Caio Machado
O Cinema é capaz de mostrar mundos fantasiosos, realidades alternativas, novas perspectivas de grupos marginalizados da sociedade… As possibilidades são infinitas. No caso de Leonor Jamais Morrerá, produção filipina que faz parte da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, a Sétima Arte é utilizada como meio de reconciliação entre mãe e filho.
Na trama, Leonor Reyes (Sheila Francisco) já foi uma figura consagrada do cinema de ação filipino, responsável pela criação de uma série de filmes de sucesso, mas agora sua família sofre com dificuldades para pagar as contas. Após ver o anúncio de um concurso de roteiros no jornal, ela decide continuar um esboço inacabado sobre a jornada de Ronwaldo (Rocky Salumbides), que busca vingança pelo assassinato de seu irmão. Enquanto a imaginação ajuda Leonor a escapar das dificuldades da vida real, um acidente envolvendo a queda de uma televisão a deixa em coma, transportando-a para dentro da obra inacabada. Agora, ela pode descobrir o melhor final para a história.
O longa da estreante Martika Ramirez Escobar parte de uma abordagem cotidiana tão próxima do documentário para estabelecer a rotina de Leonor e seu filho, Rudi (Bong Cabrera), que não torna difícil se perguntar se aquelas pessoas exibidas em frente às câmeras existem mesmo ou estão interpretando personagens. O carteiro entrega a conta atrasada, Leonor canta enquanto cozinha, Rudi conversa com alguém ao telefone sobre seu desejo de sair de casa e a câmera de Martika capta tudo isso sem denunciar que está lá, estática. Desde o início, a fronteira entre realidade e ficção é quase inexistente.
Em meio aos atritos de Rudi e Leonor, a tentativa de um homem para se eleger como líder comunitário e uma criança que vende DVDs piratas em uma banca, o Cinema está sempre presente, mais especificamente o de ação. O olhar sensível da cineasta mostra o poder que a arte tem para dar vazão à criatividade, ajudar na conexão com um ente querido e provocar sentimentos intensos em uma pessoa ou em multidões. De forma bem-humorada e emotiva, o longa reconhece que um filme nunca é “só” um filme. É algo trabalhoso, envolvendo muitas pessoas e, por ser uma atividade profundamente humana, é capaz de mexer com questões internas de um indivíduo, como o luto pela morte trágica de um filho.
Leonor Jamais Morrerá se destaca por mergulhar na própria metalinguagem cada vez mais, depois que Leonor entra em coma. Até então, o longa mantinha os pés no chão, com um clima fácil de ser confundido com a realidade. Depois, a obra se liberta das amarras do convencional e se permite experimentar. Em dado momento, próximo do fim do filme, há três linhas narrativas: a de Rudi, no hospital, aguardando a mãe acordar do coma; a de Leonor, inserida em sua jornada como heroína dentro do produto de ação; e a de uma criança que possui o DVD do filme em que Leonor está inserida e assiste-o na TV. O espectador assiste a um longa-metragem, que possui outro dentro dele, enquanto um personagem também assiste a esse segundo. Se pareceu confuso, é porque realmente é. Tentar refletir sobre isso é um convite para se perder ainda mais no raciocínio e a produção sabe disso, convidando o público a aceitar e embarcar nessa reta final explosiva e sentimental.
Como fechar uma obra assim, tão imersa no próprio mundo? É difícil. A própria diretora faz uma pausa para refletir. O caminho optado é o da alegria e é impossível não terminar Leonor Jamais Morrerá com um sorriso no rosto, assim como a protagonista. A produção filipina, apesar de um pouco confusa, vale a pena de ser vista por apresentar um exercício inovador de metalinguagem, testando os limites entre real e ficcional. Com bom humor e sinceridade, a película mostra como a Sétima Arte mexe com cada ser humano, desde a infância à velhice, e serve como uma poderosa forma de conexão com outras pessoas. É um belo e mágico trabalho de estreia de Martika Ramirez Escobar.