50 anos de Pearl: ainda não há nada como a pérola de Janis Joplin

Janis Joplin, uma mulher branca em torno dos seus 27 anos, está sentada em uma poltrona estampada. Ela está com as pernas cruzadas, o braço apoiado no encosto e dá uma gargalhada. Ela usa uma calça solta e vermelha, sapatos de bico fino vermelhos, uma blusa roxa de mangas compridas e plumas vermelhas no cabelo. O fundo é azul e há um copo com um líquido amarelado no chão.
Seja no soul, no blues ou no rock: Pearl é sinônimo de genialidade (Foto: Reprodução)

Caroline Campos

Há séculos, cometas têm passado pela Terra. Seus suspiros de vida são breves, mas igualmente fortes. Tão fortes que ecoam gerações adiante mesmo após sua passagem. Janis Joplin, a selvagem primeira dama do rock n’ roll, foi um cometa – desses que desestabilizam e transformam os poucos sortudos que podem presenciá-los. Apesar do tempo da cantora nesse plano ter sido curto, é possível entrar em contato com um pedacinho de sua alma ao ouvir Pearl, sua obra-prima. O disco foi lançado em janeiro de 1971, três meses depois de Janis ter sido encontrada morta em seu quarto de hotel. Passados 50 anos, a certeza ainda é uma: nunca existiu ninguém como Janis Joplin.

A década de 70 foi pra lá de produtiva no mundo da música. Estrelas em ascensão, bandas se consolidando e o lançamento de álbuns e mais álbuns que hoje em dia são peças raras para qualquer colecionador. Janis, que veio de uma família conservadora em uma cidadezinha do Texas, foi lançada em 1967 no Festival Pop de Monterey, ao lado da banda Big Brother and Holding Company. Curiosamente, o mesmo festival também lançou Jimi Hendrix, que, por ironia do destino, compartilha outro número com a cantora: ambos morreram com 27 anos, inaugurando o chamado Clube dos 27 – a maldição que envolve diversos famosos que partiram nessa idade.

Depois de produzir dois discos com a banda, Big Brother and the Holding Company (1967) e Cheap Thrills (1968), era hora de pensar solo. Assim, a cantora se aventurou com os The Kozmic Blues Band para lançar I Got Dem Ol’ Kozmic Blues Again Mama!, em 1969. Vocais potentes a parte, o registro não foi um grande sucesso, e Janis precisava mesmo era de uma banda que a entendesse. Foi aí que encontrou os canadenses da Full Tilt Boogie Band, responsáveis pelo instrumental de tirar o fôlego de Pearl, o segundo e último trabalho solo de Janis, e também o melhor.

Das dez faixas explosivas presentes no disco, apenas uma não foi concluída: Janis faleceu antes de gravar os vocais de Buried Alive In The Blues. Como os arranjos já haviam sido aprovados pela cantora, a banda optou por mantê-la no CD, do jeitinho que a texana iria querer. Não é para menos, pois só de ouvir a canção é possível perceber o nível de talento dos músicos que Joplin escolheu. O resto de Pearl parece um lamento melancólico guiado por Janis. Sua voz visceral está no auge da crueza, provando que a cantora era, acima de tudo, um fenômeno da natureza incapaz de ser controlado. 

A imagem está em preto e branco. Nela, se encontram sete pessoas: seis homens e uma mulher. Estão todos sentados em cadeiras em um bar com copos na mão. A mulher está no centro da imagem, é branca e segura um copo no alto com um sorriso no rosto. Os homens estão ao seu redor e posam para a foto.
Joplin e a Full Tilt Boogie, com John Till como guitarrista, Richard Bell no piano, Brad Campbell no baixo, Clark Pierson como baterista e Ken Pearson no órgão (Foto: Reprodução)

E o melhor exemplo disso é Cry Baby, cover da música de Garnet Mimms, da banda de blues Garnet Mimms & The Enchanters. A impressão que temos é que, a qualquer momento, os alto-falantes vão se rasgar tamanha a performance da cantora logo na segunda música de Pearl. O tom rouco e a queixa pelo desamor que vive dita todo o resto do disco também é explícito em A Woman Left Lonely, em que Janis canta em um paradoxo sensível-agressivo sobre solidão e carência.

Janis Joplin também assina a composição de duas faixas: Move Over e Mercedes-Benz, em parceria com Bob Neuwirth. A primeira, abre-alas do disco, tem guitarras marcantes que acompanham cada timbre da cantora em uma vibe rock ‘n roll, que foi apresentada no The Dick Cavett Show após uma entrevista repleta do bom humor habitual da rainha de plumas na cabeça. Ou aceite esse amor que eu ofereço ou me deixe em paz homens são homens independente da época em que se cante sobre eles. Já Mercedes-Benz, sua música mais conhecida, recebe uma versão à capela com nada além de batidas de pé acompanhando a rouquidão com que Janis a entoa.

