A dor separa e consome em Pilatos

A obra, que aborda uma relação conturbada entre mãe e filha, faz parte da 44ª Mostra de SP na seção Novos Diretores (Foto: Reprodução)

Isabella Siqueira

Pilatos, dirigido por Linda Dombrovszky, é um filme que remete principalmente ao luto e as diferenças. O longa, que estreou na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, é a aposta da Hungria para o Oscar 2021. Com sua premissa relativamente simples, ele desdobra perfeitamente relações familiares abaladas. A trama, baseada no romance psicológico de mesmo nome da escritora húngara Magda Szabó, conta a história de uma mãe e de uma filha, estremecidas pela dor e que não se encontram, mesmo morando na mesma casa.

Logo no início em uma de suas visitas, a viúva Anna (Ildikó Hámori) descobre a morte de seu marido Vince (Zsolt Kovács). A partir disso, o tom melancólico do filme é complementado por um instrumental que embala a tristeza da personagem. Seu estado frágil não acompanha o ritmo das mudanças que acontecem em sua vida, com o rosto abatido pelas perdas que chegam inesperadamente.

Sua filha, a médica controladora Iza (Anna Györgyi), sem demora já insiste em mover a mãe para sua casa no centro, levando-a para longe de suas memórias, marcadas por objetos quebrados e velhos, mas que, de acordo com a filha, não passam de velharias sem sentido. Com tanta insensibilidade, fica claro o desentendimento entre as duas personagens, que lidam com a perda de maneiras distintas.

Dirigido por Linda Dombrovszky, o longa foi indicado em cinco categorias no Festival Internacional de Milão (MIFF), incluindo Melhor Direção e Melhor Filme (Foto: Reprodução)

A falta de comunicação entre as duas protagonistas é o aspecto principal de Pilatos, tratando a mãe como um fardo, Iza é quase uma vilã em sua própria casa. Contudo, claramente reprime sentimentos quanto a perda do pai, seu falho relacionamento amoroso e a distância emocional da mãe. Mesmo com sua incompreensão e teimosia, é impossível negar também que as barreiras geracionais são inimigas do relacionamento das duas. O novo estilo moderno da filha contrasta com a realidade caseira de onde Anna é tirada.

Ao mesmo tempo, apesar de Iza ser uma personagem que desperta ódio em quem assiste, possui sua fragilidade naquilo que não pode ser. O desejo de Anna para que ela se torne mãe e esposa não é uma realidade para a ocupada médica. Enquanto isso, a personagem presencia o afeto de sua mãe por seu ex-marido, Antal (Sándor Terhes) e sua atual esposa.

Assim como o livro, o filme também se divide em quatro momentos: intitulados terra, fogo, água e ar. Outro aspecto curioso reside no nome da obra, que em inglês ficou intitulada como Iza’s Ballad. Contudo, a referência para o nome húngaro, Pilatus,  tem relação com Poncio Pilatos, figura bíblica que lava as mãos de Cristo, da mesma forma que Iza com sua própria mãe.

A intérprete de Iza, Anna Györgyi, entrega com maestria o controle emocional e frieza de uma personagem tão odiosa (Foto: Divulgação Imprensa)

O roteiro escrito por György Somogyi e Sándor Széles é uma adaptação da novela da falecida escritora Magda Szabó. De forma sensível e objetiva, ele aborda a relação das duas com farpas e questionamentos sobre amor. A fotografia clara da casa de Anna é contrária à escuridão da residência moderna de Iza. Já o silêncio que preenche várias cenas é compatível com solidão que a mãe encontra em sua realidade, seus flashbacks, poucos objetos e algumas paisagens a todo momento remetem a sua vida junto de Vince, como uma amostra de sua saudade.

No longa hungaro, ao contrário do que dá a entender, Iza não é uma vilã, mas sim uma personagem que se vê rejeitada. Mesmo que a trama termine em uma tragédia, é impossível imaginar um final mais justo. No fim, somos levados de volta à primeira cena, onde existe razão nas palavras da filha, que procura se eximir da culpa. Pilatos é uma obra silenciosa que retrata um sentimento incompreendido das duas, um amor ainda existente.

Deixe uma resposta