Davi Marcelgo
Em Nasce Uma Estrela (2018), Jackson Maine (Bradley Cooper) é um astro do country que se apaixona por Ally (Lady Gaga). Os dois constroem uma relação através da Música, que é abalada quando o passado e os vícios de Jack surgem à tona. Além dessa última releitura, a história já foi contada outras três vezes: a primeira em 1937, dirigida por William A. Wellman; a segunda 17 anos mais tarde, estrelada por Judy Garland, de O Mágico de Oz; e a terceira em 1976, protagonizada por Barbra Streisand. Os remakes diferenciam-se principalmente nos cenários, pois, enquanto os outros dois narram ascensão e queda de estrelas de Cinema, os mais recentes são sobre astros da Música.
Dessa vez, vemos um sujeito forte. Chucro. Macho. Esses adjetivos foram atrelados à figura do caubói durante toda era de ouro do gênero na Sétima Arte, definindo também o que é ser homem. Para Bradley Cooper, diretor do filme, essas características são destrutivas. O canal Entreplanos, em seu vídeo sobre a obra, cita a perda auditiva do protagonista como uma alegoria sobre um cantor que não se ouve. Nesse sentido, Maine canta que “talvez seja a hora de deixar os velhos hábitos morrerem”, mas continua repetindo-os. Pelas cordas de sua guitarra e letras melancólicas, ele confronta o passado e dá seu máximo para não se tornar um disco arranhado.
É claro que Cooper e a dupla de escritores Eric Roth e Will Fetters não foram os primeiros a desbravar essas terras e nem os últimos. No começo deste milênio, em 2005, Ang Lee dirigiu seu western gay Brokeback Mountain. Depois, vieram outros filmes, como Ataque dos Cães. No entanto, a forma como essa desconstrução é realizada aqui é única, tanto em relação aos remakes da história, quanto ao Cinema em geral.
Jackson Maine é assombrado pelo passado, pois nunca conheceu a mãe e, na adolescência, perdeu o pai, companheiro de bar. Seu irmão mais velho, Bobby (Sam Elliott, o ator já participou de faroestes, inclusive) foi quem o criou e assumiu a administração de sua carreira. Ambos construíram uma relação tóxica de cobranças e rivalidade, pois Jackson não fala o que sente, sem ser através da violência (ou da música). A estrela country entra em um ciclo destrutivo de recordações que o machucam e, como a maioria dos homens, também não se importa com a saúde, ignora indicações médicas e retruca qualquer questionamento sobre seu estilo de vida.
Este novo velho oeste do rock é reprimido, seja Maine ou seu irmão em todas as relações. Quando há espaço para dizer o que sente, é com poucas palavras e uma despedida sem calor. Nem a direção de Cooper ou os figurinos de Erin Benach conseguem quebrar a espinhosa personalidade destes homens, exceto pela música e que por ela todas personagens são capazes de se expressar.
As músicas conduzem Nasce Uma Estrela. Maybe It’s Time, por exemplo, aumenta o grau de compreensão sobre o Maine, enquanto Shallow mergulha nas ânsias do caubói e de Ally. “Você não está cansado, tentando preencher esse vazio?”, questiona um dos versos da canção. Ele pede refúgio na bebida e drogas, bem como se atira para o que estiver mais próximo de agarrar. Logo após tomar um porre e perder o show de estreia da carreira solo de sua amada, pede-a em casamento numa tentativa de costurar erros e ter esperança – “E em todos bons momentos eu anseio por uma mudança”. O cantor tem expectativas que novidades em sua vida possam tirá-lo da profundeza.
Cooper, juntamente com o diretor de fotografia Matthew Libatique, toma decisões criativas que rimam com o roteiro. Se Jackson está em declínio e Ally em escalada, as apresentações de cada um são diferentes. Para o garoto do Arizona, a câmera é inquieta, trêmula e perdida como um bêbado. Já os espetáculos da personagem de Gaga tem estabilidade, foco e serenidade, afinal ela possui um objetivo bem definido.
Para Ally, a regra se mantém até o momento em que se torna uma diva pop, quando as cenas passam a incorporar artificialidade e as músicas da cantora, como Why Did You Do That?, se tornam produtos decorrentes de interferências executivas, deixando para trás a Arte e o espontâneo. O filme prefere não dar atenção a isso, cortando a cena ou deixando a canção como ambiente enquanto outros personagens conversam. Um dos pontos de Maine é que, para cantar, é preciso ter algo a dizer.
As cores vermelho e azul permeiam os dois desde o primeiro até o último encontro, pelas roupas, luzes, sirenes ou tonalidades de cabelo, marcando o final da vida de Maine e o renascer artístico de Ally. Em dois momentos separados, o astro e a novata são enquadrados em close-up, dividindo o mesmo plano. A iluminação dessas cenas comunica: ele tem a luz vermelha no rosto e o azul sob a nuca, ela o oposto. Enquanto o caubói embarca nessa cor quente e perigosa, se afastando do estrelato, a cantora alcança cada vez mais essa luz divina, fazendo jus ao título.
O diretor também prefere uma abordagem realista, optando por filmar em festivais reais, como o Coachella. A atuação de Cooper e as situações embaraçosas vividas por Maine devido a bebida, salientam a inclinação do cineasta nesse tipo de estética. Para quem convive ou já conviveu com pessoas alcoólatras, é possível se identificar com os cenários e admirar a interpretação do veterano, que não cai no vale da caricatura. Ademais, o filme propõe a desconstrução dessas figuras ídolos do country/rock e do faroeste, e dos comportamento destrutivos quanto abuso de drogas e álcool, numa música decrescente que não endeusa personagens públicos, mas humaniza.
Durante esses cinco anos, o filme ganhou mais força a cada visita, com o surgimento de novos olhares e interpretações que aumentam a admiração por ele. Assim como Jackson Maine, Bradley Cooper parece acreditar que é preciso ter algo a falar ao fazer Arte. Aqui, ele tem um longo discurso para se destacar entre os remakes. Daqui mais cinco, Nasce Uma Estrela continuará vivo na memória dos cinéfilos, seja pela sua direção afiada, as músicas estrondosas de Lady Gaga ou pela narrativa relacionável que confronta os caubóis da vida.