Estante do Persona – Outubro de 2023

O fundo é roxo. No canto superior direito e no canto inferior esquerdo, há duas teias de aranha pretas em menor opacidade. No centro, acima, está o logo do persona, um olho com íris vermelha e um pupila no formato de um play. Abaixo está um livro laranja, apoiado sobre três livros; o primeiro diz “estante do”, o segundo “persona” e o terceiro está o mês, Outubro de 2023. Apoiados ao lado do livro laranja, há um pequeno gatinho de olhos amarelos arregalados e um abóbora decorada na temática de Halloween.
Em clima de mês do horror, o Estante do Persona de Outubro brinca de assombração (Arte: Raíra Tiengo/ Texto de abertura: Enzo Caramori e Marcela Lavorato)

“(…) Às vezes, me assusta pensar que os problemas cotidianos podem ser para mim um pouco mais terríveis do que para o resto das pessoas.”

 — Samanta Schweblin

O que mais assombra é o desconhecido. A aproximação do indivíduo a algo nebuloso, que remete ao comum, mas, de certa forma, possui uma aura em desalinho. Algo no fundo do horizonte, coberto de escuridão e fumaça se faz presente, mesmo que não se possa ver com olhos ainda humanos. O terror e o horror, que nasce não somente de grandes escritores e realizadores do gênero, mas do desenterrar das sensibilidades do inconsciente, e da explicitação do desconhecido não somente enquanto o outro, mas o que não sabemos de nós mesmos. No mês de Outubro de 2023, o Estante do Persona permite se adentrar ao colapso do corpo e do cotidiano pelo grotesco e pela violência, explicitada nas discussões do Mês do Horror, que tomou a Literatura da autora Mariana Enriquez como ponto central de reflexão.

Continue lendo “Estante do Persona – Outubro de 2023”

Latente, Afire estremece e queima

Afire foi o vencedor do Urso de Prata do Grande Prémio do Júri no Festival Internacional Cinema de Berlim de 2023 e estreou no Brasil na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Piffl Medien)

Enzo Caramori

‘‘O amor da juventude, a  juventude do amor

desaparecerá e passará quanto antes.’’

– John Hay

Período em que a suspensão da realidade diária cede lugar à educação sentimental, ao titubear emocional, ao erro e à tentativa: o verão é uma quietude na qual a procrastinação dá espaço a descobertas sensíveis. É uma das temporadas dos filmes de Éric Rohmer, cujos propósitos de suas relações ficcionais são, de qualquer maneira, a afetação, seja por leituras tediosas de Balzac, gestos sutis de sedução e o mormaço claro do sol francês. Mesmo que dispondo de um olhar que se dedica às delicadezas da estação, o drama Afire (2023), presente na Perspectiva Internacional da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, não almeja o lugar da beleza e da delicadeza rohmeriana – na qual se inspira –, mas enfoca justamente nas feridas subjetivas de suas personagens, colhendo, do tédio, o sentimento melancólico de alheamento. 

Continue lendo “Latente, Afire estremece e queima”

Here olha para o que ninguém vê

Cena do filme Here. A cena se passa em uma floresta, com o solo verde coberto por musgos e troncos de árvores ao fundo. Em um primeiro plano, os dois personagem estão mal iluminados e é possível ver, à esquerda, uma mulher adulta com cabelo preso em um coque, ajoelhada no chão, segurando uma planta na mão. À sua frente, à direita, é possível ver um homem curvado sobre uma pedra, encarando o que ela tem em mãos.
Here venceu os prêmios de Encounters e FIPRESCI do Festival de Berlim e participou do Festival do Rio 2023 na seção Expectativa (Foto: Rediance Films)

Vitória Gomez

Para Bas Devos, fazer filmes é uma desculpa para ser curioso. Here, seu quarto longa-metragem, usa essa curiosidade para observar a relação de dois estranhos consigo mesmos, um com o outro e com o país que habitam, estrangeiro tanto quanto eles mesmos ali. A produção desembarcou no Brasil no 25° Festival do Rio depois de conquistar dois troféus no Festival de Berlim e, olhando para o ordinário, torna até o comum fantástico. 

