Ana Laura Ferreira
“O mundo gira, outro dia, outro drama” é apenas uma das frases do single de abertura da era reputation que, há 5 anos, revolucionou tudo que sabíamos – ou pensamos saber – sobre Taylor Swift. E ela não poderia ser mais franca. Drama é uma palavra recorrente na vida da cantora, mas que ganhou novos fins ao ser transformado em um dos maiores álbuns pop de todos os tempos. A fama de reputation foi um tanto tardia, com a crítica especializada da época defendendo que ela poderia ter feito mais. Mas como qualquer grande obra de arte, foi apenas depois de anos que nos encontramos maduros o suficiente para apreciar sua grandeza.
O álbum surgiu em um contexto um tanto conturbado na vida de Swift. Depois de anos sendo obrigada a reviver sua história com Kanye West nos palcos do VMA de 2009, Taylor viu sua carreira ser chafurdada por críticas e especulações com o lançamento do single Famous, de Ye. Na canção, West ofende a cantora deliberadamente, atribuindo a ele a fama de Taylor. Reviravoltas a parte, o episódio foi responsável por afastar a artista dos holofotes por quase um ano após o fim da The 1989 World Tour. Sem saber quais seriam seus próximos passos, os fãs foram surpreendidos quando, em meados de 2017, Look What You Made Me Do deu as caras com todo o shade que o momento merecia.
Trazendo suas antigas versões, a loirinha aproveitou o clipe para passar um recado alto e claro: a partir daquele momento, ela estaria tomando de volta o controle de sua própria história. E é sobre isso que reputation se trata. Indo narrativamente além do que a cantora já havia mostrado em outros pontos de seus, até então, onze anos de carreira, o disco envolve muito mais do que apenas um acerto de contas. Ele se dedica a explorar uma nova versão, sem impedimentos, dos gostos e experimentações de Taylor, com a liberdade de não se importar mais em como anda sua reputação.
Definir o disco em palavras é um tanto difícil. Isso porque o sexto álbum em estúdio da cantora se constrói em torno de metáforas e simbologias, muito mais complexas e significativas do que poderíamos dizer. Seu teor sonora e narrativamente carregado, explícito em músicas como I Did Something Bad, fazem deste um álbum noturno, assim como Lover – seu disco seguinte – poderia ser definido como matutino. Ele traz uma atmosfera underground mesmo em meio ao mais puro conceito de pop, sendo uma ambiguidade por si só. Todas as camadas de construção que ajudam a criar essa estética para reputation não poderiam ser entendidas como menos que catárticas.
Iniciando suas 15 faixas com …Ready For It?, logo de cara temos um aperitivo de todos os contextos que serão trabalhados na coletânea. Basta uma leitura rápida nas músicas que compõem o álbum para descobrirmos duas coisas: 1) o disco não se trata apenas de uma parte específica da vida de Taylor, mas de como, após seu ano sabático, ela analisa toda sua carreira; e 2) experimentação é a palavra que comanda o trabalho. Faixas como Don’t Blame Me trazem uma sonoridade quase profética e fantasiosa, enquanto Delicate resgata o vocoder, o “pai” do atual auto-tune, para que mesmo em meio a sintetizadores possamos ter acesso a uma experiência incomum para a música da época.
Assim como qualquer outra era de Taylor, reputation não ficaria de fora de uma carregada estética própria. Jogando com as inúmeras metáforas que sua reputação permitia, foi estampando capas de jornais que Swift decidiu erguer a nova fase. Além de representativa, a “brincadeira” feita com as diversas manchetes as quais era citada, em combinação com tons mais sóbrios como cinza e preto, contrastam com a leveza de músicas como Gorgeous. O que temos é mais um simbolismo de como a cantora não se limita pelas histórias a qual foi – sem permissão – inserida, mas constrói a sua própria, com altos e baixos, tristezas e alegrias, términos e recomeços, fúrias mas também calmaria.
Apesar de hoje isso não ser mais realidade, quando lançado, reputation foi taxado como o álbum menos comercial de Swift. E por mais que em um primeiro momento isso até tenha sido verdade, com LWYMMD e Delicate sendo os únicos carros-chefe do disco nas rádios, em retrospectiva podemos ver que era apenas uma questão de tempo. Afinal, não seria por nada que com apenas dois meses de lançamento o disco tenha se tornado o 2º álbum mais vendido nos Estados Unidos em 2017.
