Júlia Caroline Fonte
Uma lagarta, para se tornar borboleta, passa por uma metamorfose que irá mudar totalmente a sua vida e o mundo ao seu redor. Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta, novo filme da Netflix que chegou no dia 3 de março, conta sobre a transformação de Vivian (Hadley Robinson), uma garota do Ensino Médio que não pôde ficar em silêncio diante das situações misóginas que aconteciam em seu colégio, e passa a enfrentá-las usando o fanzine Moxie, que foi capaz de romper o casulo de diversas meninas a sua volta.
O filme se propõe a quebrar paradigmas da grande maioria dos longas adolescentes, evidenciando que a rivalidade feminina não é necessária para contar uma boa história e chamar a atenção do seu nicho. Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta finalmente traz a perspectiva de que o apoio mútuo entre as mulheres, muito diferentes entre si, pode ser transformador e necessário; e que quando uma garota toma uma atitude, por mais que pequena, pode encorajar e dar voz a todas as outras. O filme não é perfeito quando engloba o feminismo em sua totalidade, mas é um início muito positivo para essa mudança nos rumos do audiovisual.
Não é apenas sua narrativa que chama a atenção – por trás das câmeras as mulheres também tiveram destaque. O filme baseado no livro homônimo de Jennifer Mathieu tem direção de Amy Poehler e roteiro de Tamara Chestna e Dylan Meyer. Além disso, o departamento de arte é totalmente formado por mulheres que fizeram um trabalho perfeito, trazendo maior verossimilhança em cenários e figurinos e evitando criar uma realidade fantasiada da vida de uma adolescente. Ainda conseguiram realizar uma obra visualmente maravilhosa, cheia de detalhes, referências e significados. E por causa disso, é notável a preocupação da equipe em colocar borboletas no quarto de Vivian e no seu figurino na cena final, enfatizando sua transformação ao longo da obra.
Já a trama se destaca por trazer personagens muito importantes tanto para o público quanto para a protagonista, uma garota introvertida, que, no início da história, acha conveniente se calar para as situações erradas que ocorrem com as mulheres na escola – como assédios tratados com descaso, uma lista que classifica mulheres de modo sexista e homens saindo impunes e repressão por vestimentas. Vivian começa, aos poucos, a questionar todas essas situações, e Lucy (Alycia Pascual), a aluna nova, aparece para dar um empurrãozinho e tirá-la desse casulo em que está presa.
Lucy, uma garota negra, chega deslocada e começa a ser constantemente assediada pelo capitão do time de futebol americano, Mitchell Wilson (Patrick Schwarzenegger). Vivian a aconselha a baixar a cabeça para que ele pare de incomodá-la, porém Lucy não aceita e insiste que a questão é muito mais profunda, despertando uma série de questionamentos na protagonista. Além dela, Moxie chama a atenção pela diversidade de personagens (e de elenco), apresentando pautas relacionadas à mulheres com deficiência, trans, negras, asiáticas, atletas e até mesmo aquelas consideradas “padrão”.
Ao mesmo tempo que a representatividade existe, ela é pouco explorada quanto às suas pautas dentro do movimento, chegando a ser até mesmo superficial. Em pouco tempo, o filme consegue abordar a pauta feminista de forma sútil e clara, dialogando com o seu público alvo; nesse quesito, ele é muito bem construído – ainda que em alguns momentos traga falas um pouco forçadas. Moxie indica reconhecer que a interseccionalidade deve estar presente, porém, não deixa isso evidente. Quando debatida, ocorre de forma muito discreta, não dando espaço e nem argumentos fortes o suficiente para que o espectador de fato reflita e entenda a questão, principalmente quando levamos em conta que uma grande parte do público possa estar tendo o primeiro contato com o movimento.
Essa problemática fica nítida com a personagem Cláudia (Lauren Tsai), melhor amiga de Vivian, que sofre com as consequências das atitudes da protagonista e tenta expor isso a ela. Sendo uma mulher asiática-americana, filha de imigrantes chineses e que vive em um local conservador, encontra-se em uma realidade diferente de Vivian, uma garota branca, padrão e estadunidense. Claudia revela essas diferenças e como elas afetam ambas de modos distintos. Contudo, o filme que se propõe a dar voz às mulheres, não garantiu muita voz a Cláudia como deveria, e sua pauta é apenas mostrada rapidamente.
Apesar disso, destaco a importância da personagem tanto para a história como para o público. Desde o início da rebeldia de Vivian, Cláudia se mostra incomodada com as atitudes repentinas da protagonista e demonstra não se encaixar naquele grupo. Moxie tenta explorar esse conflito interno dela e também com a melhor amiga, revelando que Cláudia se importa com tudo isso, mas que cada uma tem seu tempo e forma de lutar pela causa, seja pela situação em que se insere no núcleo familiar, seja por questões próprias, destacando que cada uma de nós tem suas particularidades.
Outra personagem que recebeu muita atenção do público foi Lisa (Amy Poehler), a mãe de Vivian, que faz parte de uma relação clássica entre mãe e filha adolescente. O trailer do filme cria a expectativa de que esse arco vai ser não só o motivador para a personagem, como também um dos mais relevantes na trama, de modo que a relação das duas com a juventude da mãe será um forte vínculo e condutor da narrativa. Porém, temos que nos contentar apenas com os conflitos e a falta de empatia de uma adolescente em relação à própria mãe – que tem pouco espaço em tela – muito carinhosa, aberta ao diálogo e que em nenhum momento se mostrou inflexível com a filha.
Por fim, nossa protagonista, Vivan, é a típica garota quietinha da turma, mas que pode gerar muita identificação com o público. É muito interessante notar sua metamorfose durante o enredo de Moxie e como foi importante tudo o que passou para finalmente conseguir dar o grito que desde a primeira cena está entalado, além de ver as asas que criou por causa disso (simbolizadas na última cena do filme).
Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta não é o filme perfeito quando o assunto é se aprofundar em questões sociais, mas consegue ser leve e, ao mesmo tempo, trazer uma mensagem forte e eficiente ao seu público, principalmente para as novas gerações, que, diferentemente da minha e das anteriores, cresceram cercada de diversas referências estereotipadas e personagens femininas sem voz. É o tipo de filme que teria sido revolucionário para qualquer garota adolescente. Moxie é como suas personagens: borboletas que saem vibrantes de seus casulos para deixar seu impacto no mundo.