Estante do Persona – Outubro de 2022

Com tradução de Livia Deorsola, As convidadas foi a aventura do Clube do Livro em Outubro de 2022 (Foto: Companhia das Letras/Arte: Nathália Mendes/Texto de abertura: Vitória Gomez)

“Você me disse que o medo sempre foi uma das minhas distrações favoritas. Essas loucuras minhas são das que você mais gosta, porque demonstram que ainda resta em mim algum resquício de infância. Não sou corajosa, mas em minha inconsciência jamais recuso o perigo, eu o busco para brincar com ele.”

– Silvina Ocampo

O final do ano se aproxima e o Clube do Livro não deixou a peteca cair. Se as relações humanas já permearam mais debates do que conseguimos contar em uma mão, a escolha do mês remexeu a abordagem do tema e desafiou os leitores do Persona. As convidadas, leitura selecionada para Outubro, tem as relações amorosas como ponto central da maioria de seus 44 contos de duração. O livro de Silvina Ocampo, porém, leva o absurdo a sério e o extrapola para explorar os tais relacionamentos.

Publicado no Brasil em 2022 pela Companhia das Letras, a coletânea de curtas histórias é tão surpreendente quanto é chocante. Ora sombria, ora cômica, Ocampo invade o costumeiro com o extraordinário e o inesperado. Na subjetividade de deixar seus pontos emaranhados em situações peculiares, escondidos sob o véu da interpretação de cada leitor, a escritora argentina rende material para teorias e debates através da lente do realismo mágico e da literatura fantástica, levando sua testemunha a apenas um passo de descobrir o que não pretende desvendar.

Assim como na obra, selecionada graças a parceria do Persona com a Companhia das Letras, Outubro talvez tenha sido o mês da antecipação no campo literário. Anunciada como convidada da Festa Literária Internacional de Paraty – tema garantido no próximo Estante -, a francesa Annie Ernaux recebeu o Nobel de Literatura pela “coragem e acuidade clínica com que descobre as raízes, os distanciamentos e as restrições coletivas da memória pessoal”. Uma das favoritas ao prêmio, Ernaux se tornou apenas a 17ª mulher a vencer a honraria, de 119 ganhadores desde 1901. Após a vitória, ela destacou que deve poder testemunhar “uma forma de equidade, justiça, em relação ao mundo”.

A mente por trás de Les Armoires Vides (1974), Os Anos (2008) e O Acontecimento (2000) – esse último, experienciado pelo Clube do Livro em Julho -, foi honrada pela forma com que mescla suas experiências de vida a temas de interesse coletivo, cunhado como “autosociobiografia”. Na primeira obra, por exemplo, a escritora reflete sobre classes sociais em uma inconstante França ao passo que narra seu próprio cotidiano no empreendimento da família no interior do país. A linguagem simples e direta, “cristalina”, de Ernaux também pode ser mencionada com um dos motivos do envolvimento arrebatador de seus textos.

Do âmbito global ao nacional, a antecipação se estendeu ao Prêmio Jabuti: um dos maiores reconhecimentos da Literatura e do mercado editorial brasileiro revelou seus finalistas na última semana do mês. Dentre os 10 concorrentes em cada categoria, divididas nos eixos de Literatura, Não Ficção, Produção Editorial e Inovação, a de Romance Literário se destacou. Com 8 dos 10 nomes que chegaram ao corte final sendo autoras mulheres, a lista dos 5 indicados ao troféu foi ainda mais positivo. Mas isso é tema para o próximo mês. Dentre as menções, Natalia Borges Polesso concorreu pela terceira vez (a segunda na categoria), agora com A extinção das abelhas. Andréa del Fuego, por A pediatra, e Aline Bei, por Pequena coreografia do adeus, ambas conhecidas do Persona, também integraram a lista.