Muito dessa resistência, e até mesmo recusa, que o CD enfrentou da crítica e da indústria como um todo, pode ser explicada por dois fatores. O primeiro deles é a falta de previsibilidade, fato recorrente na discografia de Taylor, mas que agora chegava a níveis nunca antes vistos. Saindo de uma carreira consolidada no country, passando por uma transição necessária com Red (2012) e entregando o suprassumo do pop mainstream com 1989 (2014), a mudança para uma versão mais profunda e até mesmo lúdica de sonoridades não era o caminho com maiores apostas. Misturando muitas influências de rock – para o deleite dos fãs da versão ao vivo de We Are Never Ever Getting Back Together -, mas também da música eletrônica e até mesmo uma pitada da sonoridade gospel, o álbum se construiu sem precedentes.
O segundo ponto que levou o disco a ter um apagamento nas grandes premiações, com ressalvas, foi a própria pressão que a mídia especializada sofreu para continuar avaliando Taylor como inferior a sua real genialidade. Em exemplo prático, Geoff Nelson, crítico responsável pela nota D+ do pelo site Consequence Of Sound, veio a público em setembro de 2022 dizer que foi encorajado pela revista a falar mal do álbum e dar a ele uma nota vermelha. “Consequence adorou o engajamento [da resenha] para ter um momento de sucesso”, afirmou Nelson. Poucos dias antes do depoimento, o veículo havia descrito reputation como um dos melhores álbuns dos últimos 15 anos e considerava sua própria nota como um de “seus piores erros”.
Entretanto, não poderíamos falar em reputation sem mencionar Karma, o suposto álbum descartado que deveria ter sido o TS6. Com uma carreira mais do que bem consolidada e periódica, desde seu debut com o disco Taylor Swift (2006), a cantora mantinha um padrão de lançamento a cada dois anos, contabilizando uma década nesse ritmo. A progressão entre uma era e outra também sempre foi natural, com Taylor aparecendo com cores específicas ao fim de uma fase, já prevendo a próxima. Foi em cima de tal recorrência que os fãs da cantora criaram o que é, até hoje, uma das maiores teorizações de seu fandom.
Em meados de maio de 2016 os primeiros boatos começaram. Ao aparecer no MET Gala da Vogue daquele ano com um visual completamente diferente, com ênfase para o cabelo curto e platinado, os ‘swifties’ começaram a imaginar o começo da era que precederia 1989. Depois de muitas especulações, teorias e interpretações, sua fanbase chegou a um certo consenso de que aqueles seriam os primeiros indícios do álbum Karma. Porém, com todos os acontecimentos desde então, reputation ganhou o título de sexto disco da cantora.
Os boatos, contudo, não diminuíram, em especial depois do lançamento do clipe de The Man, do disco Lover, no qual Taylor posa em frente a um grafite com os títulos de todos os seus trabalhos. Entre eles, Karma aparece bem ao centro. Teorias à parte, e sendo verdade ou não, o mais próximo que temos do suposto álbum descartado até o momento é a faixa de mesmo nome, presente em Midnights (2022).
O peso que reputation teve na carreira de Taylor é incalculável, mas podemos ter ao menos uma amostra de seu impacto no documentário Miss Americana, lançado em 2020 pela Netflix. Para além de seu desenvolvimento, como a cômica criação de Getaway Car, o filme nos deu uma visão realista sobre como a cantora lidou com as diversas manchetes e fofocas que resultaram em seu ano sabático. Humanizando a figura de uma diva, o documentário foi capaz de nos aproximar da pessoa além da fama e mostrar a evolução de Swift em superar e ressignificar suas próprias vivências. Foi também na obra que tivemos um gostinho dos bastidores da reputation Stadium Tour, a turnê feminina mais rentável de 2018.
Outro marco que reputation carrega é ser o último lançamento a vincular Swift a sua antiga gravadora, a Big Machine Records. Sem ter direito a suas próprias canções, vendidas sem o seu consentimento, Taylor se retirou do selo a fim de retomar suas músicas lançadas até então. Depois de processos judiciais conturbados, a saída foi a regravação de seus seis primeiros discos. Com Fearless (Taylor’s Version) e Red (Taylor’s Version), que além de contarem com todas as canções originais ainda trazem inúmeras inéditas, Taylor não apenas teve de volta o controle de sua carreira, como mostrou a todos o porquê de ser nomeada como a “própria indústria da música“.
O sexto CD de Swift é muito mais que apenas um álbum: é um marco, se não um divisor de águas no pop. Já sendo reverenciado em toda sua genialidade, é fácil mencionar o disco como uma das maiores produções de Taylor. Eclético, coeso e muito mais complexo do que podemos imaginar, a coletânea é uma narrativa sonora com todos os elementos necessários para se tornar atemporal. Assim como A Night At The Opera um dia foi renegado pela crítica, mas construiu sua própria grandeza, o que impede reputation de fazer o mesmo?