O quinto ano de Better Call Saul veio para abalar o mundo da metanfetamina

As duas faces de um homem só: Saul Goodman e Jimmy McGill (Foto: Reprodução)

Vitor Tenca

Os advogados, como agentes essenciais da administração da justiça, devem manter em todos os momentos a honra e a dignidade da sua profissão. Porém, nem todos aqueles que exercem o Direito seguem esses ideais. Um homem claramente dividido entre a uma lei sagrada e uma lei selvagem, Jimmy McGill, ou, como gosta de ser chamado, Saul Goodman (Bob Odenkirk), nos mostra que a lei não precisa usar paletó e gravata – mas, se for usar, que seja algo extravagante e colorido.

Se passando antes dos eventos de Breaking Bad, Better Call Saul (2015), criada e produzida por Vince Gilligan e Peter Gould, captura com maestria a metamorfose de ambientes e caráteres dentro desse universo. Quanto mais se aproxima da linha do tempo de Walter White e Jesse Pinkman, os personagens vão se transformando em suas formas finais, provando o contrário àqueles que acham que a produção possui apenas o papel de complemento para a atração principal. 

A quinta temporada da série passa pela fase “início do fim”, colocando em xeque a dualidade entre o destino inevitável de certos personagens e o ressurgimento de rostos conhecidos. Ao mesmo tempo que passamos a ver sujeitos como Hank Schrader (Dean Norris) e Steve Gomez (Steven Quezada) dando as caras, continuamos nos questionando: o que pode acontecer com personagens como Kim Wexler (Rhea Seehorn), Nacho Varga (Michael Mando) e Lalo Salamanca (Tony Dalton), já que não os vemos no universo posterior da metanfetamina? 

O divisor de águas do personagem decorre da troca judicial de um nome: de James McGill – a eterna sombra de seu falecido irmão, Charles McGill – para o nosso tão conhecido Saul Goodman, o tagarela interpretado por Bob Odenkirk, com seu semblante virtuoso e cômico ao mesmo tempo. Assim como Chucky havia dito, Saul incorpora o clássico Slipping Jimmy com um diploma de Direito, o que nos leva tanto ao início da quinta temporada como ao resto dos acontecimentos de um futuro Gene Takavic.

O que torna Better Call Saul única é o fato de termos diversos personagens principais ao longo de sua trajetória, com histórias igualmente bem desenvolvidas. Um exemplo disso é Kim Wexler, a advogada ideal para qualquer escritório e companheira fiel do nosso homem de muitos nomes. Porém, não somente dentro da lei vive um advogado, cada vez mais seu amor por Jimmy e suas artimanhas crescem, deixando claro que a balança desse relacionamento às vezes pende para um lado só. 

Durante os primeiros episódios, é notável a falta de sincronia do casal, culminando numa das situações mais surpreendentes da obra. Em mais um dos planos infalíveis de Saul, que, como sempre, contam com suas usuais mentiras, as coisas acabam dando errado e colocando Kim em uma situação perigosa em sua própria empresa. Essa falta de equilíbrio nos leva a acreditar num possível fim de relacionamento entre a dupla, mas o inimaginável acontece: os dois passam a ser oficialmente marido e mulher.

Rhea Seehorn, que dá vida a Kim Wexler, e Bob Odenkirk, intérprete de Saul Goodman, se consolam pela esnobada no Emmy 2020 (Foto: Reprodução)

Durante a nomeação das séries para o Emmy 2020, a equipe de Better Call Saul foi pega de surpresa depois de não ver suas principais estrelas Bob Odenkirk e Rhea Seehorn nas categorias de atuação – uma decisão no mínimo injusta. A dupla dentro e fora das telas lamentou o ocorrido, mas se demonstraram felizes com a nomeação do programa na categoria de Melhor Série de Drama. Além disso, a produção ainda conta com as indicações em Melhor Roteiro em Série de Drama, nos episódios Bagman (05×08) e Bad Choice Road (05×09), e a indicação de Giancarlo Esposito como Melhor Ator Coadjuvante em Série de Drama pelo episódio JMM (05×07).

Giancarlo Esposito interpreta friamente Gustavo Fring, o dono do império da metanfetamina mais pura dos EUA, que passa agora por problemas um pouco diferentes. A chegada de Lalo em temporadas passadas mostra o receio da família Salamanca com uma possível vingança do chileno, devido a uma dívida muito antiga e pessoal. Com isso, notamos uma guerra fria entre os dois braços do cartel, fazendo com que Fring utilize todas as cartas que tem em sua manga, inclusive um membro infiltrado que não levantaria nenhuma suspeita: Nacho Varga.

Nesse meio tempo, uma outra guerra é travada – dessa vez uma um pouco menos fria. Howard Hamlin (Patrick Fabian), cocriador do escritório HMM, foi quem carregou a cruz nas costas após a morte de Chucky. Para ajudar com essa penitência, Saul decide se vingar de todos os momentos que Howard havia sido cúmplice de Charles e ao tentar confrontá-lo, acaba criando a cena mais eletrizante da série: Jimmy lançando “raios” e “trovões” enquanto excomunga Howard em pleno Tribunal.

Um deus lançando raios sobre seu inimigo (Foto: Reprodução)

A atual temporada finalmente consegue nos dar a resposta de como Saul enfim entra no ramo do cartel: por via de aconselhamento jurídico para família Salamanca. O oitavo episódio da temporada – Bagman –, apontado merecidamente ao Emmy de Melhor Roteiro, nos mostra o começo dessa trajetória e ganha a atenção da crítica, que considera a produção o clímax de tudo que havia sido desenvolvido até ali. Atribuída a missão para Jimmy de pegar 7 milhões de doláres do cartel, tudo começa a dar errado, mas por sorte podemos contar com Mike (Jonathan Banks) para nossa segurança.

O outro capítulo que recebeu a mesma notoriedade pelo Emmy, Bad Choice Road, ganha o coração do espectador por meio do suspense e pavor no ar, quando Lalo Salamanca vai à casa de Saul e Kim para conferir a verdade sobre o trajeto do dinheiro. Mas Lalo não contava com um único obstáculo, a primeira dama da série, Kim, que lhe dá uma surra com classe, em uma interpretação digna de prêmios por Rhea Seehorn. Porém, não é apenas esse acontecimento impressionante que ocorre nesse capítulo, já que começamos a ver uma nova Slipping Kim, que larga sua requintada firma para os simples casos Pro-bonos.

“It’s all good man!” (Foto: Reprodução)

Digressões marcam a série de início ao fim, contando a história de Gene Takavic, nosso próprio Saul Goodman, com um bigode e uma identidade falsa depois de seu envolvimento com os chefes do império das drogas. E, assim como o espetáculo conta com elementos que viajam do futuro para o passado, o espectador se encontra num emaranhado de conexões entre uma série de 2008 e outra de 2020. De qualquer forma, mesmo tão próximo do final, a ansiedade de saber o que acontecerá na última temporada de Better Call Saul permanece a mesma.

A sexta temporada, ainda sem data, já foi confirmada pela AMC. Veremos o fim do ciclo televisivo de Saul Goodman e suas múltiplas faces, além das produções do gênio Vince Gilligan no universo de Breaking Bad (2008-2013). Por conta da pandemia, as produções ainda não retomaram, mas a garantia é de que a lábia de seus personagens venha nos encantar por um último ano – e, quem sabe, ainda não nos reencontremos com um tal de Heisenberg. Seja como Saul, James ou Gene, Better Call Saul veio para alterar as estruturas do mundo das drogas. E a lei da selva é clara: quem ganha é o mais forte.

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