A Ascensão Skywalker encontra equilíbrio entre a covardia e o vexame

O novo Star Wars joga seguro e não consegue emocionar nos momentos de maior necessidade (Foto: Reprodução)

Vitor Evangelista 

A risada do Imperador Palpatine no primeiro teaser do Episódio IX já entregava tudo que devíamos saber: Star Wars se acovardou. Retornando com tramas já finalizadas em filmes passados, o fecho da trilogia encerra num tom deplorável, sem alma. Na ânsia de dar pra trás com todas as corajosas decisões tomadas em Os Últimos Jedi (2017), A Ascensão Skywalker apenas atesta o medo da Disney em subverter expectativas, afinal, jogando seguro, os cheques ainda cairão. J.J. Abrams retorna à saga para imprimir toda sua falta de originalidade, criando, assim, uma história de Guerra nas Estrelas completamente imemorável, beirando o riso do ridículo. 

Há muito tempo atrás, numa galáxia muito, muito distante, Rian Johnson entregou o que se tornou a melhor investida da franquia Star Wars. Sua visão para a Galáxia, para o que representam os Jedi e para o elo Rey (Daisy Ridley) e Kylo Ren (Adam Driver) deram o fôlego necessário para os filmes e a mitologia de George Lucas ainda se esboçarem interessantes. A crítica caiu de amores por Os Últimos Jedi, o público foi pelo caminho contrário. Mas havia um consenso, o oitavo episódio era corajoso, audacioso e não tinha medo de matar a pau as expectativas daquelas acomodados com a família Skywalker e companhia.

The Rise of Skywalker, no original, brinca com elementos do sexto filme e encontra em Palpatine a figura central do Lado Sombrio da Força (Foto: Reprodução)

Kathleen Kennedy, a chefona da Lucasfilm, colocou o rabo entre as pernas e ligou pro celular de J.J. Abrams. O diretor responsável pelo revitalizado e aconchegante O Despertar da Força (2015) aceitou tomar de volta o volante de Star Wars. O que pouco se comenta é que o grande sucesso do Episódio VII se deu pelo valor nostálgico da obra. A trilogia dos anos 2000 de George Lucas afogou esperanças de quem ansiava revistar a Galáxia. Portanto, quando o anúncio de novas histórias continuando a jornada de Luke, Leia e Solo veio à tona, o coração bateu mais forte. 

Enquanto o filme de 2015 rememorava emoções adormecidas e fazia uma releitura quase à risca de Uma Nova Esperança (1977), J.J. Abrams se embebedava na falsa sensação de triunfo. O Despertar da Força está longe ser ruim, é claro. Mas está igualmente distante de ser original. Todas as decisões do roteiro se espelham nas tomadas nos anos setenta por Lucas, até mesmo a tríade principal parece um desmembramento do que Luke Skywalker (Mark Hamill) representava para sua geração.

O filme faz questão de matar personagens só para, cinco minutos depois, voltar atrás em suas decisões (Foto: Reprodução)

O grande acerto dessa nova leva de filmes é seu time de protagonistas. E, mesmo que em A Ascensão Skywalker o texto não entregue nada para o elenco trabalhar, apenas revê-los em harmonia uma última vez já nos coloca num saldo positivo. Daisy Ridley continua encantadora na pele de Rey (sem sobrenomes, num mundo ideal). A personagem é quem mais tem a fazer aqui. Destemida, importunada e ora tola, a aprendiz Jedi pode soar pedante em momentos, mas sua jornada se finaliza num grau exagerado de emoção e simplicidade. O fecho poético nos exatos passos e toques esperados, J.J. Abrams afunila sua narrativa sem vontade alguma de soar interessante ou relevante, e Rey perde muito nessa escolha.

Kylo Ren (Adam Driver) é quem mais sofre no Episódio IX. A amargura e o ressentimento do personagem são pano de fundo de uma representação tosca e embolada do novo Líder Supremo. Ao abrir a aventura com Ren em busca do Imperador, o filme diminui a figura do filho de Leia e, de quebra, ri da cara de quem comprou tudo que foi trabalhado no filme anterior. É uma visão conjunta de direção e roteiro que jogam no automático, tosco e mal lapidado. É uma pena encontrar o melhor personagem da nova trilogia tão à mercê.

E a ‘díade’ que Ren tanto cita para se referir com sua ligação com Rey é apenas a cereja num bolo estragado. A Ascensão Skywalker é cheia desses pequenos e irritantes momentos. Termos e objetos mágicos, pedaços de artefatos que conseguem inverter o jogo e colocar um lado em vantagem. São conveniência e facilitações que tornam pequenas as consequências do filme, atestando ainda mais a porca qualidade do texto de (de novo) J.J. Abrams em conjunto com Chris Terrio. O roteiro do novo episódio da Saga parece ter sido gerado por computadores programados com todas as informações conhecidas sobre o Universo; frases de efeito, diálogos mal idealizados e longas passagens que não carregam qualquer peso ou emoção, está tudo no pacote da Ascensão

Nem mesmo a belíssima trilha sonora de John Williams consegue resgatar a imponência da Saga (Foto: Reprodução)

Finn (John Boyega) é mero objeto de cena. Em recentes entrevistas de divulgação do longa, o ator revelou que não curtiu a decisão de Rian Johnson ao separar os protagonistas em Os Últimos Jedi. Agora, no novo filme, todos estão juntos a maior parte do tempo, mas a produção não encontra em momento algum a métrica ideal para ornar a dúzia de rostos que dividem espaço. O apelo para pequenas piadas fora de tom é a saída para unir a aura dos atores, sempre rindo em conjunto, por mais infantil ou desmiolada que a tirada cômica possa ser.

