Jho Brunhara
Muito se discute qual é o ponto em que o cinema se divide entre entretenimento e arte, ou se é que esse ponto existe, afinal, o que é entretenimento e por que a arte não pode entreter? Dias, filme do premiadíssimo cineasta malaio Tsai Ming-Liang, adiciona uma camada ainda mais grossa para esse debate.
Em Rizi, que faz parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, acompanhamos Kang (Lee Kang-Sheng) e Non (Anong Houngheuangsy), dois taiwaneses. Depois de um dia de preparações, os homens se encontram no quarto de um hotel para esquecer suas realidades por uma noite. Desde o começo, Dias é claro em sua proposta: esse não é um filme de cinema comercial. Antes mesmo do longa começar, vemos uma mensagem que diz ‘filme propositalmente sem legendas’. O primeiro take, uma câmera parada que grava Kang olhando a chuva, beira os dez minutos. Mais a frente, vemos Non preparando uma refeição. Câmera parada, quase quinze minutos. E segue esse padrão até o fim.
Talvez, Dias tenha vindo em um mau momento. Não que isso faça o filme melhor ou pior, mas sim que a experiência assistindo ele é totalmente diferente agora. Se voltássemos para 2019, antes do mundo acabar e em alguma época que estivéssemos vivendo naquela loucura acelerada, a sensação de se desconectar e aguardar pacientemente as ações de dois homens em Taiwan seria outra. Mas em um 2020 amaldiçoado que não podemos fazer muita coisa fora de nossas residências e que todos os dias são iguais, é um pouco agoniante assistir um filme que sua maior característica é a lentidão.
E assistir em casa, bem longe de um cinema, também muda o que sentimos. Penso como seria dividir uma sala cheia de gente enquanto todos observam por quinze minutos um homem cortando verdura. E depois, um soft porn com óleo de massagem, masturbação e mordiscadas no bico do peito por quase dez minutos. Com certeza o cinema é uma experiência individual, mas esse é um título que faz você querer virar para alguém do seu lado e dizer: eu não sei se acho isso genial ou absurdo, ou as duas coisas ao mesmo tempo.
Aqui, o que vale mesmo são as sensações. A prova de sermos colocados por duas horas na frente de uma tela e capturar a impaciência, paciência, dor, solidão, tesão, angústia, paixão e tantas outras que o longa imprime no espectador mesmo explorando poucos eventos e nunca dizendo uma palavra. Ainda bem que os festivais permitem que essas experimentações aconteçam, mesmo que não agradem à todos. Elas são importantes apenas por existir, quebrar com o convencional e desligar o piloto automático que consumimos produções audiovisuais.
Dias é um teste de paciência. É um filme que talvez você deseje ativar aquele botão de acelerar a velocidade do vídeo em alguns momentos. Mas também é uma obra que vai ficar cravada na sua cabeça, que vai te fazer pensar por algum tempo sobre o que foi visto ali. Apesar do muito pouco que acontece, e perdão pelo trocadilho não intencional, realmente podemos levar dias para processar todas aquelas sensações. Bom, pelo que parece, a arte veste o entretenimento como um casaco. Frase propositalmente ambígua.