Vitor Evangelista
Antes de qualquer coisa, Malmkrog é um capricho cinematográfico. Adaptação do livro Three Conversations do russo Vladimir Solovyov, o filme é centrado num grupo de intelectuais europeus que passam horas e horas debatendo e discutindo os mais diversos temas. Sem muito dinamismo visual, o diretor e roteirista Cristi Puiu traz à 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo uma produção destinada às aulas de Cinema, mas que carrega seu valor de entretenimento.
Malmkrog é o tipo de filme que te faz pensar e teorizar muito mais sobre o que poderia ter sido, ao invés sobre o que inevitavelmente foi. O elefante na sala são as 3 horas e 20 minutos de duração, que já de cara afastam um público que não bate de frente com filmes que extrapolem seus cento e tantos minutos. E Malmkrog não esconde sua forte pretensão de obra ‘importante e relevante’, cheio de pompa e ego inflado, o teatro filmado oscila entre o interessante e o tedioso, mas não por conta dos 200 minutos, e sim pela condução da narrativa principal, os estafantes debates.
Na trama, 5 intelectuais se reúnem numa mansão chique e passam a tarde batendo boca, da maneira mais educada e controlada possível. Entre as ilustres figuras, temos um político, um general russo e sua esposa, o anfitrião da casa e mais uma dama de classe. Malmkrog nunca explicita os papéis sociais de seus personagens, mas o roteiro desnuda os estereótipos e revela gradualmente as garras e princípios dos convidados. O que o texto não faz, entretanto, é tornar as figuras vulneráveis ou mesmo relacionáveis.
O que não tem problema algum, considerando que muitos filmes apenas retratam frieza e apatia nos personagens, sem necessariamente aproximá-los de quem assiste. A deficiência de Malmkrog descansa no fato de usar esses fantoches dubladores por duzentos minutos, criando uma gelada muralha de simpatia ou mesmo segurança emocional. No fim das contas, todos ali são vazios, odiosos, é claro, mas com uma inegável boa oratória.
A adaptação de Cristi Puiu brinca muito com as nuances das discussões e apontamentos, ao mesmo tempo que manufatura esses intérpretes cabeças-duras, o filme ainda assim consegue grudar a atenção do público, por mais que os assuntos em voga sejam nada táteis aos dias de hoje, ou às discussões que realmente importam. Os convidados dão longos monólogos, ouvem os monólogos dos colegas, leem cartas, leem passagens da Bíblia, ouvem os colegas contarem histórias, guardam as respostas e opiniões e na sequência despejam-nas nos demais.
Dividido em espécies de capítulos com foco em alguns personagens, o filme não se compromete em dinamizar as sequências em momento algum. O aspecto ‘teatro filmado’ deixa a câmera de Tudor Panduru quase que congelada, se movendo rara e lentamente. O diretor filma longos jantares de um ângulo fixo, fazendo o espectador fuçar na composição quem está falando algo e para quem. Essa escolha estética é um prato cheio para perder a atenção de quem assiste, considerando que muito (muito!) é dito em cada diálogo, e boa parte dessas informações passam batidas.
Ao fim das três horas e vinte de filme, os personagens permanecem os mesmos. Ninguém muda de opinião ou entende um novo ponto de vista, os debates sobre a moralidade da guerra, a existência do bem e do mal e o papel do Anticristo, nada mais foram do que discursos unilaterais, eles falavam para se ouvir, e nunca para escutar o outro. Malmkrog é a representação perfeita de como seria uma sala de espera no Purgatório: um monte de gente metida à besta falando sem parar.