João Batista Signorelli
“A Rita levou meu sorriso/No sorriso dela/Meu assunto/Levou junto com ela/E o que me é de direito/Arrancou-me do peito/E tem mais…” cantava Chico Buarque em uma de suas primeiras gravações. Mas, afinal, quem foi essa Rita que arrasou os sentimentos do artista? Em O Pai da Rita, novo longa de Joel Zito Araújo que estreou na Mostra Brasil da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, a tal da Rita não roubou somente o coração de Chico, como também de dois sambistas da Vai-Vai, em um filme leve e divertido, que celebra a paternidade e o reencontro de gerações.
Joel Zito Araújo, que neste ano também participa do júri da Mostra, tem uma vasta experiência em curtas e longas documentais, além de já ter realizado um outro filme de ficção, Filhas do Vento, que levou vários Kikitos no Festival de Gramado em 2004. Preservando seu interesse em representar na tela a população negra brasileira, O Pai da Rita é seu segundo longa de ficção, em que se aproxima, pela primeira vez, da comédia e do Cinema popular, tendo as locações do tradicional bairro do Bixiga na capital paulista como pano de fundo.
Enquanto lidam com uma nova geração ganhando espaço dentro e fora das escolas de samba, Roque (Wilson Rabelo) e Pudim (Ailton Graca), dois compositores solteiros da velha guarda da tradicional Escola de Samba Vai-Vai, têm sua amizade abalada quando Ritinha (Jéssica Barbosa), a filha de Rita, um antigo amor de ambos, surge em suas vidas. Estando cada um convicto de ser o pai da jovem, a relação dos dois corre risco de ruir quando eles passam a competir um com o outro no desejo de assumir a paternidade legítima de Ritinha.
O filme não se apressa em introduzir o conflito principal, aproveitando todo o primeiro ato para apresentar a dinâmica entre os personagens, as subtramas, e as informações-chave para que a história fluísse naturalmente assim que a potencial filha surgisse na vida de Roque e Pudim. Nesse meio tempo, somos também apresentados a um formidável elenco de coadjuvantes que habitam o bairro do Bixiga, com destaques para Paulo Betti fazendo um divertido garçom de uma cantina italiana, Elisa Lucinda interpretando uma prostituta que se distanciou de seu seio familiar, e Lea Garcia, que brilha como uma figura matriarcal.
Mas o grande coração da obra está em Wilson Rabelo e Ailton Graça, que encarnam Roque e Pudim com leveza e vivacidade. Um é a antítese do outro: enquanto Roque é introvertido mas sempre elegante e arrumado com sua camisa bem passada e chapéu, Pudim é desleixado, piadista, e o melhor tiozão que alguém poderia ter. Rabelo e Graça trabalham muito bem o entusiasmo e os contrastes de seus personagens, fazendo deles os perfeitos opostos que se complementam.
O roteiro assinado por Di Moretti faz dessa história sobre uma paternidade restituída também uma narrativa de conciliação de diferenças culturais e geracionais. Ao longo do filme, Roque e Pudim são recebidos com louvores pela juventude negra, os velhos sambistas fazem as pazes com a nova geração do samba, e, em uma das mais belas cenas da produção, vemos a celebração de uma colorida e vibrante missa afro, mostrando que tradições de origens tão diferentes podem harmonizar uma com a outra. Celebrando a cultura negra brasileira na tela, O Pai da Rita é, nas palavras do diretor antes da exibição na Mostra, um filme “pretensiosamente despretensioso”, e que concilia o novo e o velho, o humor e o drama, o passado e o presente.