Jamily Rigonatto
A narrativa do modo de vida americano presente em comerciais, produtos culturais e campanhas estadunidenses nos mostram uma realidade brilhante – moldada pela visão liberal do que isso significa. A ideia de desenvolvimento e sucesso escondem realidades nas quais o luxo e a tecnologia não estão presentes. Em A Saída Está À Nossa Frente, do diretor Rob Rice, o valor das pessoas que não vivem sob os holofotes de Hollywood caminha em linhas retas, sem possibilidades de pontos de fuga. A produção independente fez parte da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na Competição Novos Diretores, e com imagens tremidas e baixo orçamento, invade um horizonte tão real quanto cruel.
A apresentação dos personagens expõe um núcleo familiar – por mais que isso seja feito de maneira pouco clara. Mark e Tracy Staggs são um casal, interpretado por pessoas comuns que cedem seus nomes aos personagens, e juntos tem uma filha chamada Cassie (Nikki DeParis). Os três viveram a vida toda em um vilarejo de beira de estrada distante dos vislumbres da modernidade, mas a jovem recebe a chance de se mudar para Los Angeles e ganhar um novo destino. Ali, em uma garota tomada por otimismo e esperança, vive a saída.
O cenário é real, quase um registro documental guardado por uma só lente – já que Alexey Kurbatov trabalhou com a fotografia assim. As imagens, visivelmente francas, se misturam aos entulhos e espaços improvisados para construir um universo em que o Estado é um pai ausente. Ainda assim, entre as marcas da pobreza, o afeto e a cumplicidade são capazes de alimentar sentimentos genuinamente doces. Uma pena o amor não ser capaz de passar por cima da crueldade de um sistema que prioriza acumular desigualdades.
Ao longo do enredo, também roteirizado por Rice, Cassie acumula despedidas. Passando pelos lugares e pessoas que marcaram sua vida, ela acomoda as lembranças com carinho, enquanto se prepara para ganhar novas possibilidades. Os moradores com os quais conversa revelam o quanto a negligência é a residente mais antiga daquele lugar arenoso e deserto. Um primo com histórico de dependência química, um senhor que passou anos no sistema carcerário e usa a religiosidade como uma maneira de seguir em frente e o próprio pai escondendo uma doença terminal são reflexos disso.
Por mais que esteja debruçada sobre as margens dos Estados Unidos, Way Out Ahead of Us – nome original da obra – não nos prepara em momento algum para caminhos pouco acesos. Por mais aflitivos que Mark e Tracy estejam com a evolução da condição do personagem, a vontade de fazer a filha sair daquele lugar move todos os seus passos com leveza. A sutileza acaba contagiando o espectador, que por muitos momentos se vê acreditando em futuros iluminados pela boa vontade e esforço.
O filme conquista seu clímax com uma reviravolta moldada por um misto muito bem feito de surpresa e obviedade. Depois que Cassie já chegou na cidade grande, seu pai, dentro de um carro, a liga e deixa um recado trajado de adeus, pega uma arma e não precisamos ver mais nada para saber o que aconteceu. A tal saída não parece mais uma luz no fim do túnel, mas uma ilusão construída em tons crus.
A Saída Está À Nossa Frente é um sopro: rápido, leve e capaz de derrubar coisas. O suicídio de Mark não precisa tomar muitos frames para causar impacto em quem assiste a produção, mas deixa para traz questionamentos silenciosos. Em um mundo que dá muito a poucos e pouco a muitos, a saúde mental é um adereço pouco acessível. Afinal, os direitos humanos são para quantos?
Rob Rice trabalha com pouco e isso é o suficiente para o propósito do filme. Atrás da fotografia distante da perfeição e dos atores improvisados, existe tanta verdade e provocação que o resultado é admirável. Um espetáculo que não se assume como tal, mas é baseado em fatos tão reais quanto eu e você. O grito silencioso e melancólico das vidas que existem atrás das cortinas.
Quando os ratos de laboratório são colocados para realizar um percurso de teste, seguem o cheiro do queijo em busca do momento premiado sem saber que estão presos por paredes de acrílico. Assim também acontece com as pessoas: buscam os resultados da meritocracia sem saber das barreiras ao seu redor. Nos destroços do capitalismo, a saída não leva a lugar algum.