Já na língua portuguesa como um todo, o Prêmio Camões 2022 laureou o ensaísta e poeta Silviano Santiago. Autor dos ensaios O entre-lugar do discurso latino-americano, O cosmopolitismo do pobre e As raízes e o labirinto da América Latina, o escritor mineiro levou seis vezes o Prêmio Jabuti e o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras. Agora, soma o Camões a sua estante, pelo conjunto de sua obra. Dentre os cotados do Brasil, Portugal e países africanos de língua portuguesa, Santiago é o 14º brasileiro a fazer parte da curta lista de vencedores; em 2021, quem recebeu a honraria foi Paulina Chiziane, de Moçambique.

Entre reconhecimentos e antecipações, o Clube do Livro segue atento aos próximos destaques vindos do Jabuti e aos debates fundamentais suscitados na Flip 2022, que pautarão a Literatura pelos próximos meses. Enquanto isso, é a Editoria do Persona quem indica as leituras do final do ano.


Livro do Mês

Capa do livro As convidadas, de Silvina Ocampo. Na imagem colorida, há o desenho de uma mulher amarela em que, no lugar do rosto, há um buraco de cor azul com uma escada de cor vermelha na qual uma outra mulher amarela, vestindo blusa verde e calça azul, está subindo. Na parte superior, de forma centralizada, está escrito Silvina Ocampo, em fonte de cor preta, e abaixo As convidadas, em fonte de cor branca. À esquerda, há cinco círculos azuis, nos quais os dois primeiros representam um nascer do sol, o terceiro apresenta uma mão branca pegando o que seria a representação do sol, e o quarto e o quinto uma boca comendo esse mesmo sol. À direita, de forma vertical, está o logo da editora Companhia das Letras, em cor branca. O fundo da imagem é vermelho.
Com tradução de Livia Deorsola, As convidadas reúne 44 contos curtos que mesclam horror e humor (Foto: Companhia das Letras)

Silvina Ocampo – As convidadas (264 páginas, Companhia das Letras)

Embora historicamente sua fama tenha sido ofuscada de forma injusta por Adolfo Bioy Casares (seu marido) e Jorge Luis Borges (seu amigo) – dois autores que, além de próximos familiarmente, fizeram parte do mesmo movimento literário em Buenos Aires –, em diversos momentos Silvina Ocampo redige trabalhos plenamente superiores aos dos dois. Ao contrário dos seus contemporâneos – que utilizavam a fantasia em um ambiente totalmente imaginado, por vezes universos paralelos –, Ocampo infecta o doméstico com o estranho, sendo a precursora de algumas das autoras de maior renome na atualidade (Carmen Maria Machado, Mariana Enriquez e Samanta Schweblin são apenas alguns exemplos). Mas, no que se convencionou chamar de “Literatura Fantástica”, Silvina Ocampo é um nome imprescindível.

Talvez menos visceral que A fúria (1982) – em que os sonhos são convertidos em pesadelos e dão espaço ao cenário de Terror –, As convidadas é considerado emblemático por sua maturidade estilística, mesmo que ainda atravessado por elementos insólitos e perturbadores. Originalmente publicado em 1961, este é o segundo livro da autora argentina lançado no Brasil pela Companhia das Letras, e reúne 44 contos breves nos quais fantasmas emergem de fotos, crianças surdas-mudas criam asas e voam, cujo absurdo surge para acabar com a monotonia dos dias cotidianos (talvez uma maneira de dizer que a rotina é repleta de casos fantásticos). Contudo, a graça de ler seus contos está na composição: existem sempre duas histórias sendo contadas, a de fato escrita e a não-escrita, nas entrelinhas. O clímax é quando essas duas linhas narrativas colidem – mas Silvina Ocampo sempre adia esse acontecimento.


