Nathalia Franqlin
Invincible chegou em março no Amazon Prime Video, despertando curiosidade e gerando polêmicas dentro do mundo nerd. Mas, afinal, a série é, realmente, tudo isso? Baseada nas HQs de mesmo nome de Robert Kirkman, Invencível é originalmente uma criação em quadrinhos de 2003. Ela foi incluída no catálogo da Amazon, que agora, aparentemente, segue apostando na nova onda de desconstrução de super-heróis iniciada no ano retrasado por The Boys – que, inclusive, também se baseia em HQs lançadas na longínqua década de 2000.
Em Invincible, a história gira ao redor da vida do protagonista Mark Grayson (Steven Yeun). O adolescente, filho de um dos guardiões globais mais importantes do mundo, Omni-Man (J. K. Simmons), está terminando o Ensino Médio e começando a descobrir seus poderes tais quais os do seu pai – que, nesse universo, é uma paródia do Super-Homem. Ele começa uma vida atrapalhada tentando equilibrar suas responsabilidades como super-herói e deveres como um adolescente comum com escola, amigos e namorada, mas, é claro, ele leva tudo muito mal e acaba entrando no mesmo dilema do Homem-Aranha de que “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Isso gera bastante empatia pelo personagem que parece tão perdido quanto qualquer um de seus fãs.
O primeiro episódio, Já Estava Na Hora, passa ao espectador uma impressão de déjà vu trazendo muitas referências de tudo que o público nerd já viu previamente no mundo dos super-heróis. Para quem já faz parte desse contexto, cada minuto da animação te deixa com uma sensação de “já vi isso antes”. Esse é o episódio de ambientação – ele apresenta os personagens, as equipes e o universo no geral. Há aqui muitas referências escancaradas à Liga da Justiça, The Boys, Watchmen, Os Jovens Vingadores, etc. O próprio Mark parece uma versão em desenho do Homem-Aranha playboy de Tom Holland. Tudo isso, é claro, para no último minuto fechar a cena com um plot perturbador.
Um dos grandes problemas de roteiro de Invincible são as referências que não param no primeiro episódio. Depois de construir e ambientar todo o enredo com várias paródias, achar a voz própria é um trabalho árduo que a equipe da série tardou em conseguir. Por causa disso, a impressão que ficamos durante a maior parte do programa é que ele é apenas um Frankenstein de tudo já deu certo no universo nerd dentro do audiovisual, algo sem personalidade, que até funciona bem como um programa para distrair a cabeça, mas que não chega a ser uma obra marcante para o meio. Pessoalmente, assistindo aos primeiros capítulos, não saiu da minha cabeça a ideia de que eles foram escritos em uma mesa com vários executivos munidos de algoritmos para ver o que daria mais dinheiro.
Outro grande problema com o roteiro é a falta de ritmo. Novamente, parece que a equipe de roteiristas estava sem rumo. Invincible tenta fazer tudo de uma vez: contextualizar, apresentar personagem, criar conflitos individuais, discutir o problema principal e acrescentar plots que ficam como pontas soltas na história. O espectador sai de maneira brusca de uma cena graficamente violenta de luta para os problemas de romance do protagonista e discussões bobas que tentam, sem sucesso, recriar o trabalho memorável de Sam Raimi em Homem-Aranha 2. Isso contribui bastante para que a personagem Amber Beetz (Zazie Beetz) seja odiada pela maioria dos fãs – o que é uma pena, porque ela poderia ter sido bem mais aproveitada, uma figura com muito potencial desperdiçado. Por ser a primeira temporada, tentativas e erros ainda são perdoáveis, ainda mais porque no último episódio, A Verdade, parece que os roteiristas finalmente encontraram o tom da série.
Mas não apenas de erros vive Invencível. Algo que acertaram muito foi na escalação de elenco. Quem assistiu na língua original com certeza ficou satisfeito com as atuações no geral. Segue aqui algumas menções honrosas para Zazie Beetz como Amber Beetz, Sandra Oh como Debbie Grayson, Jason Mantzoukas como Rex Splode e Kevin Michael como os Irmãos Mauler.
