Jordana A. Pironti
Já se perguntou por que o anjo caído decidiu começar uma revolução no Paraíso que o levou a ser castigado e a comandar o Inferno pela eternidade? A segunda parte da 5ª temporada de Lucifer, série da Netflix desenvolvida por Tom Kapinos e comandada por Joe Henderson, coloca o Diabo à frente de seus problemas com seu pai, Deus (Dennis Haysbert), e mostra que na verdade a família celestial é tão desconfigurada e problemática como qualquer outra.
A 5ª temporada aflorou o romance entre o Diabo (Tom Ellis) e a Detetive Decker (Lauren German), mas não por muito tempo. Os novos episódios, embalados por uma trilha sonora carregada de rock alternativo, retomam a briga entre Lucifer, seu irmão gêmeo invejoso Miguel, e Amenidial (D. B. Woodside). Ao que os três estão prestes a encerrar a vida um do outro em meio ao cenário congelado da delegacia de Los Angeles, uma luz branca forte aparece e então Deus, pela primeira vez na série, pisa na Terra.
A psicologia explica que boa parte dos traumas de uma pessoa são decorrentes do tratamento que receberam dos seus pais, e com o Rei do Inferno não foi diferente. Lucifer Morningstar amadureceu muito ao decorrer das temporadas, demonstrando mais autonomia e responsabilidade por suas ações e conhecendo melhor as emoções dele e das pessoas que ama. Mas o grande feito dessa nova parte foi mostrar com ênfase os motivos familiares das inseguranças profundas dele, que são metaforizadas em um comportamento narcisista e autodepreciativo.
Quando Deus tenta uma reconciliação e reaproximação da família, Lucifer, que costumava não reconhecer suas feridas e a justificar os motivos de suas falhas no comportamento dos outros, reage evidenciando os traumas familiares antigos e reativando esses comportamentos. Como consequência, ele passa a duvidar novamente se é merecedor do amor da Detetive.
A série sempre nos leva pelas viagens psicológicas de autoconhecimento do Rei do Inferno, baseadas em sua visão irônica e auto destrutiva, com um leve toque de personalidade intensa. Mas a apresentação de Deus, o ser mais poderoso do universo, como uma figura de pai controlar e ao mesmo tempo negligente, traz o olhar fora do convencional que qualifica Lucifer.
Caindo em inúmeras contradições, Deus, carregado de frases vagas e indiretas, justifica sua postura distante e fria pela vontade de proporcionar aos filhos livre escolha. No entanto, ele constantemente controla e julga os comportamentos deles, depositando altas expectativas, situação muito bem ironizada no episódio musical em que Lucifer canta e dança com seus colegas de trabalho, durante momentos extremamente delicados, e contra sua vontade.
Lucifer não se entrega ao esperado maniqueísmo de histórias de bem e mal. O andar das temporadas traz constantes quebras de perspectiva, sendo a grande virada de chave relativizar a maldade intrínseca e a bondade absoluta. As pessoas com quem o Diabo se relaciona na vida terrena são capazes de enxergar o melhor nele, isso o impulsiona a crescer e, consequentemente, reconhecer e evidenciar os erros de seu pai, desmistificando a perfeição angelical.
É surpreendente o grande sucesso da série em se conectar com o público. A humanização do divino foi capaz de criar uma conexão inesperada entre o personagem principal, o Diabo, e o telespectador. Acompanhar o crescimento psicológico de Lucifer coloca quem assiste em posição de análise, não apenas sobre os próprios comportamentos mas também sobre a humanidade, evidenciando que nem tudo é preto e branco. Muitas vezes, a realidade pode ser pintada em cinquenta tons de cinza.