Dicas do Mês

Capa do livro O idiota, de Fiódor Dostoiévski. Na imagem, há um fundo azul com a ilustração da sombra de um homem jovem. Há um retângulo vermelho sobre seus olhos. Abaixo, há uma linha branca com os escritos Penguin Companhia em fonte de cor preta, e o desenho de um pinguim ao centro. Mais abaixo, há uma faixa preta, com os escritos Clássicos em fonte de cor branca, Fiódor Dostoiévski em fonte de cor laranja e O idiota abaixo, em fonte de cor branca.
Com uma nova tradução diretamente do russo 20 anos depois da primeira lançada no país, O idiota é um retrato de alienação (Foto: Companhia das Letras)

Fiódor Dostoiévski – O idiota (944 páginas, Companhia das Letras)

Tido como um dos principais romances da chamada “fase de ouro” de Fiódor Dostoiévski – ao lado de Crime e castigo (1866), Os demônios (1871) e Os irmãos Karamazov (1880) –, O idiota (1869) ressurge no Brasil sob nova tradução de Rubens Figueiredo. Recebido pelo Persona através da parceria com a editora Companhia das Letras, o livro traz como protagonista o príncipe Míchkin – uma alegoria dos ideais cristãos –, como forma de se contrapor às concepções niilistas dominantes no período, que foram bem retratadas em Pais e filhos (1862) de Turgueniev ou no Raskólnikov, personagem mais famoso de Dostóievski.

Em parte romance de ideias, em parte romance de costumes, a obra mais autobiográfica do autor russo traz a trama de um jovem de 26 anos que acaba de retornar a São Petersburgo após permanecer vários anos em um sanatório na Suíça, para tratar sua epilepsia. O tema central de O idiota parece ser a problemática do indivíduo “puro”, superior, que acaba, numa sociedade com valores corrompidos, sendo visto como um idiota.

Da mesma forma como Dostoiévski, enquanto pensador político, coloca sempre a sua última esperança numa regeneração vinda do seio da comunidade popular, Míchkin é, por assim dizer, um herói – uma mescla de Jesus Cristo e Dom Quixote –, cuja compaixão sem limites se choca com o desregramento mundano de Rogójin e a “beleza enlouquecedora” de Nastácia Filíppovna. Sua bondade e o impacto da sua sinceridade revela ao leitor, de forma trágica, que sob um mundo obcecado por dinheiro, poder e conquistas materiais, o sanatório acaba sendo o único lugar para uma figura divina. – Bruno Andrade


Capa do livro Hiroshima. Sob um fundo azul escuro, do lado esquerdo, na vertical e de baixo para cima, vemos as palavras "JOHN" E "HERSEY" em uma fonte sem serifa, em caixa alta, na cor verde. As duas palavras são cortadas pela palavra "HIROSHIMA", escrita na horizontal no centro da capa, em uma fonte serifada em vermelho. Acima de "Hiroshima", vemos o trecho "A mais importante reportagem do se´culo XX: um retrato de seis sobreviventes da bomba atômica, um ano depois da explosão e quarenta anos mais tarde" em uma fonte branca. Do lado inferior direito, vemos o logo da Companhia das Letras.
Com uma nova edição em 2002, publicada pela Companhia das Letras, o jornalismo literário de Hiroshima fez de John Hersey um dos precursores do New Journalism (Foto: Companhia das Letras)

 John Hersey – Hiroshima (176 páginas, Companhia das Letras)

Apenas um ano depois da primeira bomba atômica lançada pelos Estados Unidos deixar cerca de 70 mil mortos em Hiroshima, em 1945, John Hersey publica o artigo homônimo à cidade japonesa no conceituado The New Yorker. A matéria reconstituia o momento exato da explosão sob o ponto de vista de pessoas que a experienciaram. Pensado para ser veiculado em três partes, tamanho foi o sucesso do texto que os então editores da revista decidiram publicá-lo na íntegra, o que tomou todo o espaço daquela edição semanal. Após quarenta anos, Hersey retornou à cidade e completou Hiroshima.

