Ana Júlia Trevisan
É inegável que Friends é uma das maiores séries já produzidas. A sitcom, que teve início em 1994 e foi finalizada com esplendor em 2004, continua carregando uma legião de fãs fiéis, mesmo depois de quase 20 anos do término. O que faz Friends tão popular? Pode ter sido seu contexto rotineiro, suas piadas fáceis e funcionais, seus personagens carismáticos. Mas, principalmente, a química entre os seis atores principais, que construíram uma amizade verdadeira além dos sets de filmagem e garantiram um entrosamento singular entre o grupo de amigos, fazendo as personagens funcionarem de maneira independente e em conjunto.
Todo fã já sonhou em algum momento com especiais envolvendo Courteney Cox, Matthew Perry, Jennifer Aniston, Matt LeBlanc, Lisa Kudrow e David Schwimmer. Em 2016, os boatos por uma possível Friends Reunion começaram a ficar mais fortes. Um tributo a James Burrow reuniu cinco dos seis amigos, que desde então começaram a aparecer mais e mais juntos. A imortal série emplacou vários produtos nesse meio tempo até que, em maio de 2021, o cast se reuniu oficialmente para relembrar os anos dourados de Friends e revisitar o estúdio que os acolheu durante uma década.
O Especial começa com a cena que por anos me neguei a reassistir nas anuais e terapêuticas maratonas de Friends. Sempre fugi do último episódio, de sentir a dor em ver eles entregando as chaves e indo tomar o último café no Central Perk. Mas, dessa vez, revi e por um bom motivo, eles estavam, os seis, reunidos novamente. Ver o apartamento vazio ainda trouxe a mesma dor lancinante da primeira vez, porém, nada se compara a sensação de ver os atores retornando ao set de gravação visivelmente emocionados.
Os cenários são bem reconstruídos e trazem aquele ar nostálgico, que ao mesmo tempo é acolhedor e caloroso como abraço de mãe. Em meio às cores marcantes que compunham a paleta da série e aos objetos que têm total energia Monica Geller, há mínimas diferenças de adaptação, como o relógio de cookie repaginado, já que o original está na casa de Lisa Kudrow. Descontraídos desde o início, eles mostram que são mais que amigos, são friends. Matt LeBlanc logo entrega que Courteney Cox tinha suas falas anotadas na mesa em cenas que aconteciam na amorosa cozinha do apartamento 20. Tudo flui de maneira orgânica.
Matthew Perry, que não compareceu no evento de 2016, presenteou os fãs com sua reconfortante voz, afinal, quem não escuta ele falar e não lembra de todas as doces e apaixonadas declarações que Chandler fez pra Monica. Sua sinceridade cativa e emociona os fãs que conhecem a história do ator. Assim como Rachel era conhecida por chorar facilmente, Jennifer Aniston adentra o estúdio com os olhos marejados, Courteney Cox repete a ação da madrinha de sua filha e entra no set visivelmente emocionada. Enquanto isso, os admiradores da série já se afundam em lágrimas.
Se o choro estava pouco, a abertura veio pra gente terminar com a caixinha de lenço. Ela é feita da melhor maneira possível e respeita suas 10 temporadas. A clássica fonte no meio da praça, com os guarda-chuvas vermelhos, amarelos e azuis reaparecem e, entre takes, vemos cenas do Especial assim como víamos cenas da temporada no fim dos anos 90. Isso contribui para ativar as mais doces memórias afetivas construídas ao longo de 236 episódios.
E essa fonte volta. Comandado pelo ator e comediante James Corden, vemos a fonte, o sofá laranja, a placa de reservado e uma plateia ansiosa. Logo notamos que a dinâmica da Reunião vai mudar e que além de revisitar o set, uma emocionante entrevista está prestes a acontecer. Os produtores Kevin Bright, Marta Kauffman e David Crane também estão presentes, se mostrando íntimos do público que sempre enxergou aquele grupo de amigos como uma verdadeira família. O filho pródigo está de volta ao lar.