Na obra, o diretor belga segue Stefan (Stefan Gota), um trabalhador romeno da construção civil morando em Bruxelas, na Bélgica. Quando a temporada de obra acaba e ele e seus colegas – igualmente estrangeiros – poderão aproveitar as férias em seus países de origem, o protagonista encontra uma mulher que o fará pensar duas vezes se deve ou não voltar. O grande porém é que ela sequer sabe o nome dele.

Continue lendo “Here olha para o que ninguém vê”

Anatomia de uma Queda explora os abismos da percepção

Cena do filme Anatomia de uma queda. Na imagem colorida, um homem está à esquerda, deitado no chão branco da neve com um ferimento na cabeça, repleto de sangue. À direita, uma mulher loira fala ao telefone e o filho do casal se esconde nos braços da mulher, para não olhar o corpo. A imagem apresenta uma imagem aérea da cena.
Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, o longa de Justine Triet integra a seção Perspectiva Internacional da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Diamond Films)

A verdade, como a luz, cega.

Albert Camus, A queda (1956)

Bruno Andrade

Ao parafrasear Luis Buñuel, a renomada crítica Pauline Kael faz uma reflexão interessante: “Um elaborado conjunto de teorias trata o Cinema como ‘a viagem noturna ao inconsciente’ […]. O Cinema parece ter sido inventado com a finalidade de expressar a vida do subconsciente. As narrativas nunca se limitam apenas à superfície – mergulham nas entranhas do pensamento. Anatomia de uma Queda, longa que integra a seção Perspectiva Internacional da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, tem domínio dessa sensação, e trabalha em sintonia às verdades ocultas e dilemas da interpretação.

Continue lendo “Anatomia de uma Queda explora os abismos da percepção”

Como Você se Atreve a Desejar Algo Tão Terrível: quando uma tatuagem vira um debate sobre o male gaze iraniano

Cena do filme Como você se atreve a desejar algo tão terrível. Na imagem, uma mulher não identificada tem seus olhos capturados pela câmera. Ela olha para o lado com as pálpebras pintadas com lápis de olho preto e uma sobrancelha fina. O retrato está em preto e branco.
O documentário faz parte da seção Perspectiva Internacional da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Mania Akbari)

Nathalia Tetzner

Mania Akbari é uma força da natureza. Não à toa, a cineasta iraniana escolhe os traços das folhas e flores para tatuar em seu corpo ao longo do documentário Como Você se Atreve a Desejar Algo Tão Terrível, selecionado para integrar a seção Perspectiva Internacional da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Conhecida por abordar os direitos das mulheres de seu país de origem em suas produções, Akbari, dessa vez, propõe o que define como “o diálogo do corpo com a sua memória pictórica”. 

Continue lendo “Como Você se Atreve a Desejar Algo Tão Terrível: quando uma tatuagem vira um debate sobre o male gaze iraniano”

O documentário da Xuxa tem sorte de ter a Rainha dos Baixinhos como estrela

Foto promocional de Xuxa, o Documentário. Na imagem, a silhueta da Rainha dos Baixinhos aparece como uma sombra em meio ao cenário todo iluminado e colorido em tons quentes. Ao fundo, a icônica nave da Xuxa está aberta ao lado de dois X gigantescos. Em meio às escadas, uma grande camada de fumaça faz com que a apresentadora pareça estar nas nuvens de seu próprio planeta.
Xuxa, o Documentário se tornou a obra do gênero mais assistida da plataforma Globoplay (Foto: Blad Meneghel)

Nathalia Tetzner

Celebrando 60 anos de vida em 2023, Maria da Graça Meneghel entrega a figura estelar da Rainha dos Baixinhos nas mãos da roteirista Camila Appel e dos diretores Pedro Bial, Cássia Dian e Mônica Almeida que, em Xuxa, o Documentário, resgatam os momentos cruciais do maior fenômeno da história do entretenimento brasileiro. Dividido em apenas cinco episódios liberados semanalmente pela plataforma de streaming Globoplay, o seriado tenta o impossível: compilar décadas de uma trajetória estratosférica. E, com as cortinas do espetáculo despencando na frente do espectador, o produto final cai, mas não sem atirar o brilho da fantasia de volta. 

