Caroline Campos
O gênero slasher tem uma árvore genealógica complicada. Há quem diga que a Psicose de Norman Bates foi responsável por lançar às telas o movimento, enquanto outros apontam aquela noite de Halloween de Michael Myers como o verdadeiro merecedor dos créditos. Mas entre os esqueletos de Hitchcock e os gritos de Jamie Lee Curtis, há um nome que, quando pronunciado em toda a sua perversidade, remete automaticamente a gênese dos filmes de assassinos em série e, se você ainda não assistiu a O Massacre da Serra Elétrica, talvez o mês de outubro não seja para você.
Se a premissa de jovens levemente tapados e cheios de hormônios viajando em grupo e pedindo informações em postos de gasolina duvidosos soa familiar, agradeça a mente perturbada de Tobe Hooper que, em 1974, deu o pontapé inicial no terror adolescente. Subvertendo a cultura hippie e trazendo a mesa uma família canibal livremente inspirada nos horrores de Ed Gein, Hooper moldou o que hoje são elementos indissociáveis ao slasher, gênero que só viria se firmar, de fato, sob as mãos de John Carpenter quatro anos depois.
Com um tom documental que apavorou a pobre audiência setentista, The Texas Chainsaw Massacre segue intimamente a viagem dos irmãos Sally e Franklin Hardesty que, junto a mais três amigos, rumam aos confins do Texas para conferir se o túmulo do avô está entre os que recentemente haviam sido violados na região. Debaixo de um Sol imobilizante, a van verde-água do grupo dirige ingenuamente em direção à morte – que, coincidências à parte, mora bem ao lado da casa abandonada da família Hardesty.
O roteiro, assinado tanto por Hooper quanto por Kim Henkel, não possui muitos floreios ou grandes estudos de personagem, mas ainda consegue inovar dentro do nicho de filmes B da época. Um a um, os personagens de O Massacre da Serra Elétrica praticamente se jogam nos braços carniceiros de Leatherface e seus irmãos, como se a existência de uma placa que gritasse “não entre em casas de desconhecidos cheias de ossos” fosse necessária naquela altura do campeonato, em uma região quase deserta.
Brincando com o amarelo sufocante e o azul soturno das paisagens texanas, Tobe Hooper, ao lado do diretor de fotografia Daniel Pearl, constrói a atmosfera árida da obra de forma com que possamos sentir o verdadeiro perigo antes mesmo dele dar as caras – no caso, uma cara coberta com uma grande máscara de pele humana. Os minutos que antecedem a primeira aparição de Leatherface, interpretado por Gunnar Hansen, já dão dicas sutis da loucura que estaria por vir.
Móveis feitos de ossos e corpos, luminárias de crânios, esqueletos das mais variadas espécies e vários freezers espalhados pela casa normalmente seriam o suficiente para evitar que não um, mas três dos cinco personagens fossem nocauteados por um dos mais reconhecíveis assassinos do Cinema, que, no lugar de facas ou armas, prefere utilizar uma belíssima motosserra para fazer seus filés de jantar. Seguindo pelo caminho mais cruel, Hooper ainda opta por fazer a mocinha ser perseguida por longos quilômetros até encontrar seu final feliz e histérico.
Violento, mas nem um pouco gráfico, o longa se espremeu entre o orçamento apertado e a locação insalubre para dar vida não só a um clássico cult do Terror como também a incontáveis anos de terapia para os envolvidos na produção. Marilyn Burns, pioneira na arte das final girls, pode ter entregado a heroína dos sonhos com a gritaria hipnotizante de Sally, mas, para isso, a atriz foi sujeita a situações reais de violência, especialmente na cena do jantar menos apetitoso da Sétima Arte.
Mesmo que O Massacre da Serra Elétrica seja uma sequência primorosa de picos de horror ao longo de seus 83 minutos, o clímax macabro do filme não é para qualquer um. Carnes à mesa, a primeira interação entre todos os membros da família texana cospe sadismo e assusta tanto pela intensidade dos acontecimentos quanto pela resistência da garganta de Burns. Depois de uma maratona de 26 horas de gravação para chegar ao resultado final, não é à toa que, até hoje, a cena cause desconforto físico nos espectadores.
Aquilo que começou com flashes de cadáveres, um tatu morto na estrada e uma carona para um maluco sustentou um batalhão de sequências, reboots, prequels, jogos e qualquer outra coisa que pudesse gerar lucro. No entanto, não há nada como o frescor pútrido de gasolina e abatedouro do filme de 1974. O que aterrorizou a audiência da época a ponto de render uma fuga em massa da salas de cinema não foi apenas os homicídios e o canibalismo; o fato de, a toda hora, nós sermos confrontados com a ideia da “coisa” causa um arrepio maior na espinha do que a “coisa em si”.
Ainda assim, sabendo que o Terror constantemente se utiliza do medo para retomar ansiedades sociais de forma metafórica, O Massacre da Serra Elétrica passa o tempo todo relembrando a seus espectadores o antigo emprego da família – que, no futuro, viria a ser a família Sawyer. Com uma crise de energia vigorando nos EUA e com a modernização dos abatedouros da região, os homens da casa foram para o olho da rua e, para se virar, abriram um postinho de gasolina na estrada que servia o melhor churrasco de todo o Texas. Teria o desemprego criado os desejos canibais de Leatherface e seus irmãos? Provavelmente não, mas a vida da classe trabalhadora nunca é fácil.
Motivos à parte, o fato é que Tobe Hooper e sua equipe souberam criar com firmeza um filme que, seja pela ambientação grotesca, pelos personagens inesquecíveis ou pelo realismo brutal, ressoa até hoje nas obras de horror contemporâneas. No final, não somos capazes de afirmar se Sally Hardesty realmente saiu ganhando enquanto seu maior algoz protagoniza uma coreografia sangrenta em frente ao pôr do Sol, mas a heroína com sangue da cabeça aos pés garantiu uma vida mais longa do que seus companheiros de viagem.
Transformando seu custo de 300 mil dólares em um lucro de 30 milhões e praticamente guinchado à eternidade pelo seu serial killer mais assustado do que assustador, o pioneirismo de O Massacre da Serra Elétrica ainda respira com facilidade 47 anos depois. Não há quem tenha conseguido reproduzir a influência de um filme que cheira a podre do início ao fim e, depois que você chegar aos créditos finais dessa proeza caótica, passará a olhar para churrascos com outros olhos.