A The Reunion oscila entre entrevistas e o cast no estúdio, assistimos aos atores tendo flashbacks. Conforme eles viajam em suas próprias lembranças, viajamos juntos, pois Friends é uma série que permanece viva na memória de quem assiste, e um dos remos desse barco são as falas cortadas pelas brilhantes cenas citadas. As sequências do backstage, sem plateia, são aconchegantes de serem assistidas, sentimos os seis livres e leves, tocando as lembranças de forma natural e deixando se levarem por elas.
Mesmo perto da magia das cenas do set, a entrevista não perde seu encanto, ficamos ansiosos a cada pergunta feita por James e as respostas nos deixam mais próximos do grupo enquanto eles se aproximam deles mesmos, como uma grande família. Na entrevista, um dos primeiros episódios a serem relembrados é o hilário Aquele com os Embriões. Graças a ele, o nome da minha rede Wi-Fi é Miss Chanandler Bong. O quiz é recriado e é nesse momento que a pausamos o episódio, choramos um tanto, fazemos um exercício de respiração, para finalmente dar o play. Ansiedade define cada minuto dessa reunião.
O Especial é uma via de mão dupla: os fãs são agraciados com o elenco no mesmo espaço em que o cast recebe a admiração do público. Eles se reúnem numa mesa redonda para reler o script. E é nesse momento que Lisa Kudrow mostra toda sua potência, reproduzindo a inesquecível cena em que descobre o namoro de Chandler e Monica. As leituras de roteiro aquecem o coração com a chama que ainda existe nos seus atores. A química entre eles ainda é forte, e David não perde a chance de revelar o crush mútuo em Jennifer Aniston. Ele poderia ter sido a lagosta dela na vida real?
Os cortes são inesperados – no mesmo momento que estamos imersos no apartamento 20, somos teletransportados para algum depoimento. A fabulosa Reese Witherspoon aparece remotamente relembrando sua vivência como irmã da Rachel. Não há base certa para os convidados e sentimos falta de grandes participações. Vemos Tom Selleck e a partir de um certo ponto teve espaço até para a banda coreana BTS, mostrando que eles são gente como a gente que aprenderam mais inglês assistindo a série do que fazendo Fisk. A participação deles também serve para provar o sucesso mundial que Friends foi e continua sendo.
A mistureba de participações sem conexão nenhuma, que poderia ser um desastre, nos deixa mais próximos da sitcom. Vemos o sentimento de acolhimento que nos acompanha por dez temporadas refletidos em pessoas famosas como Malala e David Beckham, e também em anônimos ao redor do planeta. Friends é onipotente e onipresente. Temos ainda o prazer de assistir Lisa com o violão cantando seu maior hit, Smelly Cat. Depois de dividir os palcos com Taylor Swift, foi vez de fazer feat com Lady Gaga. A atriz tem toda a essência de Phoebe contracenando ao lado de Gaga e nos leva a lembrar de quando tentou ensinar Joey a tocar violão.
Se assistir Friends é risada garantida, assistir os erros de gravação junto aos seis amigos é gargalhada na certa, mas com um diferencial: assim como Jennifer Aniston, também precisamos ficar secando as lágrimas. Matthew Perry, que parecia ser o mais distante durante as gravações do Especial, também consegue ser o mais engraçado e verdadeiro do grupo.
Contudo, a euforia passa, e talvez outra maneira de divisão de tarefas pudesse tornar a Reunion mais grandiosa, focar nos amigos e deixar as homenagens como apêndice. Enfim, não posso negar que o Especial me deixou em paz. A confirmação que Friends não terá uma continuação me conforta. A série é gigante por tudo que ela representou na época, ela foi capaz de mudar minha vida e teve começo, meio e fim. Um revival é um risco que não vale a pena para a sitcom que nunca perderá o posto de maior do mundo. Eles estarão lá por você, basta dar play e rever os episódios.
“I turned to a friend for comfort. And instead, I found everything that I’d ever been looking for my whole life.”