Vitor Evangelista
Onze anos já se passaram desde que o mundo assistiu à finalização da trilogia do Homem-Aranha, dirigida por Sam Raimi, e foi apresentado ao alienígena parasita que antagoniza as aventuras do Amigão da Vizinhança. Agora, Venom rouba o holofote para si, protagonizando uma aventura solo cinematograficamente dispensável. Numa sucessão de blocos narrativos sem consistência no roteiro frágil e na direção caduca de Ruben Fleischer, a coprodução Sony e Marvel patina ao tentar contar a história de origem do (anti-herói?) vilão do Homem-Aranha. Herói, inclusive, que nem citado é. Venom funcionaria perfeitamente como um derivado dos filmes de Sam Raimi, quinze anos atrás.
Talvez esse sendo o principal equívoco do longa, sua temporalidade. Venom parece ter sido enfiado num buraco de minhoca lá na era pré-Marvel e cuspido agora. Nenhuma das decisões criativas da produção condiz com o histórico referencial que a Casa de Ideias cimentou na última década. A direção de Fleischer opta por filmar o monstro sempre no escuro, economiza na computação gráfica e priva a audiência da melhor característica do filme: o próprio Venom. O caráter animalesco, a sede de sangue (censurado, para tristeza dos fãs de Deadpool ou Logan). O alter ego de Eddie Brock (Tom Hardy) se comporta como sua contraparte alucinante dos quadrinhos, traços que lembram King Kong e até mesmo o Hulk.
O longa aborda o início da relação entre o alien e seu hospedeiro humano, o jornalista investigativo Eddie Brock (Tom Hardy). Hardy trabalha com um material raso e corrido, seu personagem não consegue cativar e nem é dado tempo para tanto. A montagem frenética impossibilita qualquer vínculo personagem-audiência a ser laçado e sempre pula para a próxima sequência de ação. Sempre escura, borrada ou censurada.
Indo na contramão do Mercenário Tagarela e do Velho Logan, o filme do Venom abaixou a censura, deixando de fora das telas o banho de sangue que o simbionte invoca nas páginas dos gibis. Cabeças são decepadas aqui e ali ao longo das quase duas horas e meia da produção, mas sempre fora do alcance das lentes.
A relação a la Médico e o Monstro de Venom e Brock é fator primordial para o julgo da qualidade do longa. Novamente por problemas na sala de roteiristas, a persona megalomaníaca de Venom ora atua na loucura e no primor da bestialidade, ora funciona como terapeuta de Brock. Não sendo algo necessariamente prejudicial ao filme, esse deslize só releva certo descaso em estabelecer a parceria entre ambas partes de forma crível àqueles que assistem em tela os puxões de orelha e as críticas ácidas que Venom faz do humano.
Michelle Williams faz o par romântico disfuncional de Brock, a advogada Anne Weying. Mal aproveitada, a personagem é alavanca do jornalista e de seu parasita. Outro fator que corrobora para a falta de preocupação em situar o longa no tempo atual. Num cenário em que existem produções como Mulher Maravilha (2017) e Capitã Marvel (que chega ano que vem), um filme de herói com a figura feminina subjugada soa estranho.
No advento de decisões erradas chegamos ao vilão. Riz Ahmed murcha seu currículo com a interpretação do Dr. Carlton Drake, o dono da fundação que abriga os alienígenas simbiontes. Mascarado em camadas de superficialidade e jargões do gênero de heróis, o antagonista de Venom não convence nem encanta. Nem mesmo o embate final entre criaturas consegue empolgar.
O que empolga mesmo é a primeira cena pós-créditos. Acende a luz de esperança aos fãs do Teioso e do anti-herói ao focar em outro nome dos quadrinhos, tudo indicando que Venom ganhará uma sequência. Fica a esperança de mais sangue, um pouquinho de Homem-Aranha e muito mais do monstro preto e branco que adora devorar cabeças no café-da-manhã.
Um comentário em “Venom: um filme perdido no tempo”