O olhar de EO: a sensibilidade animal no Cinema

Sob o fundo de um céu azul, o burro Eo, de cor cinza, branca e leves tons marrons, olha diretamente à câmera. Suas orelhas estão levantadas e sua boca enlaçada.
Em Cannes, na competição do Grande Prêmio do Júri, EO empatou com o longa The Eight Mountains, dirigido por Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeersch (Foto: Skopia Film)

Enzo Caramori

A simbiose entre a ficção com a representação da vida animal, não humana, poucas vezes se destitui da essência do bicho Homo sapiens. É como se não existisse, em uma contaminação da prática artística a um obrigatório humanismo, uma forma de evocação de sentimento e empatia senão por uma figura antropomorfa, ou então, uma figura humanizada por sua trajetória ou pelo próprio espectador. Daí nascem as fábulas e desenhos infantis com animais falantes e impasses morais, ou até mesmo A Grande Testemunha (1966), de Robert Bresson. Pela sua câmera minimalista, Au Hasard Balthazar, título original da obra, acompanha a tortuosa trajetória — análoga até mesmo à renúncia de Jesus Cristo — da vida de um burro; implicando em seu caminho as brutais relações de poder, classe, gênero, mas, acima de tudo, entre os humanos e animais.

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Nenhuma amnésia é o bastante para o Fruto da Memória

Cena do filme Fruto da Memória. A foto mostra um homem branco de cabelos grisalhos e sobretudo marrom no canto inferior esquerdo da imagem, de frente tirando uma foto com uma câmera polaroid antiga. No resto da imagem há uma vegetação verde-escuro desfocada.
Fruto da Memória foi exibido na seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: Synapse Distribution)

João Batista Signorelli

As memórias são fundamentais para a constituição da identidade humana. Se parte essencial de um indivíduo é construída a partir de suas experiências, o que acontece se ele perde o elo de sua mente com elas? Explorando as relações entre identidade e as lembranças, Fruto da Memória, coprodução entre a Grécia, Polônia e a Eslovênia exibida na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, apresenta uma pandemia onde qualquer um pode contrair uma amnésia repentina permanente, expondo a vulnerabilidade da identidade humana protegida pelas próprias recordações. 

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A estranha fábula de Lamb

A imagem retangular é uma cena do filme Lamb. Ao centro vemos duas pessoas andando de costas para a câmera. Centralizado e à esquerda há um homem adulto e branco, visto do pescoço para baixo. Ele usa um casaco verde escuro e uma calça jeans azul, enquanto carrega um rifle em sua mão esquerda e segura uma criança com a mão direita. Centralizado à direita e mais embaixo há uma criança com cabeça e mãos/patas de um cordeiro. Ela usa um casaco azul escuro e uma calça jeans azul claro. Ao fundo vemos uma paisagem cheia de verde das gramas e montanhas que cortam o céu cinza.
Novo Terror da produtora A24, Lamb chega à Mostra SP pela seção Competição Novos Diretores (Foto: A24)

Caroline Campos e Vitor Tenca

Um casal inerte e enlutado é agraciado, milagrosamente, com a bênção de uma filha. A criança enche a casa de alegria e traz a vida de volta para aquele relacionamento decrépito. E eles viveram felizes para sempre. Não, Lamb não é assim – mas quase. Saindo das geladas montanhas islandesas, um dos filmes mais comentados da última edição do Festival de Cannes aterrissa na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo para destilar toda a sua fantástica estranheza familiar.

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Interrompemos a Programação: a mensagem nem sempre é entregue mastigada

Cena do filme Interrompemos a Programação. Na imagem, o protagonista Sebastian, um homem branco loiro de olhos azuis, usa boné azul marinho, camiseta marrom e camisa cinza escura por cima. Ele aponta uma arma para uma câmera Sony de estúdio antiga. O fundo é um set de filmagem azul, preparado para o ano novo.
Bartosz Bielenia, o astro de Corpus Christi, protagoniza como o jovem polonês Sebastian em todo o seu paradoxo emocional (Foto: Netflix)

Nathália Mendes

O apocalipse na entrada dos anos 2000, com aviões caindo do céu e sistemas de computação zerando à meia noite, não é estranho para os millennials. O mesmo drama-fim-do-mundo, somado a terrorismo, compõe a trama nada revolucionária de Interrompemos a Programação. O filme de Jakub Piatek se passa dentro de um canal de televisão na Polônia durante o bug do milênio, e numa rápida sucessão de acontecimentos, anda por um labirinto de confusão e referências polonesas. Com um protagonista disfuncional e uma fotografia lindíssima, o diferencial do longa mora na frustração dos espectadores, deixados, propositalmente, com mais perguntas do que respostas.

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Suor: a solidão é universal

Cortei o cabelo, gostaram? (Foto: Divulgação Imprensa)

Vitor Evangelista

Como é bom encontrar narrativas que fogem do senso comum em discussões quase que banalizadas pela modernidade. Suor, segundo filme do sueco Magnus von Horn, desvia de todos os clichês da vida dos influenciadores digitais, entregando um relato bruto e honesto sobre a frieza e o desalento da Sylwia, uma blogueira fitness do Instagram. O longa foi exibido na Competição Novos Diretores, da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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Rede de Ódio e o potencial destrutivo nas redes sociais

A relação conturbada entre um rapaz e uma família se transforma em tragédia (Foto: Reprodução)

Gabriel Fonseca

Rede de Ódio (Hejter) é um drama político que se propõe a mostrar como o medo e o preconceito podem se espalhar com facilidade pelas redes sociais. O longa polonês foi dirigido por Jan Komosa e chegou ao catálogo brasileiro da Netflix no final de julho. Nele, acompanhamos a história de Tomasz Giemza, interpretado por Maciej Musiałowski, um jovem frustrado que descobre a sua vocação em arruinar reputações através de informações e notícias falsas na internet, uma espécie de marketing inverso. 

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