Caroline Campos
Verlust, no alemão, significa perda – mesmo que lust, sozinha, signifique desejo. Afinal, quanto mais desejamos algo, mais medo temos de perdê-lo. Se soubermos que vamos perder, maior é o desejo. É essa complexa e profunda palavra do alemão que o cineasta Esmir Filho escolhe para intitular seu novo filme, Verlust, que participa da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, na seção Mostra Brasil. Uma experiência angustiante e cheia de conflitos, o longa carrega no elenco grandes nomes do cenário nacional e uma trilha sonora impecável.
Andrea Beltrão, a nossa Hebe global, é Frederica, a irreverente protagonista que controla cada respiração do seu dia a dia e das pessoas ao seu redor. Planejando sua festa de Ano Novo numa casa de praia isolada, a mulher está sempre se chocando com Constatin (Alfredo Castro), seu marido e fotógrafo chileno, e Tuane (Fernanda Pavanelli), sua filha subversiva e contrabaixista. Além disso, ela ainda administra a vida pessoal e profissional de Lenny, a maravilhosa Marina Lima, ícone musical que decide lançar um livro pelas palavras do escritor João Wommer (Ismael Caneppele).
A situação dos personagens se torna ainda pior, ou mais estranha, quando uma criatura, mais parecida como uma baleia com incandescência azul, encalha na praia bem de frente a casa. Ao som de uivos agonizantes, o animal parece desencadear ainda mais situações aborrecedoras entre as interações, comunicando-se com pessoas que não se comunicam entre si. Assim, parece que os personagens vão sufocando, tentando se desprender de laços forçados e antigos da mesmo forma que a criatura marinha
A constante sensação de incômodo no filme trespassa as barreiras do proposital e se torna desconfortável. É extremamente difícil se apegar a qualquer um dos personagens de Esmir Filho, e isso se dá pelo fato de todos eles possuírem relações tão frígidas e decrépitas entre si que o espectador passa a fazer parte de tal morbidez. O longa é indigesto, nos fazendo sentir uma espécie de perigo em co-habitar aquela casa badalada, mas vazia. Vazia de sentimentos, vazia de comunicação, e vazia de paz.
O elenco, no entanto, traz o glamour que o filme tenta a todo tempo forçar. Beltrão incorpora uma Frederica doente por comando, mas perdida em seus próprios sentimentos, sempre imprevisível e alheia aos toques e sutilezas. Em conjunto com Marina Lima – a cena final, especialmente – , a tela se enche de cuidados em um contato íntimo de antigas amantes e atuais co-dependentes uma da outra. Lenny tem classe e poder, sendo reverenciada a todo momento pela narrativa como uma estrela do rock, seja na ficção ou na realidade.
É interessante perceber como o contrabaixo de Tuane às vezes funciona como um personagem por si só. Ele parece se comunicar mais que os seres humanos, a única forma pela qual a garota consegue se impor sobre os desejos de qualquer um que não sejam os dela. Sempre o tocando em cima das grandes pedras na areia da praia, em meio a ondas e ao balanço do mar, Tuane grita para o mundo suas vontades, sua rebeldia adolescente e reivindica sua liberdade. A criatura o responde, Frederica não o entende. Mas ele segue despejando sua música para a atmosfera de Verlust.
Quando o réveillon chega, todos precisam lidar com o que sabíamos que seria inevitável: a perda. Frederica, que curiosamente estava vestida de amarelo, a cor que ‘atrai dinheiro’ na passagem de ano, flutua entre seus convidados em uma belíssima cena em que, enquanto todos estão congelados, ela desfila em câmera lenta. Câmera essa que, por sinal, está em controle total de Esmir Filho, sempre em planos perfeitamente posicionados – o uso constante de espelhos condiz com a vaidade e o interior de seus personagens. O longa é uma coprodução de Brasil e Uruguai e foi produzido e escrito por 10 anos pelas mãos de Esmir.
Planejado para estrear dia 5 de novembro nos cinemas, Verlust é longo demais para seus 111 minutos. À medida que o filme passa, ficamos mais cansados de tamanha falta de conexão entre nós e seus personagens. Apesar de sua cinematografia categórica, assisti-lo se torna uma experiência tediosa, pois ficamos mais preocupados com o destino da pobre criatura encalhada do que com as decisões da narrativa que a cerca. A obra funciona como um jogo de espelhos, refletindo desafetos, conquistas e talento. E, como num espelho, às vezes vemos o que não gostaríamos.