Larissa Mateus
Não há fenômeno mais comum na história do Cinema, principalmente no gênero do terror, do que a maldição da franquia não planejada. Basta um filme fazer sucesso suficiente na bilheteria que mais da mesma trama entrará em cartaz nos próximos anos, até que o público esteja exausto. A situação se torna cada vez mais exacerbada com a tendência de remakes da última década, recheando o cenário slasher atual com produtos repetitivos e franquias desnecessariamente revitalizadas anos após seus dias de ouro iniciais, como aconteceu com Halloween, O Massacre da Serra Elétrica e Pânico.
Em seus mais de 40 anos de susto, porém, a pérola do terror de baixo orçamento, A Morte do Demônio (1981), só produziu cinco filmes, todos com a benção de seu idealizador, Sam Raimi. A jornada comicamente violenta das produções faz com que nenhuma seja decepcionante, e apesar de não impressionar, A Morte do Demônio: A Ascensão mostra que uma franquia que sabe exatamente o que é não vai perder seu charme tão cedo.
Em A Ascensão, os demônios de Evil Dead abandonam as sombrias cabines no meio da floresta americana e os grupos de amigos adolescentes que as visitam para encontrar seu mais novo lar com uma família moderna em um decrépito apartamento na selva de pedra de Los Angeles. Beth (Lily Sullivan), que acaba de descobrir que está grávida, deixa sua vida de turnê como assistente de palco para procurar apoio de sua irmã, Ellie (Alyssa Sutherland), mãe de Danny (Morgan Davies), Bridget (Gabrielle Echols) e Kassie (Nell Fisher). A noite começa como um repentino terremoto e, após a possessão e morte de quase toda a família, termina com Beth e Kassie cobertas de sangue e destruindo o mal da melhor maneira possível: com uma motosserra.
As particularidades da descoberta do Livro dos Mortos – sempre responsável pelo início da loucura – e os dramas familiares são apenas pano de fundo para o show de horrores que segue ao longo do filme, o qual promete enjoar (e já enjoou) muitos da plateia. A criatividade da violência de Evil Dead continua com força nessa nova entrada na franquia, mas não consegue decidir entre a hiper-seriedade de A Morte do Demônio (2013) e o slapstick de Uma Noite Alucinante (1987). No fim, o longa se leva a sério demais para o humor não parecer fora do lugar, e não vai longe o suficiente com o gore para chegar aos pés da versão da década passada.
O ritmo do filme também tem suas complicações. O diretor Lee Cronin (The hole in the Ground) perde os primeiros 10 minutos com uma cena de cut-away inicial, totalmente deslocada da atmosfera claustrofóbica do resto da história. Essa escolha faz com que o enredo demore para engatar seu furor com a introdução demorada do grupo de protagonistas. As personagens são cativantes e é fácil sentir compaixão, principalmente pelo fato de grande parte do elenco interpretar crianças, mas, além de compreender a dinâmica entre a família, detalhes alheios como o ativismo de Bridget são desnecessários ao resto da narrativa.
Entretanto, essa má gestão de tempo é perdoável devido à formidável atuação de todos os atores, pré e pós-possessão. Os dois destaques são de longe Alyssa Sutherland e Nell Fisher. Sutherland entrega uma performance física incrivelmente horripilante, fazendo com que até os mínimos movimentos de seu corpo pareçam sobrenaturais, e que o sorriso da personagem carinhosamente apelidada de “mamãe dos vermes” se torne uma imagem tão icônica à franquia quanto o Livro dos Mortos. Fisher, por sua vez, impressiona com sua versatilidade. Para uma atriz tão jovem, ela transparece desde esperança ao desespero com uma maestria impecável.
Outro elemento positivo é o uso de efeitos especiais práticos. A Morte do Demônio: A Ascensão segue com a tradição da franquia de violência palpável e ferimentos realistas até demais. Ao longo dos seus 95 minutos, Evil Dead: Rise (o título original) impressiona com os mais de 6,500 litros de sangue vindos de tesouras, máquinas de tatuagem, um cajado com uma cabeça de boneca chamado Staffanie e um elevador demoníaco emprestado de Stanley Kubrick.
A maquiagem e o trabalho de câmera de Lee Cronin demonstram seu carinho e cuidado com o legado de Evil Dead, e honra a presença de Raimi e Bruce Campbell (Ash em A Morte do Demônio, Uma Noite Alucinante 2 e 3) como produtores. A cinematografia é menos inventiva que o original, mas igualmente desnorteadora em seus enquadramentos. A utilização de dioptria dividida e os diferentes ângulos de câmera, como a filmagem através do olho mágico da porta do apartamento, contribuem para o sentimento de aprisionamento na pequena e abarrotada residência em que a maior parte do filme se passa.
Lee não reinventa a roda do terror e nem revoluciona a fórmula de Evil Dead. No entanto, apesar de suas mudanças, entretém com o grotesco, o violento e com sua reverência ao original. Talvez todos estejam cansados de franquias e remakes, mas ao apostar na diversão em vez da nostalgia, A Morte do Demônio: A Ascensão prova que para termos uma noite alucinante, só é preciso muito, muito, muito sangue.