Todos mostram ao que vieram: a Tiê, a Coruja e o Coração

Capa ilustrada do álbum A Coruja e o Coração. No lado esquerdo da ilustração, há uma mulher desenhada com traços pretos, sem pintura. Ela possui cabelos na altura dos ombros e franja acima dos olhos, veste uma camiseta onde se lê “A Coruja e o Coração”, e está bebendo em uma caneca com riscos pretos, amarelos, cor de rosa e azul. À sua direita, voam alguns aviões de papel coloridos em azul, vermelho, amarelo e verde. Junto aos aviões, encontra-se o nome da cantora, Tiê. O fundo é branco com poucos riscos pretos horizontais.
Capa do álbum A Coruja e o Coração, assinada pela estilista Rita Wainer (Foto: Reprodução)

Carol Dalla Vecchia

Acompanhar a carreira de Tiê é experienciar uma constante evolução. Desde seu debut em 2009 com Sweet Jardim, ela caminha ao encontro de seu estilo pessoal e sua poesia. Nesse primeiro conjunto de canções, a melancolia fazia cada nota parecer solitária, como se a cantora paulistana não tivesse trabalhado em parceria com Toquinho, Tulipa Ruiz, Thiago Pethit e outros nomes conhecidos da música. Era um álbum para ser ouvido repetidamente, até que o minimalismo de suas composições atingisse a monotonia.

Um ponto de virada nessa jornada, foi o lançamento de A Coruja e o Coração, que está fazendo aniversário de 10 anos. As canções escolhidas nesse registro contrapunham o sentimento lúgubre do primeiro: agora, Tiê parecia mais bem humorada, vivendo novas descobertas e mostrando outras facetas musicais sem perder sua essência. Abrir a seleção com Na varanda da Liz já deixa claro que essa não era uma continuação de Sweet Jardim, era uma nova sensibilidade de uma Tiê mãe, intérprete e compositora.

A produção das músicas ficou nas mãos de Plínio Profeta mais uma vez. Estando ao lado da cantora desde a estreia, presume-se que a dupla buscava uma linha bem diferente: o arranjo feito sobre as primeiras canções de Tiê são meramente harmônicos, ouvíamos no máximo a adição de instrumentos de corda friccionada (o violoncelo, por exemplo) para complementar a voz. O ritmo não era o ponto forte, não havia bateria, e o acompanhamento era sempre feito pela própria cantora, no violão ou piano. Em A Coruja e o Coração, a percussão se faz presente, e as músicas ganham um brilho dançante e marcado.

Além de incrementar suas próprias composições, Tiê também mostra o seu lado intérprete com algumas faixas desse álbum. Sua versão de Só sei dançar com você, originalmente de Tulipa Ruiz, é magistralmente adornada com a sonoridade do acordeon, que consegue transpassar a sensação de tontura que a personagem da melodia diz sentir. Mas essa releitura nem foi a mais repercutida, a variante da cantora para a canção Você não vale nada (mas eu gosto de você) abandona o brega e invade os campos flamencos, criando algo totalmente original a partir do forró nordestino. Fora elas, Mapa mundi, de Thiago Pethit, também ganha um toque carinhoso da voz da cantora.

Foto da cantora Tiê ao piano. No centro da foto, vemos a cantora Tiê de costas, sentada numa banqueta acolchoada preta, e com as mãos sobre o piano. Ela é uma mulher branca, de 40 anos, com cabelos que estão com a raiz castanho escuras e o resto descolorido em um tom alaranjado sutil. O cabelo comprido está preso em um coque e ela usa um vestido preto longo que deixa as costas à mostra. O piano a sua frente é preto, com uma meia cauda e há uma luminária e desligada em cima da estante de partituras.
Ao piano, Tiê encontra os caminhos instrumentais  de suas composições (Foto: Reprodução)

Uma das histórias queridinhas dos fãs veio ao mundo por meio de A Coruja e o Coração. Te Mereço é uma continuação da música Te Valorizo, que foi lançada em Sweet Jardim. Em várias entrevistas e nas redes sociais, a cantora explicou que estava criando uma nova melodia a partir da primeira composição, e que acabou saindo uma sequência. No final de 2020, Tiê falou em seus stories do Instagram que acabou de compor mais um movimento dessa sonata, ela até abriu para os fãs uma votação para o próximo nome.

Te Mereço, Perto e distante, For you and for me e Piscar o olho são as baladas que trazem um pouco da languidez do álbum de estreia. Enquanto Pra alegrar o meu dia, Hide and Seek, Ando meio desligado e Já é tarde trazem um deleite singelo com o acompanhamento do banjo e a cadência feliz. Essas escolhas rítmico-harmônicas seguiram em Esmeraldas (2014), uma prova de que A Coruja e o Coração foi o espaço que Tiê precisava para ter a liberdade de mostrar ao que veio: “Dessa vez eu tive medo. Mesmo assim eu disse ‘sim’. Percebi o percevejo. E deixei cravado em mim”.

Dez anos depois de A Coruja e o Coração, seria um erro falar que Tiê ainda é a mesma cantora, ou a mesma mulher. Viver sua arte é sentir a mudança em cada estrofe e às vezes, é só Piscar o olho que já temos um novo estilo e outra poesia. Entretanto, não acho que seria equívoco dizer que esse ciclo de crescimento começou exatamente ali, com a seleção dessas canções. Já é tarde para conhecer a cantora por trás desse álbum, mas ainda é tempo de aprender a dançar com ela. Eu sou suspeita, mas sempre faço isso Pra alegrar o meu dia.

“Só eu sei que foi assim. Às vezes é mais saudável chegar ao fim. Chegar ao fim.”

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