O artigo se tornou um livro, publicado no Brasil pela editora Companhia das Letras em 2002. Na obra dividida em cinco partes, seis hibakushas – como eram chamados os sobreviventes da bomba atômica – dão nome, sobrenome e endereço às consequências do ataque à Hiroshima. O autor e jornalista estadunidense serve mais como mediador do que como contador da história e se afasta da estrutura do jornalismo para dar voz aos seus personagens: as divisões abordam o que os seis faziam antes da explosão; no momento exato da tragédia; no dia seguinte, com início da investigação e as primeiras notícias sobre o que havia acontecido; semanas após o ataque, com as pessoas dando os primeiros passos para seguir em frente; e quatro décadas depois do ocorrido, para acompanhar como os sobreviventes seguiram ao longo do tempo.

Com sua bagagem como repórter e também como escritor de não-ficção, que lhe rendeu o Prêmio Pulitzer em 1945, em Hiroshima John Hersey uniu Literatura e Jornalismo em uma das obras precursoras do New Journalism. A linguagem descritiva e tocante – na versão brasileira, mérito da tradução de Hildegard Feist -, cheia de adjetivos e estruturada de forma semelhante a um romance é também permeada pelas boas práticas profissionais do autor, com uma apuração profunda e um trabalho cuidadoso junto às fontes, e potencializou o jornalismo para contar a história intimamente. – Vitória Gomez


Capa do livro A guerra que salvou a minha vida da autora Kimberly Brubaker. A arte de capa se assemelha a um diário coberto por retalhos e botões onde ao meio se encontra um desenho de uma garota, posicionada de costas, que vislumbra um cenário de destruição à sua frente. As cores do livro são terrosas e variam entre o roxo, o marrom e o azul. No canto inferior direito, há um retângulo na cor azul claro com as escritas dos nomes da autora, da obra e da editora, respectivamente em preto, branco e preto.
A sequência, A guerra que me ensinou a viver, chegou às prateleiras brasileiras em 2018 (Foto: Editora Darkside)

Kimberly Bradley – A guerra que salvou a minha vida (240 páginas, Editora Darkside)

Ambientado no cenário de destruição da Segunda Guerra Mundial, o livro A guerra que salvou a minha vida traz a visão fictícia de Ada, uma garota de apenas 10 anos, sobre um dos maiores acontecimentos históricos do século passado. Publicado há cinco anos no Brasil, o enredo da autora de obras infanto-juvenis, Kimberly Bradley, traça um desenvolvimento de personagem incomum para a categoria, por se tratar da junção entre caos e inocência, e do que o The Wall Street Journal afirma ser “Dolorosamente adorável”. 

Na narrativa que se constrói como um diário, os bombardeios a Londres se assemelham à trincheira interna da protagonista, habituada aos maus tratos e à prisão imposta por sua própria mãe, que nunca a deixou sair de casa. Caminhando pela linha tênue que divide a realidade cruel e a idealização de fatos nada fantasiosos, Bradley consegue captar toda a atenção para a sua escrita, ao mesmo tempo que revela uma diversidade de sentimentos para o leitor. – Nathalia Tetzner 


A autora Saidiya Hartman dialogou acerca das experiências negras na América com a historiadora Rita Segato e a pensadora Djamila Ribeiro, na edição comemorativa de 20 anos da Flip (Foto: Fósforo)

Saidiya Hartman – Vidas rebeldes, belos experimentos (432 páginas, Fósforo)

Na busca de firmar as memórias e experiências de pessoas pretas nas consequências da diáspora negra pelas Américas, a professora e autora estadunidense Saidiya Hartman constituiu um método próprio de reescrever essas tortuosas trajetórias. Vidas rebeldes, belos experimentos é a sua tentativa bem sucedida de historicizar narrativas queer, femininas e negras de liberdade no norte americano depois da abolição da escravatura. Utilizando de sua metodologia de ‘fabulação crítica, Hartman realiza uma montagem de arquivos. Fotografias, documentos judiciais e recortes de jornais buscam por uma junção de histórias referentes a inúmeras pessoas dos cinturões negros da Filadéfia e de Nova York, traçar a revolucionária rebeldia das biografias de mulheres pretas no início do século XX. 

