Mariana Nicastro
Para os fãs do Terror, o nome de James Wan se destaca na atualidade devido ao seu talento em transformar até mesmo os roteiros mais simples em obras memoráveis. Isso ocorre com Jogos Mortais, Invocação do Mal, Sobrenatural, Velozes e Furiosos 7 ou Aquaman. Com Maligno, ele se superou. O longa se desenvolve sob uma ótica de Horror italiano setentista, com cores vibrantes, cenários diferenciados, atuações e trilha sonora novelescas e um vilão misterioso, cruel e interessante.
Lançado no Brasil em 9 de setembro de 2021, pela Warner Bros. Pictures, o filme conta a história de Madison Mitchell (Annabelle Wallis) que, após enfrentar uma experiência traumática, começa a ter visões de crimes que parecem estar, de alguma forma, conectados a seu passado. Logo, ela inicia uma investigação para tentar compreender esses acontecimentos, enquanto vislumbra os ataques cruéis de uma misteriosa criatura.
Com um roteiro criativo, logo no primeiro ato o filme já revela que busca se afastar da verossimilhança. Inspirado em obras clássicas do Terror italiano, como Suspiria (1977), de Dario Argento, o distanciamento da realidade permite que os autores naveguem livremente pelo universo que criaram. Dentro da lógica surrealista de Maligno, até as situações mais bizarras são possíveis.
Ela divaga entre diversas facetas do gênero e apresenta desde aspectos de produções de assombrações e demônios, até os de suspenses psicológicos. Referências aos famosos giallos e até mesmo aos slashers das décadas passadas também estão presentes. E a direção habilidosa de James Wan é capaz de unificar todas essas influências de forma coesa e harmônica.
Com todas essas referências e estilos na obra, ela pode até soar bagunçada e complexa, certo? Mas Malignant passa longe disso. Ainda que abrace diversos estilos de Terror, o roteiro de Akela Cooper (baseado no argumento dela, de Wan e de Ingrid Bisu) é simples, objetivo e facilmente compreensível. Os mistérios são resolvidos aos poucos e recheados de pistas para que o público tente decifrá-los junto dos personagens. Além disso, nada é simplesmente utilizado de qualquer forma dentro da história. Suas características distintas existem sempre por um motivo e com uma intenção, tendo um momento certo para serem aplicadas.
Os dois arcos principais, da investigação e dos assassinatos cometidos pelo vilão, se alternam como os pilares da trama e ambos progridem de forma satisfatória, em tensão, mistério, horror e violência. Aqui, as já conhecidas fórmulas de sustos muito utilizadas por James Wan em obras anteriores, como Invocação do Mal (2013) ou Sobrenatural (2010), estão menos evidentes. Ele busca inovar a maneira como se usa desse mecanismo e pode-se dizer que obteve êxito. Os sustos existem, mas de forma bastante diversificada e inesperada.
Vale mencionar a ambientação e os cenários da obra, que chamam a atenção por apresentarem características fictícias e fantasiosas. Como um hospital psiquiátrico na beira de um precipício, rodeado por névoa, a casa da protagonista, que é digna de filmes clássicos do Terror, e até mesmo ruínas históricas, no subsolo da cidade. A trilha sonora novelesca também merece destaque, com a icônica faixa Where Is My Mind? da banda Pixies, aqui distorcida a fim de dialogar com a obra.
Outro ponto de destaque é, sem dúvidas, a bela fotografia. Dirigida por Michael Burgess, ela também faz claras referências a filmes como Suspiria, com luzes vermelhas e azuis em destaque nas cenas. Elas contrastam fortemente com os cenários escuros e sombrios, principalmente quando o vilão entra em ação. E não é só nisso que a fotografia do filme brilha. Há perseguições das vítimas em primeira pessoa, zooms dramáticos para direcionar a atenção do telespectador e planos sequência muito bem executados, nos mais diversos ângulos. Ferramentas essas que nunca são usadas a toa, sempre motivadas pelo talento e bom gosto da direção.
A caracterização do vilão se consagra como um dos muitos triunfos desse filme. Ainda que tenha dividido opiniões, sendo as negativas daqueles que podem ter esperado criaturas mais óbvias e comuns dentro do Horror, ela combina com a personalidade e essência peculiares da obra. Gabriel é interessante, assustador e atiça a curiosidade do telespectador, que cria teorias sobre sua natureza desde a primeira aparição da entidade.
Por fim, seu desfecho impactante e inovador rompe com qualquer ideia pré-estabelecida pelo público. Mesmo com todas as dicas fornecidas pela investigação na trama, o terceiro ato de Maligno revela o quanto essa obra é imprevisível e criativa. James Wan aqui entrega um trabalho que é bizarro, macabro, intencionalmente incômodo e sem dúvidas, gratificante, que homenageia décadas de Terror de uma forma inusitada.