Gabriel Fonseca
O Som do Silêncio, da Amazon Prime Video, prega uma inteligência emocional que todos gostaríamos de ter. O longa independente conta a história de um baterista de heavy metal que descobre no meio de uma turnê, que está ficando surdo. Esta premissa já nos faz esperar por um clichê de superação da deficiência, ou de obsessão artística, como em Cisne Negro. Mas, o que torna as coisas interessantes é a oposição do protagonista à própria adaptação.
O co-criador e diretor de primeira viagem (no cinema), Darius Marder, escolheu Riz Ahmed para dar vida ao protagonista Ruben Stone. Depois do boom na carreira com O Abutre e Rogue One, Riz sujou a carteira de trabalho com Venom, e agora é um dos produtores do longa que coleciona elogios da crítica sobre as atuações e a narrativa simples, mas funcional. Imagine o trabalhão em preparar o protagonista para tocar bateria, aprender a língua dos sinais e fazer o tipo esquentado, que não se enquadra.
O esforço do elenco rendeu indicações importantes a Sound of Metal. A performance de Riz foi indicada ao Globo de Ouro, ao SAG, Gotham Awards e ao Film Independent Spirit Awards, que também indicou Paul Raci para a categoria de Melhor Ator Coadjuvante. A dupla está aquecendo para – provavelmente – dar as caras no BAFTA e no Oscar 2021, desde o lançamento do filme no Prime Video, em dezembro.
De cara, vemos um show de Ruben e Louise, interpretada por Olivia Cooke – com um ar mais adulto do que em Jogador Nº 1. Os dois tocam em uma boate escura, com gente curtindo a barulheira, até vermos a outra parte de suas vidas. Eles namoram e vivem juntos em um trailer, que não é descolado mas tem organização, é um cantinho só deles. O diretor Darius Marder é objetivo, numa hora estamos no show, depois no trailer, vemos a rotina do casal, marcas de corte nos pulsos de Louise, nos perguntamos se ela está bem, depois voltamos à turnê.
Antes de começar o show, Ruben fica parcialmente surdo. Sem explicações, somos sugestionados a acreditar que a exposição ao barulho da música é a causa, mas o filme não liga muito para isso. A mixagem de som aparece aí, ou nós percebemos a sua função, porque começamos a variar entre os sons dentro e fora da cabeça do baterista. Quando Ruben perde oitenta por cento de sua audição, nós perdemos com ele, ouvimos sons abafados e as batidas secas dos objetos ao redor. Mesmo com a perda parcial do sentido, ele toma a decisão de começar o show, mas, depois abandona o palco por causa da experiência assustadora.
Mais tarde, Ruben descobre que sua audição só vai diminuir até a surdez completa, e que, a única maneira de voltar a ouvir é fazer uma cirurgia caríssima para colocar próteses. O seu primeiro plano é juntar dinheiro com a turnê para fazer a tal cirurgia, mas Louise rejeita a ideia por completo. Então as coisas ficam assim: ela parte para a casa do pai, mesmo com os problemas familiares, enquanto ele vai a contragosto para uma comunidade de surdos. A química entre Riz e Olivia é interessante, o relacionamento deles é real, ótimo e péssimo, ao mesmo tempo. Talvez por causa da dependência dele.
No meio – e podemos dividir Sound of Metal em três atos tranquilamente -, Rubem tenta se adaptar à vida como surdo. Aos poucos ele se relaciona com as pessoas dentro da comunidade e se aproxima de Joe, o mentor interpretado por Paul Raci. O obstáculo para o jovem baterista é a própria aceitação, ele passa os dias preso ao seu passado e parece não aprender a lição essencial de Joe: “não precisa consertar nada aqui”. O veterano tenta ensinar que a surdez não é um problema, e que as pessoas da comunidade precisam ser lembradas constantemente disto. Por isso, quando vende o trailer e a bateria para fazer a cirurgia, Ruben é mandado embora.
É neste momento, quando é vendida, que nos lembramos da bateria. Não era para este ser um Whiplash com um protagonista surdo? A importância da carreira musical não desaparece, mas é deixada de lado, quase substituída pela relação entre ele e sua namorada, o que não é um problema pois O Som do Silêncio toma um rumo interessante a partir daí, começando pela visibilidade da cultura de pessoas surdas, a adaptação de quem não nasce surdo e a problemática da visão capacitista. A obsessão de Rubem em retornar à sua vida com Louise só revela o quanto ele está se enganando.
Por fim, Rubem cai na real, depois de visitar Louise na casa do pai ricaço. A namorada já está em outra fase de sua vida e as próteses não funcionam como o esperado, são ruidosas, não há beleza na música e a direção de Darius Marder nos passa a percepção de desarmonia ao redor do personagem. Então, terminamos a história de O Som do Silêncio com a impressão de que algo pode ser aprendido, sem os clichês de superação da deficiência, mas com a ideia de auto aceitação e até a visibilidade de uma comunidade que o cinema quase não ouve.