Caio Machado
Mesmo quem não gosta, sabe reconhecer a importância do futebol na vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. O esporte é capaz de unir paixões, reunir familiares e amigos, além de lotar estádios enormes durante jogos importantes. A Mão de Deus, um dos concorrentes a Melhor Filme Internacional no Oscar 2022, indica que irá refletir sobre sua influência na vida de seu protagonista, mas não sabe direito qual abordagem seguir em sua narrativa, o que resulta em uma obra apática, com poucas cenas boas em um todo sem alma.
Na trama de È stata la mano di Dio, acompanhamos o cotidiano do jovem Fabietto Schisa (Filippo Scotti) na tumultuada Nápoles da década de 1980. Rodeado pelas alegrias que sua família proporciona e esperando a chegada de Diego Maradona ao time da cidade, o rapaz precisa decidir o próprio futuro depois que sua vida é acometida por uma tragédia avassaladora.
Dirigida pelo premiado Paolo Sorrentino, a produção italiana dá a entender, em suas cenas introdutórias, que há dois caminhos possíveis para o filme seguir em suas mais de duas horas de duração. O primeiro é o de uma poderosa história de amadurecimento: o solitário Fabietto, como todo adolescente, aparenta ter um enorme caos interno e quer viver sua juventude, apesar de não ter amigos para isso. O segundo é o de um filme atmosférico, onde o ambiente caloroso de Nápoles é o grande destaque, acompanhado de pequenos “episódios” da vida de seus personagens naquele belo mundo rodeado pela alegria, o verde da natureza e o suave som das ondas do mar. No entanto, o longa não se compromete com nenhum deles, muda a abordagem com frequência e se perde na própria indecisão.
Por mais que a câmera de Sorrentino surpreenda pela naturalidade ao se movimentar pelos espaços e pela precisão ao enquadrar as cenas de um jeito agradável, é difícil se conectar com o que o filme exibe. A parte técnica se destaca tanto nas cenas que não sobra muito espaço para sentir algo enquanto os personagens interagem. Na maioria das vezes, aquelas pessoas estão imersas na rotina de tal forma que o público não tem a chance de se aprofundar nos sentimentos delas, no que as faz seres humanos. Quando essa oportunidade aparece, dura pouco e é esquecível. Devido a essa falta de maior contato, os personagens se tornam meros bonecos que reagem a situações do jeito que esperamos, com o acréscimo de citações ocasionais a Literatura clássica para mascarar a superficialidade.
A maior decepção é, com certeza, Fabietto. Sua postura retraída e tímida resulta em um protagonista que mais observa os acontecimentos do que toma atitude para fazer alguma coisa. Por isso, acompanhá-lo é uma experiência desinteressante. Não é um jovem por quem torcer, só é alguém que…está lá. Nas cenas em que toma as rédeas da própria vida, em grandes impulsos de autonomia como na conversa com o cineasta Antonio Capuano (Ciro Capano), é frustrante pois só serve para revelar a falta de carisma da atuação de Filippo Scotti.
Depois que a tragédia acontece, o filme transmite a sensação de que seguirá uma linha narrativa mais coerente dali em diante para, logo em seguida, voltar à bagunça de antes. A relação do protagonista com o futebol é deixada de lado, o elemento fantástico da trama mal aparece, personagens somem e não voltam mais… No meio disso, The Hand of God ainda tenta abordar a ligação do personagem principal com o Cinema, de forma apressada. Exige esforço do espectador para acreditar que o rapaz quer mesmo ser diretor sendo que o assunto foi abordado em pouquíssimas cenas.
O que sobra de bom no filme são pequenos momentos, onde o virtuosismo técnico da direção consegue trabalhar em harmonia com o roteiro. As piadas maldosas que a família Schisa conta entre si quando está reunida, as pegadinhas que Maria (Teresa Saponangelo) faz e a beleza de um barco correndo pelo mar à duzentos quilômetros por hora encantam pelo interesse genuíno que tem no ambiente e nas pessoas que vivem nele. Uma pena que esse interesse é uma raridade no longa.
Nas premiações, o filme marca o retorno de Paolo Sorrentino ao Oscar, depois de ter recebido o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro em 2013 por A Grande Beleza. Com isso, o cineasta mantém a presença da Itália na competição, algo forte desde a época de Federico Fellini. Além da indicação em Filme Internacional, È stata la mano di Dio também foi indicado nas categorias de Melhor Direção de Elenco e Melhor Filme em Língua Não-Inglesa no BAFTA e recebeu uma indicação ao Globo de Ouro. No Festival de Veneza, ganhou 3 prêmios, mas perdeu o Leão de Ouro para L’Événement.
A Mão de Deus é um filme indeciso, incapaz de aproveitar bem a beleza das locações em Nápoles e os personagens que têm ao seu dispor. A direção de Paolo Sorrentino chama a atenção pela fluidez da câmera, mas não consegue provocar muitas emoções no público além de profundo desânimo. Infelizmente, as melhores cenas acabam prejudicadas por integrarem um conjunto tão incoerente.