Vitória Lopes Gomez
Nem em seus melhores sonhos George Lucas poderia imaginar o que o futuro reservava quando escreveu a história do jovem Luke Skywalker, este foi somente o pontapé inicial da franquia multibilionária que revolucionou o cinema e a cultura pop e conquistou uma legião de fãs. O universo Star Wars deu tão certo que, 47 anos após o lançamento do primeiro filme, há ainda histórias para contar através da galáxia criada por Lucas. Mas é em meio a uma recente decepção com A Ascensão Skywalker e uma acirrada disputa entre as plataformas de streaming que The Mandalorian, a primeira série live-action da franquia, chega, como uma nova esperança para os fãs da saga.
A trama segue o Mandaloriano (Pedro Pascal), um solitário caçador de recompensas mercenário. À bordo de sua nave, a Razor Crest, ele percorre a galáxia, sempre trabalhando para melhorar sua armadura. Porém, após ser contratado para capturar e entregar uma criatura da mesma espécie de Yoda, ele desconfia das intenções de seu contratante e se nega a fazê-lo, tendo de fugir para protegê-la.
Os episódios, que se passam após a queda do Império de Darth Vader (Retorno do Jedi) e antes do surgimento da Primeira Ordem (O Despertar da Força), em nenhum momento explicitam seu recorte temporal ou situam o espectador, como faziam os filmes, mas isso sequer é necessário. The Mandalorian fala pouco, porque opta por mostrar muito. A ambientação – com seus cenários caóticos e, ao mesmo tempo, magníficos -, as lutas de facções e as atividades clandestinas são apenas alguns dos fatores que, combinados com diálogos certeiros, ilustram a instabilidade política após a fragmentação do poder e a troca de regime, da ditadura do Império para a recém-nascida República.
Mas Mando não está preocupado com a situação política da galáxia, seu único objetivo é sobreviver, custe o que custar. Membro da facção mercenária Guilda, ele caça recompensas e as entrega, sem fazer perguntas, sem bússola moral. Porém, após ser contratado para capturar e entregar a criatura, que ele passa a chamar de Criança, ainda viva para o Cliente (Werner Herzog), ele suspeita de seu contratante e resolve voltar e resgatá-la, quebrando o acordo e o código de sua facção. A partir disso, ele começa a ser perseguido não só pela Guilda, mas também pelo exército imperial (ou o que sobrou dele) e tem de percorrer a galáxia em fuga.
Ao longo dos oito episódios, vemos o mercenário aprofundar sua relação com a Criança, enquanto se mete em enrascadas para protegê-la. A criaturinha, que foi apelidada de “Bebê Yoda” e “Yodinha” pela internet, está descobrindo seus poderes e aprendendo a dominar a Força, mas, apesar de sua incrível habilidade para a idade, ainda é apenas uma criança. E Jon Fraveau, showrunner e criador da série, soube dosar a participação do personagem: há momentos em que é impossível não se encantar, mas sem exagero, de forma a não futilizar a trama. A relação entre os dois ao longo da temporada, que se torna quase paternal, também se aprofunda, ajudando no desenvolvimento de ambos.
Apesar do roteiro ser escrito exclusivamente por Jon Fraveau, a direção dos episódios alterna-se entre diferentes nomes, como Taika Waititi (Jojo Rabbit, Thor: Ragnarok), Bryce Dallas Howard (Jurassic World, Black Mirror) e Dave Filoni, veterano no universo da franquia. A opção pela troca denota o estilo de cada um, mas a diversificação nos leva aos mais variados cenários, e ainda somos introduzidos a coadjuvantes que aprofundam a narrativa. Entre eles, Cara Dune (Gina Carano), uma ex-soldado choque da Resistência, e Kuiil (Nick Nolte), um fazendeiro e ex-escravo do Império, ambos se juntam a Mando. Também são apresentados Greef Karga (Carl Weathers), líder da facção Guilda, e Moff Gideon, personagem que rendeu a Giancarlo Esposito uma indicação por Melhor Ator Convidado em Série Dramática no Emmy 2020.
Esses personagens secundários, recorrentes ao longo da temporada, são essenciais não só na trajetória do protagonista, mas também por trazerem diferentes perspectivas, inclusive políticas, dentro do contexto da série. Em uma das cenas do penúltimo episódio, The Reckoning, ocorre uma discussão entre Kuiil e Cara, que lutaram em lados opostos na guerra que derrubou o Império. Na sequência, vemos Greef Karga, recém-aliado ao mandaloriano, pedir para que a rebelde esconda sua tatuagem, o que deixa o espectador querendo saber mais sobre o passado dela. Porém, apesar de serem tão interessantes quanto o protagonista, os coadjuvantes funcionam mais como aliados ou antagonistas, sem ganharem uma grande contextualização, a não ser menções sobre suas histórias. Até Moff Gideon, principal vilão da trama, só ganha maior destaque na season finale.