Capa do disco Pearl. Janis Joplin está sentada em uma poltrona, com as pernas cruzadas e o braço apoiado no encosto. Ela usa calças largas vermelhas, uma blusa roxa de mangas compridas e plumas vermelhas nos cabelos castanhos. O fundo é azul e a palavra PEARL está centralizada na parte de cima, em letras beges. Em volta, há uma margem amarela com um fundo vinho.
A conhecida capa de Pearl – Janis era fã assumida de lendas como Aretha Franklin e Bessie Smith, de quem reformou o túmulo (Foto: Reprodução)

Na letra, Janis pede a Deus uma TV a cores, uma noite na cidade e uma Mercedes, diferente de seus amigos que possuíam Porsches. O engraçado é que, no final das contas, Janis se comprou um Porsche branco, o qual ela achava extremamente sem graça e pediu ao amigo que pintasse. O resultado, colorido, psicodélico e belíssimo, foi vendido por mais de um milhão e meio de dólares em 2015 em um leilão que durou apenas 5 minutos. “Gostaria de fazer uma música com grande importância social e poética”. 

Outro grande clássico da discografia da roqueira integra PearlMe and Bobby McGee, escrita pelo cantor Kris Kristofferson, retoma as raízes country de seu berço no Texas. A música é uma balada deliciosa sobre um casal viajante, marcada pelo amargor da separação e a tristeza da saudade. Ouvindo a letra, é impossível dissociar Janis da personagem que canta. “Eu trocaria todos os meus amanhãs por um único ontem, para estar abraçada com o corpo de Bobby perto do meu”. 

Janis Joplin usa calças roxas, blusa de mangas compridas preta e um grande chapéu branco na cabeça. Ela está em cima de seu porsche colorido, pintado das cores azul, vermelho, laranja, amarelo, verde e rosa em desenhos psicodélicos. De fundo, há uma grande construção atrás de um lago que dá na rua de asfalto.
O incrível veículo modelo 356C 1600 da cantora norte-americana se tornou o mais caro do mundo e estava estacionado na frente do hotel em que Janis foi encontrada morta (Foto: Reprodução)

Janis sofreu muito pelo seu estilo diferente dos texanos caretas ao seu redor, com o cabelo desgrenhado e as roupas largas e vibrantes. Mais uma mulher vítima dos padrões estéticos, chegou a ser classificada como “o homem mais feio do câmpus” na Universidade do Texas, que integrou por um breve período de tempo estudando arte. O que seus bullies não esperavam era que sua vítima iria morrer com status de lenda, sendo apelidada de “pérola”, o mesmo nome de seu último álbum, enquanto eles foram esquecidos pela história. 

No caminho em que as faixas vão passando, o amor é procurado, reafirmado, questionado e lamentado. Enquanto My Baby é uma ode a confiança da paixão e Half Moon sobre o impacto que esse sentimento causa – seu amor me dá vida -, Trust Me implora por tempo para amadurecer, pois todos nós sabemos que Joplin era um espírito sem amarras. Sossegar e se permitir um amor tranquilo não estava nos seus planos.

Depois de uma avalanche sentimental, Get It While You Can finaliza não só o disco, mas a carreira musical da cantora. Coincidências à parte, Pearl foi produzido por Paul Rothchild, conhecido também pela produção de álbuns do The Doors, banda clássica do rock liderada por Jim Morrison (outra conhecida vítima da maldição dos 27).

A imagem está em preto e branco. Janis Joplin, uma mulher branca, está no centro, com os braços levantados e um cigarro em uma mão. Ela usa regata, plumas na cabeça e pulseiras e colares. Ao seu redor, muitas pessoas curtem o carnaval do Rio de Janeiro.
Janis gravou Happy Trails como presente de aniversário para John Lennon, que só recebeu a gravação depois da morte da cantora; na foto, Janis curtindo o carnaval no Rio (Foto: Reprodução)

Sua vida cheia de altos e baixos não poderia deixar de envolver os vícios, já que foi a mistura de álcool e heroína que causou uma overdose fatal na cantora no dia 4 de outubro de 1970, em Los Angeles. Inclusive, foi depois do lendário Festival de Woodstock, em 1969, que Janis resolveu tentar sua própria forma de reabilitação e pousou em terras brasileiras. Fez topless, foi expulsa do Copacabana Palace por nadar nua e os boatos ainda especulam um breve relacionamento da cantora com o roqueiro Serguei. O mais Janis Joplin possível. 

O que deixa Pearl ácido e metálico é perceber a impressionante capacidade que foi interrompida. É lamentar tudo que a Rainha do Rock poderia ter se tornado, vivido. O disco vendeu mais de 4 milhões de cópias exatamente ao mostrar uma Janis Joplin atormentada, desiludida, mas tão completa e incompleta quanto nunca. 

Janis pode não ter se encaixado no Texas, mas o resto do mundo a acolheu por suas imperfeições, seu talento e sua personalidade arrebatadora. A cantora segue sendo inigualável com sua voz áspera e dedicada, e, mesmo tendo partido muito, muito cedo, ainda nos deixou um dos maiores álbuns da música. Cinquenta anos depois, a pérola reluz como nunca.

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