Enrico Souto
Para meros mortais como nós, líderes de companhias bilionárias, detentores de grandes fortunas e outras figuras de poder, podem parecer soberanas e prodigiosas. Porém, o que ocorre quando observamos suas movimentações mais atentamente? É o que O Atlas dos Pássaros, comédia dramática da República Tcheca apresentada na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, propõe: investigar a intocada moralidade dos poderosos. E, quando descobre-se ali a raiz desse poderio, deparamo-nos com uma das faces mais abjetas da sociedade.
Ivo Rona é um velho CEO de uma empresa multimilionária. Pouco importa a função da empresa, o que importa é que, após uma internação hospitalar, ele sofre um golpe que faz com que perca uma quantidade exorbitante de dinheiro. Na busca de culpados, a principal suspeita calha de ser Marie, sua secretária, que subitamente desaparece sem dar notícias. E, em meio a essa situação caótica, seus dois filhos ainda tentam, com unhas e dentes, tomar a frente da companhia do pai, que irá exprimir grande resistência. É nessa micro-guerra fria que a narrativa do longa se coloca.
O nome que Olmo Omerzu, vencedor do prêmio Karlovy Vary de Melhor Direção, dá ao longa, originalmente chamado de Atlas Ptáků, pode soar misterioso, mas rapidamente se justifica pela presença marcante desses coadjuvantes alados e, posteriormente, por um elemento importantíssimo da trama. Espécies diversas de aves criam intermissões na narrativa, ou comentando os eventos, ou comunicando-se diretamente com o espectador, seja através de frases enigmáticas, seja por explicações expositivas que contextualizam os acontecimentos. Apesar de ser uma ferramenta instigante no papel, o seu uso em cena gera pouco interesse.
Ao longo da narrativa, acompanhamos a gradativa decadência de Ivan e seu legado. Algo necessário para ser pontuado, é que Bird Atlas despreza totalmente seu protagonista. Ivan Rona é o habitual homem branco de idade avançada, defensor da família, dos bons costumes, que acredita que o mundo orbita em volta de seu umbigo, mas que tem sua hipocrisia escancarada quando visto mais de perto. Seu dinheiro foi conquistado de maneiras extremamente antiéticas, ele coloca sua empresa à frente de toda e qualquer coisa, é ausente com seus filhos e os trata como objetos que estão ao seu serviço, e traía a esposa extensivamente. E no fim, o personagem, que se recusa a largar o osso, demonstrará amargura e hostilidade com tudo e todos, até que, finalmente, se veja completamente sozinho.
No entanto, este está longe de ser o melhor trabalho do diretor, responsável pelo renomado Winter Flies. A maior força do filme está no grande mistério a respeito do responsável pelo roubo do dinheiro. É o que cria a tensão entre os personagens e rege os conflitos da trama. Contudo, esse arco é rapidamente resolvido no início da sua segunda metade, o que torna a conclusão arrastada e monótona. Além disso, a fotografia de Lukáš Milota é pouco inspirada, sempre optando por planos básicos e enquadramentos nada criativos. De todo modo, ao olhar para dentro das camadas mais prestigiadas da sociedade, O Atlas dos Pássaros tece uma crítica contundente e tragicômica sobre quem ocupa essas posições de poder. E, se há algo para aprender disso, é que, no fim das contas, pessoas ricas geralmente são patéticas mesmo.