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A dupla Tonico & Tinoco é considerada das mais seminais no gênero da moda de viola. Os irmãos começaram sua carreira na região do centro-oeste paulista, cuja rota inclui Botucatu – cidade natal deste que vos escreve. Mesmo assim, sua obra musical sempre esteve distante do meu curto repertório até este ano, que marca 60 anos de aniversário de seu disco de estreia. Antes tarde do que nunca, não?
Com Suas Modas Sertanejas foi lançado em 1958, e trata-se praticamente de uma coletânea; na época, os dois já tinham mais de duas décadas de estrada, com canções distribuídas exclusivamente em compactos. Esse aspecto de compilação se revela ainda mais sólido com uma audição aguçada do álbum: além de nenhuma música ser fraca, curioso notar como as letras contemplam quase todo um ciclo de vida.
Audiófilos puristas podem ser repelidos facilmente. Apesar da gravação ser bastante limpa, a masterização privilegia as vozes – por ironia do destino, até mesmo a viola é pouco audível em certos trechos. Tonico & Tinoco não são melodistas apurados como Brian Wilson, Paul McCartney ou Milton Nascimento. Rotular o disco como repetitivo em uma primeira impressão não chega a ser errôneo, todavia tal criticismo ignora contextos importantes. Além de se tratar de um produto interiorano da década de 50, tudo aqui é feito para trabalhar em prol dos causos da dupla.
Eles não eram exatamente velhos (Tonico, três anos mais velho que Tinoco, estava na casa dos quarenta), mas a carga das narrativas é de peso impressionante. Já na primeira faixa, “Cana Verde”, a melodia alegre dos instantes iniciais é contrastada por versos melancólicos: “Abre a porta e a janela/ Venha ver quem é que eu sô/ Eu sou aquele desprezado/ Que você me desprezô“. Interessante notar que o grupo Novos Baianos tomou esta primeira linha emprestada para o clássico “Preta Pretinha”, e a converteu em mantra de positividade surpreendente (“e vem ver o Sol nascer!“) em plena época de ditadura militar.
A morte é peça central em Com Suas Modas Sertanejas. Em “Saudades de Matão”, surge como desabafo de coração partido (“Quero morrer/ Vou partir pra bem longe daqui/ Já que a sorte não quis/ Me fazer feliz“), enquanto em “Saudades de Ouro Preto” é encerramento sereno (“Minha terra querida/ Que me viu nascer/ Debaixo deste céu/ Feliz ei de morrer“). O fato de estas duas peças serem odes à saudade para diferentes localidades confirma a influência geográfica na história da dupla. Um belo retrato da peregrinação rural, aliás.
É na descrição literal da morte que reside a força do som mais conhecido aqui, “Chico Mineiro”. Após o encerramento do lado A com a esperança de “Aparecida do Norte” (“Todo meado do ano enquanto não chega a morte/
Vou fazer minha visita na Aparecida do Norte“), Tonico & Tinoco brinda o ouvinte com uma pequena crônica, cinematográfica em sua rispidez.
(…)
Larguei de comprar boiada
Mataram meu cumpanheiro
Acabou-se o som da viola
Acabou-se o Chico MineiroDespois daquela tragédia
Fiquei mais aborrecido
Não sabia da nossa amizade
Porque nois dois era unidoQuando vi seu documento
Me cortou meu coração
Vim saber que o Chico Mineiro
Era meu legítimo irmão
Mas, se existe uma palavra que define a estreia da dupla, com certeza é paixão. Seja carnal (“Pé de Ipê”), local (“Rio Grande”) ou nostálgica (“Eu e a Lua”), é este sentimento que permeia ao longo das doze faixas. E também na carreira do duo: em mais de 60 anos de carreira, foram mais de 1000 canções e 40000 shows, além de aparições no cinema.
Apesar da influência enorme na música brasileira – até o João Gordo é fã! -, infelizmente a obra de Tonico & Tinoco não ganhou os merecidos holofotes no mainstream. Nada de relançamentos, discos entre os top 100 nacionais da Rolling Stone. Por outro lado, é possível afirmar que seu legado permanece aconchegado em nicho: a dupla virou praça em São Manuel, e museu em Pratânia. Sessenta anos mais tarde, as canções seguem ecoando em murmúrios de viola e rodas de prosa no fim de semana. Mais underground e kvlt que isso, impossível.