Continue lendo “O documentário da Xuxa tem sorte de ter a Rainha dos Baixinhos como estrela”

A Queda faz o espectador cair em sensações

Cena do filme A Queda. Ao centro, é possível ver apenas a silhueta da torre e das duas garotas, Becky e Hunter. Ao fundo, é possível ver um céu alaranjado.
A 600 metros do chão, duas garotas passam por diversas provações (Foto: Amazon Prime Video)

Gabrielli Natividade

Em 2022, foi lançado o filme A Queda, uma história de suspense que mexe com o psicológico de qualquer um que o assista. No longa, as duas amigas, Becky (Grace Fulton) e Hunter (Virginia Gardner) lutam pela sobrevivência no topo de uma torre desativada de 600 metros. No entanto, a narrativa tem diversas camadas, abordando amizade, luto, medo e superação, deixando tudo ainda mais interessante. A produção, que está disponível na Amazon Prime Video, é recomendada para todos que se interessam na temática de sobrevivência – exceto para os que têm acrofobia, ou seja, medo de altura.  

Continue lendo “A Queda faz o espectador cair em sensações”

Taylor Swift revisita as dores de como é ser uma jovem adulta em Speak Now (Taylor’s Version)

Capa do álbum Speak Now (Taylor’s Version), em que Taylor, uma mulher branca de cabelos loiros e compridos, está de costas olhando pelo ombro para frente, com os cabelos em movimento e usando um vestido roxo em um fundo escuro.
Na capa de Speak Now (Taylor Version), a artista tentou recriar a da versão original, mas dessa vez virada para o lado contrário e em tons mais escuros, indicando uma visão mais amadurecida das canções (Foto: Beth Garrabrant)

Arthur Caires

Após muitas especulações de qual seria a próxima regravação de Taylor Swift – como easter eggs em merchs indicando 1989 e Speak Now, referências no clipe de Bejeweled do álbum Midnights, e a presença de nada mais nada menos que  Enchanted na setlist da The Eras TourSpeak Now (Taylor’s Version) finalmente está entre nós. Originalmente lançado em 2010, a regravação do terceiro disco de estúdio de Swift foi anunciado em um grande telão de seu show em Nashville, e chegou para reafirmar o desejo da artista de recuperar os direitos de seus seis primeiros trabalhos, ao mesmo tempo que presenteia nostalgia para os fãs.

Continue lendo “Taylor Swift revisita as dores de como é ser uma jovem adulta em Speak Now (Taylor’s Version)”

O Desencontrar de Vidas Passadas

Antes do sucesso nas telas de cinema, o longa-metragem foi aclamado pela crítica especializada no Sundance Film Festival e na 73ª edição do Berlinale (Foto: California Filmes)

Ludmila Henrique 

Na cultura sul-coreana, há um conceito conhecido como In-Yun, que pode ser lido como “destino” ou “reencarnação”. Em gênese, In-Yun é o pressentimento que nos arrebata quando entendemos que uma eventualidade estava predestinada em nossos acasos, desenhada em algum no campo cósmico, e que nada e nem ninguém, poderia ser capaz de interferir naquela factualidade. Em Past Lives, longa de estreia da cineasta Celine Song exibido no Brasil durante a 25ª edição do Festival do Rio, vemos o movimento de tempo entre dois melhores amigos e a maneira que seus destinos estão entrelaçados involuntariamente com suas vidas passadas. 

Continue lendo “O Desencontrar de Vidas Passadas”

Nada de Graceland: Priscilla mora nos detalhes

Cena do filme Priscilla. A cena mostra os dois atrás de uma mesa com um bolo de casamento. Priscilla, à esquerda, veste um vestido de casamento branco. Elvis, à direita, vestre um terno preto e fuma um cigarro. Os dois olham para a câmera.
Priscilla chegou ao Brasil pelo Festival do Rio 2023 e foi um dos filmes exibidos na Gala de Encerramento (Foto: MUBI)

Vitória Gomez 

Sofia Coppola é mestre em retratar mulheres jovens adultas enclausuradas em residências enormes sob o controle de terceiros. No entanto, se Maria Antonieta terminou com a cabeça na guilhotina, Priscilla Presley quebrou o ciclo de solidão e escapou de sua prisão em Graceland, a segunda casa mais famosa dos Estados Unidos. Em Priscilla, uma adaptação do livro de memórias Elvis and Me, a diretora e roteirista deixa o nome do Rei do Rock de lado para direcionar o olhar à personagem-título.

Continue lendo “Nada de Graceland: Priscilla mora nos detalhes”