10 anos depois, Tron: O Legado se revela uma obra injustiçada

A imagem mostra dois homens brancos se encarando de perfil. O primeiro usa um capacete e uma roupa branca com fios neons azuis por toda a extensão. O segundo usa uma roupa igual, porém seus fios neons são vermelhos.
Tron: Uma Odisseia Eletrônica tinha um visual inovador para a época (Foto: Reprodução)

Caio Machado

Tron: Uma Odisseia Eletrônica estreou originalmente em 1982. A história do jovem programador Kevin Flynn (Jeff Bridges), lutando para sair de um mundo digital no qual foi inserido contra sua vontade, chamou a atenção por seu visual e efeitos especiais inovadores para a época. Hoje, a obra ganhou o status de cult.

Em 17 de dezembro de 2010, o filme ganhou uma continuação, Tron: O Legado. Seu desempenho nas bilheterias não atendeu às expectativas e as críticas recebidas não foram favoráveis. No entanto, ao vê-lo dez anos depois de seu lançamento, percebe-se o quanto o filme foi injustiçado e não tem a atenção que merece.

A nova história acompanha o filho de Kevin Flynn, Sam (Garrett Hedlund). Atormentado pelo desaparecimento misterioso do pai, o jovem decide investigar um sinal que recebeu e acaba sendo transportado para o mesmo mundo digital no qual Kevin se viu inserido, muitos anos antes. Lá dentro, precisa encontrar o pai desaparecido e sobreviver em um ambiente desconhecido e hostil. 

A imagem mostra o personagem de Sam Flynn. Ele é branco, tem cabelos loiros curtos, olhos azuis e usa um macacão preto com fios neons azuis pela extensão. Em sua mão direita ele segura um aro também de neon azul.
Sam Flynn, filho de Kevin, é quem assume o protagonismo na continuação do filme de 1982 (Foto: Reprodução)

A principal diferença de Tron: O Legado em relação à seu antecessor é a mudança de tom: sai o olhar ingênuo, entra a visão sóbria e cinzenta, típica das produções do começo do século XXI, como Batman Begins e Zodíaco. Isso se reflete na fotografia das cenas ocorridas no mundo real – sempre escuras e quase sem cores – e na figura de seu protagonista. Sam Flynn atua como símbolo de uma nova geração sem grandes ideologias para seguir ou combater, que vê inovações tecnológicas a cada semana e ainda precisa lidar com um planeta em crise constante. 

Enquanto isso, Kevin viveu durante a Guerra Fria, ajudou na popularização dos computadores e está há 20 anos desatualizado sobre o que aconteceu no mundo. Quando os dois conversam, diferenças de comportamento e mentalidade evidenciam o quanto o filme quer fazer essa ‘passagem de bastão’ da geração mais velha para a atual. É também um recado para os fãs da obra original, o que funcionou em 1982 não funciona agora, e a mudança é necessária para seguir em frente. É preciso aceitar a velhice e deixar a juventude assumir o comando. 

A imagem mostra o personagem de Kevin Flynn de perfil em uma sala branca escura. Ele tem cabelos e barba acinzentados e usa uma blusa branca larga.
Kevin Flynn representa uma época que não existe mais (Foto: Reprodução)

Como parte dessa adequação aos novos tempos, os temas de vigilância e repressão, já presentes no primeiro filme, retornam de forma mais escancarada sob a figura do vilão, Clu. Seu comportamento ditatorial naquele mundo digital serve como uma alegoria simples das ditaduras que aconteceram no decorrer da História. Para deixar essa alusão ainda mais explícita, existem até mesmo cenas que adotam enquadramentos similares aos de filmagens reais de governos ditatoriais do século XX. 

Contudo, Tron: O Legado passeia por esses temas rapidamente e não dá muita atenção a nenhum deles. O verdadeiro foco da direção de Joseph Kosinski está no visual, na ação e no funcionamento daquele mundo. Através de planos gerais que quase fazem o protagonista desaparecer da imagem, estabelece a grandiosidade e a beleza desse mundo virtual neon futurista. Aos poucos, revela informações que tornam aquele espaço mais vivo e ampliam a mitologia da franquia, funcionando como um jogo cujo mundo aberto é até mais interessante do que a campanha principal.

A imagem mostra o personagem Clu. Ele usa um macacão preto com fios neons laranja e tem o cabelo castanho claro e curto penteado para trás. Ele se parece com uma versão mais nova do personagem de Kevin Flynn.
Clu, vivido por Jeff Bridges rejuvenescido digitalmente, é o grande vilão do filme (Foto: Reprodução)

Nas cenas de ação, essa dinâmica similar a jogos de mundo aberto como Fallout se torna algo digno de fliperama. Kosinski é bem direto e logo estabelece qual será a ‘fase’ e o que o protagonista precisa fazer nela. Graças à fotografia de Claudio Miranda, trabalhada na combinação de preto e azul ou preto e laranja, o que acontece em seguida é um espetáculo visual que extrai o máximo de seus efeitos especiais ainda impressionantes, mesmo depois de uma década. Nesses conflitos, a trilha-sonora do Daft Punk atinge seu ápice e transforma-os numa experiência acelerada, empolgante e excepcional.

Parte importantíssima do filme, as músicas compostas pela dupla contribuem tão bem para a construção da atmosfera futurista que fica difícil pensar em outras pessoas para substituí-los. O perfeito equilíbrio entre faixas tranquilas (como Armory e Solar Sailer) e as mais agitadas (como The Game Has Changed e Derezzed) fazem com que a trilha sonora ainda seja celebrada nos dias de hoje. 

A imagem mostra uma pessoa de costas com um macacão preto com fios neons. Vemos apenas um pedaço da perna dela, que segura um aro neon nas mãos. Através do arco está a imagem de Sam Flynn, usando a mesma roupa.
As cenas de ação são um espetáculo visual (Foto: Reprodução).

Tron: O Legado, assim como seu antecessor, está mais interessado no estilo do que no conteúdo. O roteiro de Edward Kitsis e Adam Horowitz faz referências breves a temas mais profundos e conta uma história desenvolvida o bastante para que você se importe com o que está em jogo. Porém, tudo isso serve como veículo para o filme mostrar o que faz de melhor: propor um espetáculo visual neon em um mundo de mitologia riquíssima, recheado de possibilidades para uma futura continuação.

Sobre a sequência, relatos sobre Tron 3 apareceram na internet por vários anos e o projeto já até foi cancelado. Agora, parece que o filme finalmente sairá do papel e com Jared Leto como personagem principal. Afinal, não aproveitar o potencial dessa franquia seria um desperdício. 

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