Da História da sobrevida da escravidão nos centros urbanos estadunidenses – contada a partir de corredores de moradas coletivas, escadas escuras e becos hostis –, à integração de nomes conhecidos, como Billie Holiday e W.E.B Du Bois, os relatos especulativos do livro fazem jus ao que movia essas vivências experimentais de sexualidade e gênero em um ambiente projetado, em sua ordem social e trabalhista, a ser uma continuidade do espaço das plantations sulistas. Na análise de fotografias – majoritariamente feitas por homens brancos –, Hartman procura rasgar a superfície falsamente imparcial da ciência e da etnografia com o intuito de ecoar a sinfonia de violências acometidas por detrás do momento fotográfico; imaginando o que faziam de suas vidas, como vieram parar ali e quais seriam os seus caminhos de vingança, subversão e reiteração de seus próprios corpos. 

Vidas rebeldes, nos ecos de um exercício transgressivo de escrita histórica feito anteriormente por Toni Morrison, procura pelo protagonismo de prostitutas, sapatonas, anônimas e andarilhas; mulheres que escapavam do olhar fotográfico, etnográfico e científico que as tornariam subalternas. A não-ficção de Saidiya Hartman é uma linha de fuga que engrandece a beleza dos vestígios de uma cartografia dos atos íntimos, que transformaram os mais despercebidos espaços em laboratórios de liberdade. – Enzo Caramori


Capa do livro Violeta de Isabel Allende. Na imagem, há o desenho de uma mulher branca de cabelos curtos castanhos e olhos verdes, ela está virada de perfil para a esquerda. Ao fundo, há a cor amarela sólida com ramos verdes e três rosas brancas. O nome da autora está centralizado em letras de forma branca, logo abaixo há o nome do livro em letras amarelas. Na porção inferior está o logo da editora.
Violeta é, na voz de uma mulher apaixonada, um texto capaz de ser alvo do amor do leitor (Foto: Bertrand Brasil)

Isabel Allende – Violeta (322 páginas, Bertrand Brasil)

Em Violeta, a autora chilena Isabel Allende escolhe nos mostrar a protagonista a partir das palavras que ela escreve em uma carta destinada ao amor de sua vida. O título, traduzido no Brasil por Ivone Benedetti, narra a história da personagem passando por diversos momentos históricos que mudaram os caminhos da sociedade. Violeta nasceu durante a ascensão da Gripe Espanhola em 1920, e sua morte escolheu chegar em um momento tão dramático quanto: a pandemia de Covid- 19 em 2020. A protagonista nasceu em uma família tradicional católica, mas se mostra um contraponto moldado pela perseverança, coragem e senso de justiça.

Enquanto passeia pelas facetas da própria vida, Violeta nos internaliza a personagens e experiências únicas que se passam em um lugar genérico – como se tivesse sido feito unicamente para abarcar os fascínios de seus 100 anos de vida. Apesar de não poder ser nomeado, vivem nesse país todas as verdades da sociedade, tendo destaque a luta pelos direitos das mulheres. Entre tantas multiplicidades sinceras, o texto é uma experiência única e apaixonante. Nas palavras de uma mulher que ama, Violeta nos compartilha em intimidade todos os segredos do mundo. – Jamily Rigonatto 


Capa do livro Jantar Secreto. No centro da capa há um prato branco como se estivesse sendo visto de cima, em cima dele há o título do livro (em preto) e o nome do autor (em vermelho). Na beirada do prato, há a marca em sangue de três dedos e algumas gotas abaixo do prato. O fundo da imagem é branco e, no centro da parte inferior está o nome da editora.
Com Jantar Secreto, Raphael Montes forma um exército de vegetarianos (Foto: Companhia das Letras)

