Jamily Rigonatto
Quatro meninas de personalidades completamente diferentes em um quarto de universidade e a possibilidade de explorar o que o desejo permitir? Já vimos algo parecido antes, mas a receita de A Vida Sexual das Universitárias tem um tempero a mais. Com dramas sinceros e o sopro da juventude contemporânea, a série original da HBO Max chegou ao seu segundo ano pronta para conquistar os corações e corpos da Essex College.
Roteirizada por Mindy Kaling, Justin Noble, Rupinder Gill e Vanessa Baden, a produção teria todos os elementos clichês de uma história sobre liberdade sexual em termos bem humorados, se não fosse pelas personalidades singulares escolhidas para protagonizar isso. Na primeira temporada, já pudemos ver como colocar mulheres para fazer o que os caras sempre fizeram é, sim, revolucionário. Agora, as jovens com os hormônios à flor da pele nos provam à potência máxima o quanto isso pode abalar as estruturas da Comédia no audiovisual.
Quem estava ligado nas principais emissoras de televisão durante as madrugadas dos anos 2000 com certeza já topou com franquias como American Pie. Os textos cheios de duplo sentido fizeram parte do gosto do público e alcançaram milhares de pessoas. O problema? Cenas com um show de misoginia. Mas tudo bem, afinal, os homens têm necessidades. Graças ao respiro da passagem dos anos esse discurso foi se dissipando e, finalmente, temos acesso à discussão sobre liberdade sexual em pronomes femininos.
É aqui que The Sex Lives of College Girls entra e, sem precisar de muito, nos mostra as facetas das descobertas do sexo quando se tratam delas. Para os menos interessados no tema, é preciso saber que as pautas não se limitam a isso. A diversidade de discussões no universo da série é um dos grandes acertos do enredo. Da racialidade a vivência lésbica, as relações ganham mútiplas roupagens e abrem um enorme leque apoiado na singularidade.
Com uma passagem de tempo suave e moldada nos detalhes, a segunda temporada da produção retorna para dar continuidade a questões levantadas anteriormente e trazer novos ciclos capazes de mostrar como os monstros ficam menores quando são encarados de frente. Assim, o roteiro ganha vida em impermanências e constâncias, desenvolvidas de maneira muito similar aos movimentos da vida real. Maduras por um lado e completamente imaturas quando vistas de outros ângulos, as protagonistas estabelecem uma bela conexão entre a ficção e a vida.
Kimberly (Pauline Chalamet) adentra as portas de Essex com uma nova trajetória a escrever. Ainda afundada em dívidas e com a cabeça cheia de boletos, as coisas ganham cor no acinzentado. A atuação certeira de Pauline carrega em gestos a confiança adquirida pela estudante com o passar do tempo, assim, quebrar a cara e ter que arcar com as próprias responsabilidades parece ter sido tudo o que ela precisava para ter mais autonomia e aprender a expor suas opiniões de forma estável.
Já a antes misteriosa Leighton Murray (Reneé Rapp) ganha descaramento na sinceridade. O livramento das amarras do armário provam que o medo descabido de ser resumida apenas como “a garota lésbica” sempre foi infundado: a autenticidade de uma mulher cheia de personalidade jamais ganharia dimensões simplistas. Assim, sua singularidade caminha por uma trilha apaixonante em que estereótipos de uma patricinha mimada se quebram bem no meio de uma calçada queer na qual o buraco é bem mais embaixo.
Sua presença na série promove momentos hilários em que temos uma figura perfeita para performar o chavão da loira malvada vivendo uma humanidade ímpar, mesmo quando perder a postura dominante não é uma opção. A evolução da amizade entre as colegas de quarto também adoça os desenvolvimentos e, se no primeiro ano isso não ficou claro, agora a produção escancara que as quatro moças nasceram para essa irmandade.
Bela (Amrit Kaur) é o típico risco certo e facilmente poderia se resumir a uma porta-voz de piadinhas, mas, felizmente, não é isso que acontece. A futura roteirista de comédias sabe ser desimpedida e transformar tudo em pauta para risadas, porém, é com ela que a disparidade de gênero e o alcance feminino em cargos de chefia são colocados em cheque. Vê-la perceber que não vale a pena suportar qualquer coisa para chegar mais perto de um sonho e que reagir – mesmo quando isso é cansativo e complicado – pode ser o ponto de ignição, é reconfortante e encorajador.
Mesmo que seu desenvolvimento nos ofereça o melhor do cômico, Bela garante sua presença e sabe ser inesquecível. O efeito pode ser promovido pelas feições divertidas da atriz, mas pesam com muito mais força devido às escolhas do roteiro. Roteiro esse que continua a manter as expectativas em cada episódio, deixando a experiência de assistir a produção sempre próxima das maratonas em que não conseguimos pausar até saber os próximos passos.
E por falar em tópicos hipnotizantes, Whitney (Aliyah Chanelle) continua fornecendo cenas banhadas em firmeza. Para além da aparência e atitudes pautadas em uma segurança indiscutível, sua ruptura com laços de toxicidade e as novas facetas do relacionamento com a mãe compõem os ares de epifania – aqueles pelos quais torcemos desde o primeiro contato com a atleta.
Encantar com as singularidades das protagonistas pode até ser a trilha mais óbvia, entretanto, The Sex Live of College Girls é cheia de cartas na manga. Entre suas problemáticas sinceras e cheias de seriedade, a palavra-chave é leveza. Ética, estruturas sociais, crises internas e o que mais a vida tiver para oferecer para causar desestabilidade e sofrimento, são tópicos tratados sem adição de sofrimentos.
É assim que a série sai do raso sem nos afundar em melancolia. Sob as linhas do comum, os desenhos dos olhares distantes do superficial se marcam nas faces de um projeto audiovisual que não vive de promessas, mas de realizações. Estruturada, inteligente e apaixonante, a trama é um presente para quem precisa descansar da radicalidade dos cheios e vazios.
Do sensual ao risonho, A Vida Sexual das Universitárias é uma experiência inovadora mesmo que apoiada em bases recicladas. Em seus profundos devaneios, a produção nos coloca para encarar o comum a partir de quatro pares de olhos nada indiferentes e capazes de fugir do blasé – o que é sempre um prazer. Com a confirmação de uma nova temporada, esperar ansiosamente pelas futuras aventuras burlescas das universitárias tem um gosto adoravelmente apimentado.