50 anos de Sgt. Pepper’s: alento para os corações solitários

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Mariana Faria

Lançado em 1° de junho de 1967, entre tantos discos que marcaram a história desse simbólico ano, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles é para muitos o maior álbum já feito. Disse para muitos pois há quem discorde, inclusive no ramo musical, como Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones. Em entrevista à Esquire, o guitarrista afirmou: “Algumas pessoas acham que [Sgt. Pepper’s] é um disco genial, mas eu acho que é uma mistura de lixo, mais ou menos como Their Satanic Majesties’ Request (disco dos Rolling Stones)”.

Ainda assim, o oitavo álbum do quarteto de Liverpool teve impacto imediato, vendendo 2,5 milhões de cópias só nos três primeiros meses. Além disso, o disco é uma das grandes vozes da contracultura – que ganharia mais força nos anos seguintes – e tão melancólico quanto um tanto irônico é o aniversário de meio século desse álbum fundamental ser celebrado em tempos onde os valores negados pela geração flower power são destacados pelo conservadorismo político ao redor do globo.

O disco do sargento pimenta representa o auge dos Beatles e se revela dissimulador do real. Situado na época recheada de esperança, otimismo e criatividade do summer of love de 67, Sgt. Pepper’s expõe essa fuga da realidade em duas vertentes. Uma delas é a psicodelia iridescente, marca da geração flower power. A outra é a fuga da identidade, por assim dizer, crítica da própria banda. Nesse sentido de outra identificação, surge a criação da Banda do Clube dos Corações Solitários liderada pelo sargento Pimenta. Já em 1966, o quarteto estava cansado de se apresentar ao vivo devido à histeria da beatlemania, então decidiram deixar de fazer shows. Com isso, McCartney deu a ideia do álbum ser gravado por uma banda fictícia:

“I made a suggestion. I said, ‘We need to get away from ourselves – how about if we just become sort of an alter ego band?”

Paul McCartney

A abertura com a música homônima, um rock’n’roll anos 50 com quarteto de trompas, reproduz o começo de um show, em tom crítico: “They’ve been going in and out of style/ But they’re guaranteed to raise a smile”, referente à impopularidade dos Beatles nos EUA; e também modesto:“We’re Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band/ We hope you will enjoy the show”, afinal eles eram a banda pop dos anos 60. Além disso, a música encerra sem a comum separação entre faixas, o trecho final “chama” a próxima música: “So let me introduce to you/ The one and only Billy Shears”, ou mais conhecido por Ringo Starr. Então se inicia With A Little Help From My Friends, interpretada pelo baterista, dando sequência ao show. A segunda faixa também apresenta a autocrítica logo no primeiro verso (“What would you think if I sang out of tune?/ Would you stand up and walk out on me?”),  já que Ringo cantava geralmente as músicas com arranjos mais simples.

Na sequência vem “Lucy In The Sky With Diamonds” e a fuga entra, então, no plano lisérgico. Se em São Francisco, Jefferson Airplane e Grateful Dead movimentavam a cena psicodélica, em Liverpool os Beatles também começavam a se aventurar na psicodelia do verão do amor. Posteriormente, essa proposta seria melhor explorada por conterrâneos como Pink Floyd, com The Piper at the Gates of Dawn, e até mesmo os Stones e seu Satanic Majesties’.

Picture yourself in a boat on a river

With tangerine trees and marmalade skies

Somebody calls you, you answer quite slowly

A girl with kaleidoscope eyes

Cellophane flowers of yellow and Green

Towering over your head

Look for the girl with the sun in her eyes

And she’s gone

-Lucy In The Sky With Diamonds

Apesar de John Lennon negar que Lucy se refira a LSD, a letra por si só se mostra imersa na fantasia onírica colorida. Esse passeio lisérgico mistura a realidade, no tom mais animado cantado no refrão, com a viagem alucinógena, perpassada na lentidão do vocal de Lennon ao longo do resto da letra.

O resto do enredo performático do lado A envolve a esperança e o otimismo do “paz e amor” no ritmo agitado de “Getting Better” e no divagar da mente em “Fixing a Hole”. Já a liberdade buscada pela juventude sessentista e o ideal anticonsumista dos hippies aparecem com uma orquestra de cordas em “She’s Leaving Home”, e por fim, “Being for the Benefit of Mr. Kite!”, uma ótica do circo com efeitos simulando o clima festivo desse ambiente.

Continuando o lado B, “Within You Without You” traz, sob uma musicalidade totalmente oriental, a contracultura e a espiritualidade hindu – esta bastante requisitada à época –  e a concepção de amor, no sentido romântico, que aparece em “When I’m Sixty-Four” e “Lovely Rita”. Antes do show acabar com a reprise de “Sgt Pepper’s”, “Good Morning, Good Morning” fecha com um experimentalismo de sequência de sons de animais seguindo a linha de Revolver e de Pet Sounds, dos Beach Boys, ambos do ano anterior.

Depois da reprise de “Sgt. Pepper’s” tocada ao vivo, anunciando o fim do show da banda do sargento pimenta, “A Day In The Life” termina os 44 minutos do disco com uma atmosfera, de certo modo, deprimida. Realidade e sonho se encontram novamente em contraste. E talvez a realidade aqui se mostre tão angustiante quanto o som intenso da sintonia orquestral crescente no final da música que desmorona num estrondo como a vida, sendo assim, a fuga da realidade a única saída.

Mas para Keith Richards os Beatles se perderam. “Os Beatles soavam ótimos quando eram os Beatles. Mas não tem muita raiz nessa música [Sgt. Peppers]. Acho que eles foram longe demais”. Segundo o guitarrista dos Stones, o grupo de Liverpool tinha acabado em 1966. Porém, a mudança deu mais liberdade de criação para o grupo de Liverpool.

 “(…) and thought of ourselves as artists rather than just performers. There was now more to it; not only had John and I been writing, George had been writing, we’d been in films, John had written books, so it was natural that we should become artists.”

-Paul McCartney na biografia Many Years From Now, de Barry Miles

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Ensaio para a foto da capa: tudo pensado nos mínimos detalhes

A fala de McCartney pode ser observada na arte da capa feita pelo artista Peter Blake. Ao fundo estão personalidades como parte do público da banda fictícia no centro do quadro. O recorte das figuras, que são pessoas admiradas pelos músicos, foi ampliado e colado em papelão para a foto tirada pelo fotógrafo Michael Cooper, além do uso de flores para escrever “Beatles”.

Essa preocupação artística não se restringiu apenas à estética visual do disco. A produção – com o apoio brilhante do engenheiro de som, Geoff Emerick, e do produtor e maestro George Martin – também teve tal viés nas 700 horas trabalhadas no estúdio. Fora a tentativa de criar uma narrativa contínua de música nos dois lados do LP para ouvir uma faixa logo após a outra, sem pulá-las, como num show ao vivo.

“Por sabermos que os Beatles nunca tocariam essas músicas ao vivo, não existiram barreiras criativas.”

– Geoff Emerick, em Here, There and Everywhere: My Life Recording the Music of the Beatles, do próprio Emerick

Assim, por mais que soe ardido aos ouvidos de Keith Richards é inegável atribuir a Sgt. Pepper’s pouca qualidade, tanto estética quanto sonora, mesmo que se trate de um disco pop superproduzido. Toda a  experiência artística e autocrítica, otimista e fugaz da realidade percorrida no disco anima os corações solitários de seus ouvintes, especialmente nessa época de ares conservadores.

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