Raphael Montes – Jantar Secreto (368 páginas, Companhia das Letras)

Um homem entra em um restaurante que serve carne de gaivota porque tinha provado e gostado alguns anos antes. Ao finalizar a refeição, vai para casa e se suicida. Por que isso aconteceu? Esse é o enigma responsável pelo desenrolar da história incrível que é Jantar Secreto. Tratando-se de uma obra de Raphael Montes, é simples deduzir que o livro é imensamente inteligente, não falhando em explorar as diversas facetas do ser humano, seus limites de ética, sua ganância e hipocrisia.  

O livro pode não ter sido baseado em fatos reais, mas não deixa abordar algo que poderia acontecer a qualquer momento. O autor descreve o cenário de crise do Rio de Janeiro e a facilidade de instalar um sistema de corrupção em uma sociedade que é naturalmente desonesta, desigual e manipulável. É uma história de muitas camadas, com uma crítica social escancarada e personagens extremamente complexos. Para quem gosta de narrativas surpreendentes, com muitas reviravoltas e altos níveis de emoção, esse é o livro certo. Uma boa leitura e muito cuidado para não ser manipulado pela Equipe Carne de Gaivota. – Gabrielli Natividade 


Capa do livro Confeitaria Escalafobética apresenta o rosto da autora, uma mulher branca, de cabelos pretos compridos divididos para a esquerda e franja, usando um batom vermelho vivo e um chapéu branco com faixa vermelha cortado na frente e expõe que seu interior é de bolo. O fundo é um azul claro esverdeado, com Raíza Costa e sobremesas explicadas tim-tim por tim-tim escrito em rosa e branco no topo e Confeitaria Escalafobética, em dourado, na parte inferior.
Com um trabalho singular, Raíza Costa ensina o passo a passo de diversas sobremesas em Confeitaria Escalafobética (Foto: Senac)

Raíza Costa – Confeitaria Escalafobética: sobremesas explicadas tim-tim por tim-tim (378 páginas, Senac)

Adicione uma xícara de singularidade. Depois acrescente duas colheres de relatos pessoais. Misture com um trabalho gráfico deslumbrante e leve em fogo médio até infusionar. Assim que levantar fervura, o ganhador do prêmio Gourmand como Melhor Livro de Confeitaria estará pronto. Em síntese, tudo isso resume o que é a obra Confeitaria Escalafobética: sobremesas explicadas tim-tim por tim-tim, de autoria da artista visual e chef confeiteira, Raíza Costa.

O livro contempla inúmeras receitas com o passo a passo descrito minuciosamente para quem não domina técnicas de gastronomia ou busca se aprimorar nelas. Somado a isso, o design gráfico da peça e o quadro Errar é Humano, apresentado por Lancelote, o cachorro de Raíza, contribuem para a compreensão do leitor e imersão no universo lúdico da autora. Antes de explicar os preparos de uma sobremesa, a escritora de Confeitaria Escalafobética traz um relato pessoal, que demonstra seu lado afetivo com o mundo gastronômico.

A obra objetifica os trabalhos audiovisuais de Raíza, como o Rainha da Cocada, no GNT, e o Doulce Delight, o primeiro canal online dedicado exclusivamente a confeitaria. No livro, a autora apresenta algumas receitas originais e outras clássicas, como o famoso bolo molhadão. Além disso, o capítulo Matéria-prima ensina os aspirantes a confeiteiros a produzir queijo mascarpone, açúcar perolado, corantes naturais, entre outros tantos produtos utilizados na feitura dos doces, mas não tão fáceis de se encontrar nos mercados. – Gabriel Gatti


