pelo público geral.  —  Jho Brunhara

 

Homecoming: A Film by Beyoncé (2019, Beyoncé, Ed Burke)

(Netflix)

Mais que cantora, Beyoncé é um gigante cultural. Mais de 20 anos de carreira, incontáveis hits e influência enorme no mercado fonográfico são elementos associados à artista, considerada por muitos (incluindo esse que vos fala) o meio ícone de sua geração. Ela condensou, na edição de 2018 do festival Coachella, todo esse poder em duas apresentações impecáveis e cheias de significado. Por sua vez, Homecoming revela os processos emocionais e políticos por trás das performances.

Ainda que circundando o universo pessoal da cantora — o puerpério depois de dar luz a gêmeos, principalmente, assim como o perfeccionismo —, o longa é mais sobre nós do que sobre ela. Com ‘nós’ me refiro à juventude negra, público maior de Beyoncé e objeto da homenagem prestada aqui.

Dividida em alguns blocos musicais e outros contemplativos, que revelam bastidores do show, o roteiro encontra guia em frases de pensadores negros. O catálogo de Bey se entrelaça com esses momentos de reflexão, levando a um entendimento mais amplo da importância da discografia da artista sob a perspectiva da música da diáspora africana.

A direção é controlada e ciente de onde quer chegar, assim como tudo que Beyoncé realiza. Mas a experiência não perde espontaneidade, já que a importância das narrativas contadas aqui pertencem a um plano social muito maior que a figura da artista. Registro essencial para qualquer interessado por fenômenos culturais, o documentário é um estudo apaixonado da cultura negra no século XXI. – Leonardo Santana Teixeira

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