Nathalia Tetzner
Jacky Caillou é o protagonista ingênuo e pouco convincente do primeiro longa-metragem do diretor Lucas Delangle, O Estranho Caso de Jacky Caillou. Ambientado nos Alpes, a obra participa da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Competição Novos Diretores e, anteriormente, foi exibido no Festival de Cannes 2022. O filme francês, parte do rol nada seleto de títulos que se iniciam com “O Estranho Caso”, baseia a sua narrativa no poder de cura popular e na explicação do fantástico pela natureza, fato que o afasta do extraordinário e somente o aproxima do comum.
Através da imagem de uma curandeira cujas mãos já estão marcadas pelo tempo e que, por isso, ganham a confiança plena de uma pequena vila, a montagem de Clément Pinteaux tenta implementar sentido ao roteiro de Delangle e Olivier Strauss. Gisèle, brevemente interpretada por Edwige Blondiau, é o nome da figura mística que falece a tempo de projetar o seu dom no neto Jacky (Thomas Parigi). Ele, então, passa por turbulências internas a fim de descobrir como continuar o legado de salvação. No entanto, a presença da jovem Elsa (Lou Lampros), perturbada por uma mancha com pelos nas costas, complica o cenário.
Com a sinopse, que pretende projetar nas telas do Cinema os saberes ancestrais do curandeirismo, cultura ainda disseminada em certos contextos, o ponto vulnerável da obra reside na tentativa falha de espetacularizar o ordinário. Talvez se o diretor de primeira viagem limitasse a abordagem a uma visão simples, o resultado poderia ser de fato considerado excepcional – a exemplo do ato de abertura de Jacky Caillou, que alcança o seu ápice logo nos minutos iniciais, quando uma sequência admirável da relação entre a cura a partir das mãos sobre os seres humanos e sobre os instrumentos musicais desperta a originalidade.
O relacionamento do personagem com a Música é apenas um dos tópicos interessantes que simplesmente são esquecidos ou apagados ao longo da trama. A trilha sonora, conduzida por Clément Decaudin, é ótima e carrega a atmosfera das cenas, sendo uma pena o sumiço do traço artístico de Jacky quando este acrescentaria tamanha autenticidade ao retrato. Linda e felizmente enxergável, a fotografia de Mathieu Gaudet funciona como um refresco em meio a tantas pinturas excessivamente sombrias: The Strange Case of Jacky Caillou captura o ar de mistério sem forçar os olhos do espectador.
Encoberto pelos trajes de Jacky, Thomas Parigi parece caminhar para uma redenção dramática que nunca chega ao destino final. Apático, ele se junta às outras atuações medianas do elenco, nada persuasivo. O único destaque no campo é a atriz Lou Lampros, alucinante no papel de Elsa, a jovem que aos poucos enxerga a mancha com pelos nas costas a transformar em uma loba assassina de ovelhas e, também, a outra metade da laranja de Caillou. O romance do casal também foi engolido pelo ritmo pontual da produção encabeçada por Charles Philippe e Lucile Ric.
A participação na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo mostra que O Estranho Caso de Jacky Caillou não é peculiar como sugere, mas comum. É um tanto quanto revoltante, porém, em alguns momentos, incluindo o final aberto, o espírito instigante consegue ser retomado. Ainda que a natureza e a característica de imaginário popular da narrativa levem a estreia de Lucas Delangle na direção de longa-metragens para as áreas próximas do trivial, os futuros projetos do francês não devem ser ignorados. Sobretudo porque há em seu modo de fazer Cinema qualidades brutas da sua personalidade, que, com o tempo, devem ser lapidadas.