Referente a qualidade da animação, existem alguns pontos a serem levantados. A priori, a primeira coisa que lembramos é de X-Men Evolution, o traço e estilo da animação são muito parecidos. Dá a impressão de que essa é realmente uma série feita para os que acompanharam quando criança os X-Men na hora do almoço e, agora que já estamos todos adultos, nada mais coerente do que uma série no mesmo estilo, mas com classificação indicativa para maiores de 18 anos. Contudo a qualidade varia bastante dependendo do momento da obra, em cenas de luta, por exemplo, a violência ficou extremamente gráfica, a velocidade de frames por segundo aumenta e o espectador se choca com sangue, tripas e ossos para todos os lados – algo que é interessante de ser explorado no momento em decorrência da liberdade que a animação entrega.
Mas, em cenas de diálogo, a qualidade é baixíssima para os padrões Amazon Prime Video. Isso aumenta ainda mais o desgaste da obra pela falta de ritmo, com esse vácuo de continuidade entregado desperta em quem assiste o desejo de interromper o programa. Realmente não existe um porquê da animação parecer tão ruim às vezes, já que ela é naturalmente mais barata de ser produzida apenas por ser um desenho animado, e, se o motivo não pode ser financeiro, a impressão que fica é de descaso do estúdio. Por causa disso, ainda permanece a dúvida de até que ponto a qualidade do desenho foi propositalmente baixa, se foi apenas por saudosismo ou se foi mais por avareza com a produção.
Outro detalhe interessante é sobre a duração dos episódios. Cada parte tem em média 45 minutos, o que é bastante para uma animação mesmo que seja uma série em uma plataforma de streaming. Isso deixa o programa ainda mais cansativo para o fã e, para complicar tudo, ainda existe uma regra interna de que o nome do protagonista nunca é dito – sempre que alguém vai dizê-lo, a cena é cortada para outra sem conexão nenhuma com a anterior. E dessa forma, acaba que fica fatigante para o espectador segurar quase uma hora em cada episódio que trata de vários assuntos e abre muitos parênteses que não dá conta de fechar. Voltamos novamente aos problemas de roteiro como se fosse um looping.
Mas se Invincible tem realmente tantos problemas, como a obra conseguiu ser tão popular? Creio que quem não assistiu ainda pode estar se perguntando isso nessa altura do texto. Um dos motivos é que ela tem algo que estávamos querendo ver há muito tempo nesse universo nerd: a verossimilhança da violência com a realidade. Não no ponto de crítica social – isso Coringa já fez há um tempinho –, falo do literal mesmo, violência por definição. Quando um personagem se machuca, ele fica comprometido por tempo proporcional, quando um prédio cai em uma avenida movimentada durante a luta, pessoas se ferem, já que ninguém consegue mágicamente escapar de vidro e aço caindo do céu como chuva. Isso é novidade e foi muito bem aceito pelo público como um elemento marcante da série.
Outro motivo é que a obra foi escrita para ser popular. Invincible pega o embalo de The Boys de uma maneira que já foi até sugerida como uma nova versão da série-irmã. A desconstrução de super-heróis é um tema que está valendo a pena investir agora, pois no mundo dos quadrinhos ela já está saturada há anos desde Alan Moore com Watchmen. Mas, no streaming, esse assunto ainda se mantém como novidade, o que é bem lucrativo para as empresas. Pensando em Watchmen, Invincible não perde a oportunidade de ter seu próprio Rorschach na figura de Damien Darkblood – um outro personagem vítima do roteiro e que teve o potencial desperdiçado.
Uma boa notícia para os fãs é que ainda há esperança! Invencível já foi confirmada até a terceira temporada, então ainda há tempo para salvar a história e aproveitar melhor outros personagens potencialmente marcantes para a série. Esperamos que ela possa, no próximo ano, finalmente sair da sombra de outros programas, algo que, se o enredo seguir pela mesma linha dos quadrinhos, não será muito difícil. O máximo que pode acontecer é a série ficar carregada pelo Omni-Man – o que se for bem escrito não haverá problemas.