Pantera Negra: uma mensagem de diversidade

Em seis dias, o filme já conquistou a quinta maior bilheteria de estreia da história (Reprodução)

Pedro Fonseca E. Silva

Há 10 anos, a Marvel Studios iniciou um projeto ousado que renderia bilhões nas bilheterias mundiais com o filme Homem de Ferro (2008). Desde então, a empresa já conta com mais de uma dezena de filmes sobre super-heróis, conquistando um espaço único para si com sua famosa “Fórmula Marvel”. Enquanto muitos esperam a consagração de toda essa jornada com Vingadores: Guerra Infinita, recebemos um presente antecipado com a estreia de Pantera Negra, que traz consigo um ar revigorante para as adaptações de quadrinhos.

Após a morte do rei de Wakanda, T’Chaka, o príncipe T’Challa deve voltar ao seu país e assumir oficialmente o trono como Pantera Negra, defensor de Wakanda. O novo rei terá que batalhar para provar ao seu povo que é digno de liderar o país mais avançado da Terra, que há muito exilou-se do resto do mundo, ao mesmo tempo em que enfrenta algumas figuras do passado de Wakanda.

Pantera Negra não é o primeiro herói dos quadrinhos a atuar no continente africano. Antepassados como o Fantasma, personagem da década de 20, ou mesmo um nome mais conhecido como Tarzan são situados na África. Porém, T’Challa é um personagem genuinamente africano, e esse fato emblemático trouxe peso simbólico ao filme. Para realizar essa empreitada, a produção reuniu um elenco predominantemente negro com nomes como Chadwick Boseman, Michel B. Jordan, Lupita Nyong’o e Daniel Kaluuya. Com direção de Ryan Coogler (Creed (2015)), a obra possui também uma trilha sonora com faixas inéditas do rapper Kendrick Lamar que conferem um ritmo moderno e intenso à história.

Os inimigos Killmonger e Pantera Negra. O antagonista foi inspirado em Cidade de Deus (Reprodução)

Todo esse esforço para montar um grupo de peso provou-se digno logo nos primeiros minutos de filme. Como esperado, todos foram capazes de executar perfeitamente seus papéis e, assim, criar o vínculo necessário com o público. Em meio a todas essas grandes personalidades, o jovem astro Michael B. Jordan e seu personagem, Killmonger, toma para si o destaque.

O ator está acostumado com o universo dos super-heróis: ele já atuou como Tocha Humana no remake Quarteto Fantástico (2015) e emprestou a voz para o herói Cyborg na animação Justice League: The Flashpoint Paradox (2013). Mas é como antagonista que ele finalmente alcança seu ápice e consegue construir o vilão mais completo do universo Marvel. Killmonger atua como o contraponto de T’Challa, representando a visão  de quem teve que conviver com todo o preconceito do mundo sem nenhuma proteção e agora deseja alterar essa realidade da maneira que puder. O ator consegue equilibrar muito bem o desejo inocente de um jovem com a visão de um homem corrompido. É através da disputa de visões entre Killmonger e T’Challa que se dá o maior embate do filme.

O longa inspirou campanhas para levar crianças de comunidades negras ao cinema (Reprodução)

A produção é a segunda da Marvel a apresentar um super-herói negro como protagonista – a primeira foi a trilogia Blade, o Caçador de Vampiros (1998-2004) . Tal empreitada traz consigo uma enorme responsabilidade por representar a cultura de um povo que sofreu por séculos com um processo de escravização e preconceito que permanece enraizado até hoje na sociedade. Em tempos nos quais visões preconceituosas marcham nas ruas protestando por um mundo desigual e grandes líderes mostram-se complacentes a todo esse absurdo também é justo que se faça uma alusão ao papel da política nesse cenário.

Essa alusão vem representada no papel de Chadwick Boseman, o rei T’Challa. Recém-empossado como monarca de Wakanda, o país mais desenvolvido do mundo, ele deve decidir entre manter-se preso a uma visão isolacionista e conservadora ou lutar pelo desejo de um mundo integrado e pacífico.

Okoye, Nakia e Ayo (Florence Kasumba). Okoye e Nakia se contrapõem (Reprodução)

Com esse debate em pauta é preciso novamente elogiar a tomada de escolha do elenco, pois através dela foi possível abrir uma brecha para tocar em outro ponto fundamental: a força da mulher na sociedade. A escolha de um elenco repleto de grandes atrizes tornou possível representar um núcleo de personagens femininas que cercam o trono de Wakanda e que por vezes trazem pautas e tomadas de decisões mais importantes do que o próprio protagonista. Elas atuam como líderes, rainhas, cientistas e guerreiras.

Um ótimo exemplo são as personagens de Nakia (Lupita Nyong’o), amiga de infância de T’Challa, e Okoye (Danai Gurira), a líder das defensoras do rei, as Dora Milaje. Em um conflito semelhante ao de T’Challa e Killmonger, as duas mulheres representam pontos de vista distintos: Nakia anseia pela mudança em um país cercado pelo conservadorismo enquanto Okoye luta para se manter fiel à postura que sempre guiou e protegeu seu reino.

Mesmo com tantos pontos positivos, o filme peca ao executar algumas de suas principais promessas. Em parte, o roteiro do filme se mostra clichê na clássica “jornada do rei” que muito lembra a trama de O Rei Leão (1994). Além disso, a publicidade do filme apontava um maior destaque para a cultura africana em cenas com os habitantes de Wakanda, representados por uma variedade de vestimentas e cores. Porém, a falta de segurança do diretor com os efeitos de computação gráfica e a necessidade de contar parte da história com ambientação em outros países impediram que ele explorasse ao máximo o país fictício e fez com que se limitasse ao arco da família real.

Imperfeito, porém único – essa é a melhor maneira para descrever o novo longa da Marvel Studios. A obra de Ryan Coogler pode não ter conseguido explorar todo o potencial do personagem, mas foi a primeira a apresentar um tom mais sério e fugir da velha “Fórmula Marvel”. Abordando temas sintonizados à atualidade, o filme construiu uma figura de herói para aqueles que mais precisavam e uma nova base para filmes desse nicho.

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