Caio Machado
Provocar discussões e causar polêmicas tornou-se algo fácil com a popularização das redes sociais. Na maioria dos casos, os dois ingredientes necessários para tanto são falta de noção e uma grande quantidade de desrespeito. Encontrar alguém disposto a dialogar de forma educada tem se tornado cada vez mais raro. Fran Lebowitz, protagonista da minissérie documental Faz de Conta que NY é uma Cidade, mostra que ainda existem pessoas capazes de questionar valores e crenças sem serem ofensivas.
Ao longo dos sete episódios, acompanhamos as conversas entre a escritora e o diretor Martin Scorsese sobre diversos assuntos, como a mudança de comportamento da população de Nova York, a forma como nos relacionamos com a arte e o valor que a sociedade dá ao dinheiro. No Emmy 2021, Pretend It’s a City recebeu uma indicação na categoria Melhor Série Documental ou de Não-Ficção, na qual também concorrem outras quatro: Allen v. Farrow, American Masters, City So Real e Secrets of the Whales.
À primeira vista, ver uma senhora de setenta anos de idade opinando (e reclamando) sobre tópicos variados não parece um passatempo dos mais interessantes para quem não a conhece. Porém, logo de início, Fran Lebowitz revela uma sagacidade e senso de humor que prendem nossa atenção e nos deixam com vontade de ouvir o que ela tem a dizer, mesmo que não concordemos com alguns de seus posicionamentos.
A direção elegante de Martin Scorsese contribui para deixar o clima das conversas mais intimista e adota enquadramentos que dão espaço para sua protagonista gesticular o quanto quiser enquanto está falando. O ângulo por cima do ombro, utilizado durante as entrevistas no bar, faz com que o público se sinta como se fosse um velho amigo de Lebowitz e estivesse sentado à mesa junto dela, se divertindo tanto de suas piadas quanto Scorsese se diverte.
A escritora de personalidade forte não fica parada em um lugar só. Moradora de Nova York há décadas (e que não quer se mudar de jeito nenhum), acompanhamos seus passeios por lugares famosos da cidade, que também foi local onde se passavam os filmes do início da carreira de Scorsese.
É perceptível a reverência que o cineasta tem pelo ambiente. Sua direção faz uma bela homenagem à cidade que o ajudou a chegar onde chegou. Os enquadramentos abertos enfatizam a grandiosidade de uma Nova York que flui freneticamente ao redor de Fran, mas que também tem sua beleza nos detalhes, como as placas metálicas que exibem frases famosas no chão ou mesmo a iluminação da Times Square durante a noite. Pontos turísticos, como o touro de Wall Street e a Estação Grand Central, são tratados como lugares mágicos devido à importância histórica que carregam.
A importância da cidade para o documentário não se restringe somente ao âmbito das imagens e permeia a conversa em todos os episódios, praticamente como uma segunda personagem principal. Nomes de ruas, estações de trem e pessoas marcantes para a história da cidade são citados e a série se esforça para dar referências visuais ao que estão se referindo, para que aqueles que não vivem na cidade não fiquem perdidos. Faz um ótimo trabalho ao contextualizar as informações, mas é inevitável que os não-moradores não entendam uma coisa ou outra. Certas coisas é preciso viver para saber.
Faz de Conta que NY é uma Cidade é um mergulho nos pensamentos de Fran Lebowitz, cuja história de vida se entrelaça com a da própria cidade que a recebeu quando ainda era uma jovem sem dinheiro no bolso. Consegue divertir e fazer rir, ao mesmo tempo que oferece uma perspectiva mais madura sobre assuntos amplamente discutidos hoje em dia, como a relação da juventude com as redes sociais e se é possível separar a arte do artista.
Você pode não concordar com algumas coisas que ela diz, mas ela os faz com tamanha educação e clareza de ideias que ouvi-la falar já é um prazer por si só. A direção de Scorsese, seu amigo de longa data, faz com que o público se sinta tão próximo dela e da cidade quanto ele é. Depois de ver a série, um pensamento fica: talvez devamos dar mais atenção ao que os mais velhos têm a dizer. Afinal, talvez possamos ter uma grata surpresa.