Voltando à questão das declarações do elenco a respeito do trabalho de Johnson no Episódio VIII, é notável o enorme desrespeito com o cineasta e sua realização para o que Star Wars é hoje. A Ascensão Skywalker segue uma cartilha para desfazer todo e qualquer resquício dos Últimos Jedi. Tudo é revisitado, sem noção lógica ou de mitologia, para desacreditar e deslegitimar o filme anterior. Origens, atitudes e linhas inteiras de diálogo que parecem terem sido criadas para ridicularizar o passado. Esse último capítulo não se preocupa em arquitetar uma história de três atos, com causa e consequência, clímax e desfecho, o texto do filme é todo voltado para remendar pontas, reviver tramas adormecidas e cair na balela de achar que consegue agradar Jedi e Sith (os gregos e troianos deles).

A estonteante fotografia de Os Últimos Jedi dá espaço para uma direção e arte insegura e sem qualquer senso de estética em A Ascensão Skywalker (Foto: Reprodução)

Poe Dameron (Oscar Isaac) flerta com tramas interessantes ao lado misteriosa Torii (a desperdiçada Keri Russell), mas nada se concretiza. Rose (a injustiçada Kelly Marie Tran) é história a parte. Depois de sofrer uma represália imensa após sua participação no oitavo filme, a atriz saiu das redes sociais e se privou desse tóxico contato com os ‘fãs’ da saga. A resposta imediata de Abrams foi tirar qualquer brilho da personagem e apagando sua importância para o todo. Até mesmo as interações com Finn são anuladas. Essa jogada novamente afirma qual papel a Lucasfilm e a Disney tomam frente a casos de abuso, a solução, é claro, é silenciar a vítima. Afinal, novamente, sem Rose ‘atrapalhando’, os cheques continuarão a cair.

A General Leia (Carrie Fisher) protagoniza poucos momentos bons e nenhum relevante. A personagem passa despercebida, opaca nas mais de duas horas de filme. Seu irmão Luke, idem. Fora uma sequência que fica na cabeça, o Mestre Jedi é outro adorno cintilante da produção. Han Solo (Harrison Ford) é bem aproveitado, ao menos. Já a quase cameo de Lando (Billy Dee Williams) é injustificada e sua cena final cabe espaço de problematizações quanto a questões de representatividade e racismo.

Até mesmo a Millenium Falcon perde relevância nas inúmeras investidas dramáticas – e sem nenhum peso -, do filme (Foto: Reprodução)

O dróide C-3PO (Anthony Daniels) carrega as melhores piadas, mas é menosprezado a todo momento. Chewbacca (Joonas Suotamo) é outro que fica igual peteca, jogado de um lado pro outro, sem ter o que fazer. A participação de Lupita Nyong’o como a destemida Maz Kanata não agrega em nada, mas também não subtrai. Já a inserção da novata Jannah (Naomie Ackie) diz muito sobre as migalhas que Hollywood insiste em entregar. 

A graciosa Billie Lourd (Scream Queens, American Horror Story) é um deleite de se assistir e suas sequências ao lado da mãe Carrie Fisher acenam para nossos sentimentos. Richard E. Grant (Poderia Me Perdoar?) e Domhnall Gleeson (Questão de Tempo) são, na mesma dose, hilários e deploráveis, e isso não é mérito algum. Por fim, o Imperador Palpatine (Ian McDiarmid) soa confuso e fora de tom, casando em harmonia com o fim da saga.

Billie Lourd ao lado da mãe Carrie Fisher, num ensaio que transmite legado e saudade (Foto: Reprodução)

Passados os excruciantes 141 minutos, quando os créditos azuis finalmente aparecerem, o fim é um alívio. Interessante (e fofo) notar que o nome de Carrie Fisher é o primeiro a aparecer para o público, bela homenagem, mas quem sabe com a presença viva de Leia, esse nono episódio não fosse, no mínimo, aceitável. Star Wars: A Ascensão Skywalker não tem ritmo nem tom constantes, não sabe moldar clímax e soa como uma anotação rápida na rebarba da página.

As linhas do caderno já foram preenchidas mas falta tão pouco para o fim, então tudo bem escrever fora de ordem ou organização. J.J. Abrams naufraga uma grande franquia dos anos 10 e só reforça que, entre os carros-chefe do entretenimento na década (a Marvel e Game of Thrones), apenas os super-heróis se saíram bem sucedidos, no fim das contas. Essa Ascensão Skywalker amarga outra consideração: às vezes, a Força simplesmente não está com você.

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