Capa do livro Era uma Vez em Hollywood. Uma capa branca que tem os escritos "Era uma vez em Hollywood" com Hollywood sublinhado e "Quentin Tarantino" escrito embaixo. Acima do título há escrito "O novo livro baseado no filme". Embaixo, há três fotos, dos personagens de Margot Robbie, uma mulher loira que veste moletom preto e saia branca. Ela está sentada em uma cadeira com os pés descalços apoiados em outro. Ao lado, o personagem de Brad Pitt. Um homem branco e loiro que veste uma camisa florida amarela e um óculos escuro. Ele está em um carro com a mão esquerda para fora. Abaixo dele, o personagem de Leonardo Dicaprio, um homem branco que veste chapéu branco, camisa branca e jaqueta de couro.
Obra é uma das poucas que fez o caminho inverso das adaptações (Foto: Intrínseca)

Quentin Tarantino – Era Uma Vez Em Hollywood (559 páginas, Intrínseca)

Próximo de chegar em seu derradeiro 10° filme, Quentin Tarantino começa a expandir sua área de atuação para além do Cinema. Claro que, depois de nove filmes e anos na indústria, seria difícil se desvencilhar dela tão rápido assim, por isso, sua primeira incursão na literatura é uma novelização de sua última produção, de mesmo nome. Era Uma Vez Em Hollywood é uma expansão do interessantíssimo cenário já explorado em tela, seguindo a história de Cliff Both, Sharon Tate e Rick Dalton, tendo como ponto de partida a decadência de Dalton na Los Angeles de 1969 que nos foi apresentada em 2019.

Servindo como uma versão mais aprofundada do roteiro, o livro tem o ritmo único que só Tarantino consegue ditar, além de ótimas pegadas de humor. É interessante notar como, aqui, o autor também consegue transformar ainda mais a própria Los Angeles em um personagem, explorando a influência dela em suas figuras, desde os principais até os hippies esquisitões que ficaram de lado no audiovisual. É uma leitura bem menos caótica que suas obras no Cinema, mas que compensa ao constantemente referenciar a Sétima Arte e a TV. Era Uma Vez em Hollywood, mais que um roteiro comercializado, é uma extensa carta de amor à indústria. – Guilherme Veiga


Capa da história em quadrinhos Senhor Milagre mostra um homem que veste uma fantasia amarela e vermelha da cabeça aos pés, com uma capa verde nas costas. Ele olha para a frente com os olhos brancos abertos e a boca semiaberta, tenso. Ao seu redor, vários cabos metálicos prendem seu corpo, tornando quase impossível que consiga escapar. Atrás dele, vemos uma cortina vermelha e, em primeiro plano, vemos algumas cabeças na audiência, ansiosos para ver se o artista de fuga conseguirá escapar dessa vez.
A HQ levou o Eisner de Melhor Minissérie em 2019 (Foto: Panini Comics)

Tom King & Mitch Gerads – Senhor Milagre Vol. 1 e 2 (Panini, 308 páginas) 

Como sobreviver aos deveres de uma divindade, às mil e uma tarefas da paternidade e ainda lidar com uma saúde mental em frangalhos? É a partir dessa premissa que o roteirista Tom King, acompanhado da arte de Mitch Gerads, faz um excelente estudo de personagem focado no Senhor Milagre, o artista de fuga criado originalmente pelo fenomenal Jack Kirby, ao longo das 12 edições homônimas ao protagonista, que foram condensadas em 2 edições publicadas pela Panini no Brasil. 

A minissérie escrita por King consegue lidar com o trauma geracional carregado por seu personagem-título com grande empatia, conciliando esse tema tão sensível com humor e um romance de aquecer o coração. A arte de Gerads presta uma bela homenagem ao trabalho de Kirby e ainda faz um excelente uso dos glitches para mostrar quão deteriorada está a saúde mental de Scott Free. Emotiva, épica e bem-humorada, Senhor Milagre é uma das melhores obras publicadas pela DC Comics ao longo dos últimos anos. – Caio Machado 

Deixe uma resposta