Apesar das agradáveis individualidades e disparidades dos diretores, os episódios se mantém coesos e o estilo faroeste permeia ao longo da temporada inteira. Diferente das outras produções de Star Wars, em que vemos os mocinhos lutando por uma causa maior, em The Mandalorian o único objetivo em comum dos personagens é a sobrevivência, o que torna o cenário mais como um faroeste espacial, do que como a space opera dos longas.
Mesmo sem um regime tirano para derrubar, e sem as amadas lutas de sabre de luz, a atmosfera diferente da série não é exatamente uma quebra do universo dos filmes, do qual ainda se mantém próxima, corrigindo, inclusive, alguns dos erros do passado. Em O Império Contra Ataca, quando vemos Boba Fett armar a emboscada que captura Han Solo e, em O Retorno do Jedi, morrer de uma forma ridícula, os fãs ficaram insatisfeitos e quiseram ver mais daquele que usava a mesma armadura que, agora, Mando veste. Mais tarde, George Lucas optou por, em Ataque dos Clones, transformar o pseudovilão em um clone de um mandaloriano, Jango Fett, que segue a mesma doutrina do nosso personagem principal.
Mas afinal, há mais de um mandaloriano? Essa é uma pergunta que o próprio protagonista da série tem que explicar. Um mandaloriano é quem segue a doutrina do planeta Mandalore, independente de ter nascido lá ou não. Quando atingem a maioridade, os adeptos vestem a característica armadura e não a tiram mais, nem mesmo a máscara – fazê-lo significa abandonar a doutrina definitivamente, motivo de vergonha entre eles. É por isso que não vemos o rosto de Pedro Pascal, a não ser por poucos, mas tão esperados segundos.
A escolha de não mostrar o rosto do protagonista é incomum e arriscada, porém mostra como sua postura, poucas palavras e muita ação é tudo o que Mando precisa para se impor. Nos primeiros episódios, não há como evitar torcer para que ele tire a máscara, mas Pascal incorpora tão bem o personagem, com sua aura misteriosa, que, quando ele finalmente o faz, é uma surpresa até para os que já sabiam o que aguardar.
Com as inevitáveis comparações da série com os filmes da saga, ainda antes de ser lançada, é de se esperar que a produção mantenha os altos níveis da franquia. E, mesmo com um orçamento menor, o CGI de The Mandalorian não fica para trás: os efeitos especiais, assim como a fotografia, são de tirar o fôlego. Mas a trilha sonora que os acompanha é o mais impressionante, o músico Ludwig Goransson (Pantera Negra) conseguiu criar instrumentais deslumbrantes, que embalam as caóticas batalhas e os momentos acolhedores, e deram uma identidade própria à produção. Não tem como escutar aquele indescritível som da abertura e não associar à série.
Usando desses artifícios e de seu elenco versátil, a temporada culmina em uma tensa e emocionante season finale, em que Mando assume os cuidados de treinar e proteger a Criança, como a doutrina manda. E, com a volta de Moff Gideon, somos deixados com um gancho ideal para a continuação, que já foi anunciada para 30 de outubro no Disney+.
Mesmo com a pressão de ser a primeira série live action do universo Star Wars e carro-chefe do novo serviço de streaming da Disney, o Disney+, The Mandalorian triunfa. Não é à toa que a produção foi indicada ao Emmy 2020 em 15 categorias, como Melhor Figurino de Fantasia/Sci-fi, Dublagem (com Taika Waititi, que dá voz ao droide IG-11) e Melhor Cinematografia Para um Seriado de Câmera Individual, pelo episódio The Reckoning. Estas e outras classificações técnicas terão seu resultado revelado em datas diferentes, durante a semana que culminará no evento principal.
Entre as muitas nomeações, a série também foi indicada à categoria Melhor Série de Drama, considerada uma das principais, e compete com veteranas como The Handmaid´s Tale, Better Call Saul e The Crown. Apesar do universo Star Wars não ter um longo histórico em categorias que não técnicas, que foram a maioria das indicações desse ano, a produção certamente veio para mudar a percepção da franquia nas premiações.
A competição é acirrada, mas que a sorte esteja com The Mandalorian no Emmy 2020.