Monique Marquesini
Da busca por registrar e contar histórias felizes de amor entre garotas, origina-se O amor não é óbvio. Publicada em 2019, a obra é a estreia da admirável autora baiana Elayne Baeta e marca o primeiro best-seller lésbico nacional a atingir a lista de mais vendidos do país. Anteriormente lançado em formato digital de forma independente, o romance ganhou espaço na Literatura brasileira e foi lançado pela Editora Record, sob o selo Galera. A escritora, ilustradora e poeta só escreve sobre o que já sentiu no peito, e talvez por isso, suas narrativas sejam nada óbvias.
O livro de Elay (o apelido da autora) narra uma fase da adolescência de Íris e Édra, duas meninas no último ano do Ensino Médio que nunca conversaram. A doce Íris Pêssego é viciada em novelas e não perde um capítulo da sua favorita, Amor em atos, junto de sua improvável amiga, a vizinha dona Símia, de 68 anos. Ainda, ela é apaixonada por Cadu Sena, o garoto de quem gosta desde a oitava série – e que finalmente está solteiro. Só que a narrativa de O amor não é óbvio não é tão intuitiva quanto parece.
A próxima personagem – a quem somos apresentados de forma excêntrica – é Édra Norr. Isso não porque a garota se envolveu em um escândalo na escola ou por ter mudado de cidade – mas por ser a nova namorada de Camila Dourado, que deixou Cadu Sena. A partir daí, entre os cochichos e conversas, Íris começa um experimento para entender o motivo do relacionamento ter acabado e para descobrir mais sobre Édra. E ela não demora para desvendar o charme da garota.
Talvez um dos únicos pontos baixos da narrativa de O amor não é óbvio esteja nessa investigação: no começo, a protagonista pode soar um pouco obcecada com a vida da menina, mas, ao longo da história, o leitor consegue entender o motivo para tudo isso. Nesse momento, Íris pega sua bicicleta amarela e seu binóculo para observar sua colega de turma por toda cidade de São Patrique. Por mais estranho que pareça em um primeiro momento, a menina de 17 anos não entende o porquê de querer tanto saber da garota. Tudo só fica claro quando ela desvenda seu desejo.
“Tudo com Édra era dez vezes mais bonito. E eu queria saber o porquê. E não queria também. Nem tudo precisa ser compreendido.”
É nesse cenário de uma cidade pequena, tardes assistindo novela, passeios de bicicleta, descobertas sobre sua sexualidade, medos, primeiras vezes e adolescência que a história das garotas se desenrola. Uma das partes mais curiosas de O amor não é óbvio se esconde justamente na heteronormatividade vivida pela grande maioria dos jovens, já que Íris nunca tinha sequer pensado em enxergar outra menina com olhares românticos.
A construção da amizade e da relação de Édra e Íris é muito aconchegante ao leitor, uma vez que, ao decorrer do experimento, elas acabam ficando mais próximas – e descobrem como são extremamente compatíveis. As personagens criadas por Elayne Baeta são um complemento perfeito: Íris, cheia de medos e inseguranças, se junta a uma garota autoconfiante como Édra.
O amor não é óbvio foi escrito quando Elay tinha apenas 19 anos – talvez seja essa a chave para tanta sensibilidade por parte da autora. A primeira publicação da obra foi feita pelo Wattpad, em partes, e aconteceu de forma independente, ou seja, sem o apoio de um grupo editorial: foi assim que ela alcançou um enorme e fiel público. Antes mesmo de conseguir reconhecimento nacional, o livro é fundamental por ser de autoria de uma mulher lésbica – que muitas vezes tem suas vivências esquecidas dos romances literários.
Além de O amor não é óbvio, Elayne Baeta é responsável por diversos outros projetos, que têm a visibilidade e a representatividade lésbica como ponto central. A autora produziu alguns episódios de seu podcast Lésbica & Ansiosa, com histórias sobre seus sentimentos. Outro projeto de grande relevância foi Sozinhas, uma mistura de podcast com livro, que teve grande significância na vida de Elayne: o lucro das vendas foi utilizado para realizar o sonho da mudança da escritora para a capital paulista. Seu mais recente lançamento é o livro de poesias Oxe, Baby, um relato muito mais pessoal sobre a sua vida, ou como ela mesmo diz, uma autobiografia poética.
As produções da autora são um retrato aconchegante e confortável para meninas que nunca se viram representadas nas páginas dos romances adolescentes. Elayne é gigante, uma mulher lésbica nordestina, conquistando espaços jamais alcançados. Nós, garotas que gostamos de garotas, não podemos deixar de vê-la com olhar acolhedor. É lindo acompanhar O amor não é óbvio, com um primeiro amor cheio de erros, defeitos e acertos. A relação de Íris e Édra é humana e (em uma referência ao livro) é uma história “laranja forte e cheia de aliens”.
“Essa coragem pulsante. Essa conquista… Em usar um vestido que ninguém rasga. Laranja forte. Laranja (extraordinariamente) forte.”