Melhores discos de Setembro/2017

O soulman Charles Bradley, falecido este mês: carreira curta e tardia, legado imediato e imortal

Adriano Arrigo, Matheus Fernandes e Nilo Vieira

Assim como ano passado, setembro veio para quebrar a sequência de meses de vacas magras na curadoria. O resultado é a seleção mais extensa já registrada nesta seção, abrangendo os mais diversos estilos. Com a benção do finado Charles Bradley, seguem nossas escolhas:

Alvvays – Antisocialites

indie pop

Impulsionados ao sucesso por “Archie, Marry Me”, os canadenses do Alvvays não se intimidaram com o hype e lançaram um disco ainda melhor que o antecessor. Antisocialites incorpora o melhor do twee pop e do jangle pop em uma obra concisa, sustentada pelos temas de nostalgia e os vocais etéreos de Molly Rankin. Destaque para os singles “In Undertow” e “Dreams Tonite”, dois dos melhores do ano. (MF)


Ariel Pink – Dedicated to Bobby Jameson

hypnagogic pop

Com uma abordagem DIY e uma sonoridade lo-fi que serve como pastiche pós-irônico de todo o pop comercial de décadas passadas e todo o drama dos músicos que caem na obscuridade, como o homenageado Bobby Jameson, Ariel Pink é indubitavelmente um dos herois cult do pop contemporâneo. Ainda que incompreendido em sua proposta, seu apelo ressoa em outras estrelas, principalmente as mais curiosas, em parcerias com nomes como Soko, Sky Ferreira, Miley Cyrus e Azealia Banks.

Seu novo disco, Dedicated to Bobby Jameson, remete ao início da carreira, em sua forma mais lo-fi e outsider. Uma colagem de gêneros e propostas em algo que parece mais uma mixtape antiga ou uma série de covers. A única constante é o apelo pop das faixas, e por baixo disso, os momentos de beleza e as letras sinceras sobre solidão e isolamento, revivendo o drama de Jameson. (MF)


Baco Exu do Blues – ESÚ

hip hop

Ainda que não goze do hype de um Kendrick Lamar, o debut do rapper baiano foi logo alçado como o melhor álbum nacional do estilo em 2017, e desde então a discussão roda em torno desse eixo. Ah, mas X lançou disco melhor! Y é mais inventivo!Se ESÚ merece ou não esses louros, pouco importa. O álbum não é revolucionário (quantos são, nos dias de hoje?), mas exala personalidade.

Este fator é de suma importância não apenas nos acertos de Baco, mas também em seus erros; no melhor estilo Kanye West, a impressão que passa em suas letras é a de ser consciente sobre seus defeitos, mas nem por isso abaixar a cabeça. Com flow de agressividade perfeitamente controlada e produção fina, alternando entre porradas e românticas, Baco é destaque obrigatório em 2017 – esteja ou não no pódio. (NV)


 

Bicep  – Bicep

deep house

Inicialmente um blog de garimpo de house fundado em 2008, Bicep é agora um dos nomes mais falados no gênero nesse ano. Lançado sob muita expectativa, o disco homônimo emplaca entre os melhores da música eletrônica em 2017.

Tudo devido seu excelente equilíbrio. Bicip segue de faixas intimistas (Drift) até as etéreas (Vespa), mas sempre com contorções que se tornam batidas dançantes (Aura). Há espaço para música ambiente (Ayaya) e, de quebra, ressuscitam hinos de rave (Vale). Em seu lançamento, o duo inglês faz diferença no mar genérico da house, sem mesmo sair dele próprio. (AA)


Chelsea Wolfe – Hiss Spun

sludge/doom metal, gótico

Após enveredar pelo folk, rock gótico e darkwave, Chelsea abraça de vez o metal. A tradicional atmosfera nebulosa de sua música agora provém de riffs certeiros de guitarra, com ritmos martelando em meio a ruídos e sua voz suave alternando entre o sereno e o cortante.

Ainda há espaços para faixas eletrônicas (“Offering”) e violões (“Two Spirit”), mas o ponto alto são mesmo as partes pesadas. Se até Aaron Turner (ISIS) marca presença o disco, quem somos nós para falar alguma coisa? Bela adição à uma das discografias mais interessantes da década. (NV)


Duran Duran Duran – Duran

breakcore

Não, isso não tem ligações com a banda de synthpop dos anos 80. Trata-se do produtor musical da Filadélfia Duran Duran Duran que traz em Duran, seu novo disco, um apanhado experimental acelerado construído sob cortes rápidos de sons de animais, tiros intergaláticos e fragmentos de apresentadores de televisão. Quer dizer, é difícil compreender as composições que aparecem em Duran – tal qual a capa do disco sugere – e, claro, isto é o mais interessante da produção. Todas as expectativas vão se desmoronando e sendo criadas a cada corte de samples, tornando-o um trabalho bastante divertido, dinâmico que, em tempo, recapitula o esquecido breakcore.(AA)


 

Flora Matos – Eletrocardiograma

pop rap, trap

O aguardado primeiro álbum da rapper de Brasília enfim vê a luz do dia. A data escolhida para a ocasião – o feriado do dia 7 – é curiosa neste contexto: o álbum foi lançado de maneira independente, e ainda que as letras também tratem da vulnerabilidade que paixões trazem, a entrega vocal é marcada pela segurança. Em tempos de chavões tombadores, Flora mostra a emancipação feminina de modo prático e incisivo: histórias cotidianas que colocam a protagonista sob vários prismas, e que deve caber apenas a ela a escolha de qual papel assumir.

