Júlia Caroline Fonte
Há 5 anos, os portões do Buckingham Palace foram abertos ao público, revelando os segredos obscuros e os dramas da família real britânica, como também nos aproximando de uma das figuras mais conhecidas da história. The Crown, série criada por Peter Morgan, que, de início, não tinha tanta aclamação e atenção do público, logo tornou-se um sucesso e, prestes a lançar sua quinta temporada, a série da Netflix conta com o maior orçamento da plataforma, a altura de suas personagens e de sua luxuosa produção.
Além de fofocas e polêmicas dignas de um romance da corte francesa, a série consegue conquistar o espectador logo de cara apenas com sua protagonista, a rainha Elizabeth II, no início interpretada pela talentosa Claire Foy. Sendo um dos principais elementos para garantir esse sucesso, a atriz entrega o papel de forma surpreendente, trazendo à tona uma visão que dificilmente teríamos da soberana.
Não é surpresa que as mulheres enfrentaram – e ainda enfrentam – enormes obstáculos para assumirem sua posição e poder, e a trajetória da personagem Lilibeth procura evidenciar esse problema. Uma figura prestes a completar 70 anos de reinado – o primeiro monarca do Reino Unido a conquistar esse feito – é retratada na série como uma jovem que não foi preparada para governar, mesmo que sua posição de Chefe de Estado já estivesse prevista desde criança.
The Crown tem um papel social importante: reconhecer o legado de Elizabeth como uma das mulheres que comandou um país que sempre esteve à frente de diversas outras nações. Ela prova que por mais que inúmeras forças a desacreditem e tentem derrubá-la durante sua trajetória, uma mulher tem o poder de sentar a uma grande mesa com homens velhos de terno, e é capaz de decidir o rumo de uma grande potência econômica. A monarca é hoje um símbolo que traz força para diversas figuras femininas influentes que foram jogadas à margem ao longo da história.
Porém, essa representatividade histórica não apaga todas as controvérsias e condutas nocivas relacionadas à essa poderosa família, que são ofuscadas por muita romantização de todos os seus movimentos. Suas cenas muito bem escritas expõem o lado difícil de viver sobre o peso de um poderoso legado e, tentam envolver o espectador em um sentimento de empatia quando Margaret (Vanessa Kirby) não pode viver um simples e forte romance ou Elizabeth tem que abrir mão da sua vida de mãe presente para focar nos difíceis cuidados do novo filho: seu reinado.
Essa visão passa a rondar as duas primeiras temporadas exibidas em 2016 e 2017 e tem sua inversão nas duas seguintes, principalmente na mais recente, lançada ano passado, em que uma jovem plebeia adentra as muralhas da realeza. A clássica mudança de elenco a cada dois anos marca uma grande transformação na narrativa da monarquia. Algo podre começa a emergir das paredes do palácio, e então passamos a mergulhar ainda mais em um lado frio e sombrio dos personagens, principalmente Elizabeth, que na terceira temporada prepara seu herdeiro de modo apático. A visão do belo passa a dar lugar ao início de uma imagem deteriorada para público, e a empatia e encanto sentidos no começo iniciam sua lenta partida.
É também na terceira parte que The Crown começa lentamente a se perder em sua protagonista e esfacelar seu enredo com tantos personagens embaralhando-se, entregando para o público uma das temporadas mais lentas e arrastadas. Porém, sua quarta temporada é salva por uma das figuras mais importantes para a realeza: Lady Di. Reacendendo a imagem na família real na década de 80 e quebrando protocolos, a jovem traz a atenção do público de volta à série. O protagonismo entre ela e Elizabeth começa a ficar mais dividido, consolidando o problema do ano anterior. Apesar disso, The Crown ainda se garante como uma excelente história.
Para a decepção de muitos, a vida da Princesa do Povo é mostrada de modo rápido e razoável. Mesmo não sendo a protagonista, a duquesa, assim como em vida, sempre consegue atrair todos os holofotes para si, bem como os espectadores, que sempre anseiam por mais Diana. Com a atenção à protagonista se perdendo, o desejo de adentrar cada vez mais a vida da jovem aumenta entre o público, que precisa se contentar com poucos momentos. No entanto, estes não deixam de ser notáveis, graças a Emma Corrin e Josh O’Connor interpretando, respectivamente, Diana e Charles.
Nesta quarta temporada, a família real passa a ter um papel de vilã para a jovem plebeia que tem a vida retratada de modo trágico. Com um marido que a abusa emocionalmente e tendo que dividi-lo com a amante Camilla Parker Bowles (Emerald Fennell), a família real se mostra indiferente e como sempre, apenas tentando garantir as aparências. Esse é um dos motivos que fizeram com que The Crown sempre estivesse envolvida em polêmicas com a realeza britânica, porém, sua quarta parte garantiu o aumento da tensão, principalmente com aqueles próximos a Charles que se incomodaram com sua representação.
Além de sua excepcional narrativa, a série criada por Peter Morgan também não deixa de dar um espetáculo em seus aspectos técnicos. A direção de fotografia do brasileiro Adriano Goldman foi fundamental para transmitir a mensagem da série e garantir seu visual deslumbrante junto com a direção de arte, que não poupou dinheiro e esforços ao recriar a vida das personagens. A trilha sonora também se destaca, com a maior parte das músicas de autoria de Rupert Gregson-Wiliams combinadas a outros elementos sonoros, criando a atmosfera ideal.
É difícil ressaltar a qualidade de The Crown sem mencionar seu elenco, que brilhou não apenas por causa de Claire Foy. Em sua primeira fase, a série nos presenteia com os atores Matt Smith no papel do Príncipe Philip e John Lithgow que reviveu o prestigiado Winston Churchill; além de outro grande destaque: Vanessa Kirby, que nos encantou com sua rebelde e intensa Princesa Margaret.
Já em sua segunda fase temos a versão mais velha dos personagens, com a aclamada Olivia Colman vivendo Elizabeth, Tobias Menzies, como seu marido, Helena Bonham Carter, dando voz à polêmica irmã, e Gillian Anderson como a famosa Dama de Ferro. Um elenco de peso que, contudo, não supera seus antecessores, deixando nítida a divisão entre os dois períodos retratados, com algumas diferenças na personalidade de suas personagens e suas próprias versões das mesmas. E é claro, uma brusca diferença física, principalmente para as duas irmãs, que ficaram marcadas pelos grandes olhos azuis das atrizes, ignorados pela produção.
The Crown completa seus 5 anos como uma já consagrada e singular obra. Nos proporcionando a experiência única de acompanhar e nos aproximar pelo menos um pouco da realeza deste século. A série, que já garantiu diversos prêmios e indicações em seu caminho (e fez história vencendo todas as estatuetas de Drama no Emmy 2021), vem instigando as expectativas dos fãs para as próximas temporadas, que começam a caminhar para o final de sua história; e anunciando mais uma vez um grande elenco, ela se encerrará com um dos períodos bem críticos para a realeza, que com certeza será retratado com a mesma excelência que vimos até então.