A produção é refrescante, com batidas pesadas de trap mescladas à doses de r&b. Compacto, são menos de 40 minutos talhados na medida certa para as pistas. (NV)


Four Tet – New Energy

microhouse, ambient house

Se o título não é pontual, o conteúdo não deixa a desejar. Apesar do número de faixas intimidar de prima, as catorze canções descem redondas; as vinhetas são marcantes, e as mais longas parecem ter metade de seu tempo original.

Calcado nos timbres ambientais de clássicos como Selected Ambient Works 85-92 e Geogaddi, o produtor soa confortável e revigorado. Com as chuvas chegando, é na lata: dê o play e relaxe tranquilo na sua casa. (NV)


Godspeed You! Black Emperor – Luciferian Towers

post-rock

O Godspeed You! Black Emperor traz em Luciferian Towers um para-raios capaz de captar as forças que atualmente regem o mundo contemporâneo. Com nomes sugestivos como “Bosses Hang”, o grupo traduz essas forças em uma produção coesa, grandiosa e compacta, porém menos barulhenta que seus trabalhos anteriores. Gaitas, flautas, trompetes e todos elementos costumeiros da banda mostram o apocalipse enraizado no sistema financeiro que, de acordo com a banda, deve ser destruído. (AA)


Klein – Tommy

glitch, colagens

O medalhão Burial decepciona cada vez mais com seus lançamentos, mas felizmente o selo HyperDub ainda pulsa com energia criativa. O nome da vez é a produtora de Los Angeles, que acaba de soltar seu primeiro trabalho na gravadora.

Formado por oito faixas, Tommy tem sua natureza íngreme denunciada já na bela capa e a música não fica atrás. Entre colagens lo-fi de vozes e ambientações cyberpunk com sintetizadores, o EP remete ao já clássico Replica (2011), do Oneohtrix Point Never. A diferença é semântica: enquanto Daniel Lopatin pintava uma realidade virtual paralela, Klein parece sobrepor camadas para subverter a normalidade urbana do dia a dia. O pontapé inicial foi dado com sucesso, resta acompanhar os próximos passos e torcer que sejam tão excitantes quanto. (NV)


LCD Soundsystem – American Dream

dance punk

O LCD Soundsystem teve o final perfeito para sua aclamada carreira: um show lotado no Madison Square Garden, transmitido ao vivo para o mundo inteiro e repleto de participações, que posteriormente se transformaria em um documentário. Por amor a música ou falta de dinheiro, James Murphy e seus colegas voltaram com a banda, primeiro o Coachella™, depois o mundo.

American Dream se sai melhor que sua questionável capa, provando-se uma adição digna ao catálogo da banda, com alguns momentos interessantes, como a sequência tonite / call the police / american dream,  ainda que esteja abaixo de clássicos como Sound of Silver. Com a anunciada vinda do grupo ao Brasil no próximo ano, pelo menos esse propósito já foi cumprido com louvor. (MF)


MC Igu – Flow Deus

trap, art pop

Responsável pelo grande hit nacional do ano, “Camiseta Confortável”, o rapper é um verdadeiro prodígio: além de prolífico, é dos mais criativos no Brasil atual. Como poucos, sabe absorver as últimas tendências do exterior e traduzi-las em canções com identidade muito bem marcada.

Esta mixtape é seu melhor registro completo até agora, com sete faixas que mostram novas facetas (vide a introspecção de “Flow Corey Taylor” e “Flow INSS”) e passeiam por suas principais fontes de inspiração como produtor (videogames, desenhos animados e ícones do pop rock) de modo lúdico e coeso. Bangers inusitadas, samples certeiros, versatilidade vocal; não se assuste se Caetano Veloso declarar que “MC Igu é a nova tropicália” em breve. (NV)


Mount Kimbie – Love What Survives

synthpop

Responsável por um dos principais discos de dubstep de 2010, Crooks & Lovers, o duo de produtores britânicos busca uma nova identidade sonora, em um synthpop influenciado pelo pós-punk e pelo garage britânico. As parcerias com os vocalistas James Blake, King Krule e Micachu são o ponto alto, mas as faixas instrumentais, como “Delta”, também chamam a atenção com sua sonoridade rítmica e orgânica. (MF)


Protomartyr – Relatives in Descent

pós-punk

Os punks de detroit continuam firmando sua evolução como um dos principais nomes da cena contemporânea em Relatives in Descent. Menos violento que os antecessores, mas mais literário, a banda evoca The Fall e Nick Cave no trabalho, um dos essenciais do ano para os fãs de pós-punk. (MF)


The National – Sleep Well Beast

indie rock

Tido como um dos nomes mais sólidos do indie desde a última década, a banda (composta por dois pares de irmãos e o vocalista Matt Berninger) se consolidou mais pela lapidação de um estilo particular do que por experimentações ousadas. Apesar das pequenas variações, todos os registros do The National até então são reconhecíveis a olho nu pelo inconfundível barítono de Matt e a melancolia onipresente, fusão entre o post-punk e o chamber pop do Tindersticks.

Sleep Well Beast não foge totalmente à receita, mas incrementa novos tons ao som do grupo. Guitarras cortadas e batidas eletrônicas a la Kid A (2000) são mais preponderantes, e o piano novamente tem bastante espaço. Nas letras, Berninger continua convincente ao retratar decepções cotidianas de cidadãos médios. Se suas bads são constantes, poucas opções são trilhas melhores em 2017. (NV)

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