El mal querer: em novas roupagens, Rosalía apresentou o flamenco para novas gerações há 5 anos

Capa do álbum El Mal Querer da cantora Rosalía. Nele, a cantora está acima de uma nuvem aos céus, envolta por um círculo de correntes de ouro brilhantes. Seus braços estão pendurando aréolas que seguram longos panos brancos que vão até seus pés. Ela está despida e ao centro está uma luz branca. Logo acima de sua cabeça estão estrelas em formato de um círculo e uma pomba branca voando. No centro inferior da imagem está escrito Rosalía em negrito e ao lado El Mal Querer.
El mal querer é baseado em um livro do século XIII de um autor desconhecido (Foto: Columbia Records)

Henrique Marinhos

A cantora, compositora e produtora Rosalía nasceu em Sant Esteve Sesrovires, na Catalunha, em 1992 e se tornou um fenômeno da música pop com o lançamento de seu segundo álbum, El mal querer, há 5 anos. A obra conceitual mistura elementos do flamenco, pop e urban com vocais e visuais esplendorosos e surpreendentes para um projeto de conclusão de curso na Escola Superior de Música da Catalunha. 

A sonoridade das músicas foi criada a partir das influências de outros gêneros literários, como a poesia, que é evidente nas letras e fazem parte de concepção artística que vai além da história em si, questionando se realmente aprendemos algo ao longo do tempo e explorando o mal querer. Em 11 capítulos inspirados na literatura de um autor desconhecido, a cantora expõe a narrativa de uma mulher humilhada em seu relacionamento, através de temas como violência doméstica e machismo. 

O sucesso do álbum permitiu que Rosalía alcançasse reconhecimento internacional, levando de cara quatro estatuetas de Álbum do Ano, Melhor Álbum Pop Vocal Contemporâneo, Melhor Arte Visual e Melhor Engenharia de Gravação no Grammy Latino, e, no ano seguinte, El mal querer também ganhou o Grammy Awards como Melhor Álbum Alternativo. O lançamento atraiu não apenas os fãs de flamenco, mas também fãs do pop em geral. No entanto, gerou polêmica e certa rejeição da comunidade gitana espanhola, devido a queixas de apropriação cultural do gênero e sobre seu pertencimento ou não na música latina enquanto cantora espanhola, tema discutido há eras.

Foto da cantora Rosalía no Grammy Latino. Rosalía é uma mulher branca de cabelos ondulados escuros e um vestido preto. Ela está com muitos anéis e unhas postiças grandes e brilhantes. Na foto, está à frente de um painel do Grammy e segura várias estatuetas com uma expressão de aflita ao segurá-los para que não caiam. Ela olha para baixo e fecha seus lábios esticando-os horizontalmente.
Rosalía tinha 13 anos quando ouviu flamenco pela primeira vez: tratava-se da música Como El Agua, de Camarón de la Isla (Foto: Gabe Ginsberg)

As músicas de Rosalía misturam elementos tradicionais e modernos, mas às vezes tendem mais para a tradicionalidade. Consequentemente, parte das faixas não tem tanto reconhecimento quanto às principais e as mais conhecidas seguem o padrão da indústria popular, como MALAMENTE (Cap.1: Augurio), que a lançou ao estrelato. Com uma batida forte e envolvente, misturando elementos do flamenco com o pop e o urbano, a canção entrou para a lista da Billboard de músicas que definiram a década.

Em contrapartida, RENIEGO (Cap.5: Lamento) e BAGDA (Cap.7: Liturgia) são baseadas em uma melodia clássica do gênero espanhol e apresentam uma produção mais minimalista do que outras. Sua composição tem elementos mais suaves e menos percussivos, que não foram tão aceitas pelo público geral por serem vistas como simples ou monótonas, mas sem dúvidas são composições muito bem-vindas na obra como um todo.

Alguns membros da comunidade espanhola gitana acusaram a artista de se apropriar do flamenco, uma expressão artística típica de populações marginalizadas na Espanha, e de não respeitar a tradição e a cultura de seu povo por dar uma nova roupagem ao gênero, incorporando-o a outros. Além disso, eles também viram sua obra como uma tentativa de comercializar o estilo para um público mais amplo, o que dilui a autenticidade e a essência do gênero musical.

No entanto, outra visão é de que a cantora traz o flamenco para um público mais jovem e diverso, ajudando a expandir a audiência do gênero musical e mantê-lo vivo para as gerações futuras, com “máximo respeito”, como a ela se pronunciou em entrevista à GQ. As polêmicas se difundiram novamente no lançamento de seu último álbum, Motomami, de 2022

Capa do livro Flamenca. Arte retangular de fundo branco. Acima, está escrito em espanhol: A novela que inspirou El Mal Querer de Rosalía. Logo abaixo, em letras vermelhas e estilizadas, está escrito a palavra Flamenca. Ao meio está o desenho do rosto de uma mulher de cabelos vermelhos flutuando entre flores que contornam seu rosto e tomam a forma de seus cachos. No desenho a mulher está com os olhos entreabertos, sua pele é clara e seus lábios vermelhos com bochechas coradas. Logo abaixo está um selo de Best Seller e o nome da editora “Roca Bolsillo | Ficção” em espanhol.
Rosalía fez uma participação no filme Dolor y Gloria, de Pedro Almodóvar, que estreou em março de 2019 e foi um sucesso de críticas (Foto: Editora Roca Bolsillo)

El mal querer é inspirado no livro Flamenca, um romance medieval de um autor desconhecido que narra a vida de uma jovem casada com um homem que enlouquece de ciúmes e a acaba encarcerando em uma cela. Nas músicas, por exemplo, seus títulos seguem as denominações do livro: CAP. 1. AUGURIO – Malamente, CAP. 3. CELOS – Pienso en tu mirá, CAP. 4. DISPUTA – De aquí no sales e CAP. 7. LITURGIA – Bagdad.

Algumas das citações mais marcantes de El mal querer que ajudam a basear sua formação e influências em poucas palavras incluem “Aquele pedacinho de vidro quebrado, eu senti como rangia antes de cair no chão, já sabia que ia se quebrar” e “Não permito que nenhum homem dite minha sentença“. O trabalho de Rosalía inspirou muitos outros no sentido acadêmico, com muitas citações e análises de sua obra sendo disponibilizados em sites de pesquisa.

Foto da Cantora Rosalía. Uma mulher branca de cabelos pretos lisos, maças do rosto coradas e lábios vermelhos grossos. A artista está envolta em uma camada de algo semelhante a plástico em seu peito que reflete luzes brancas. Em suas orelhas estão brincos grandes de argola dourados que vão até sua nuca. Suas mãos estão estendidas à frente e entre seus dedos estão linhas douradas amarradas que contém bolas douradas e pratas semelhantes a planetas na imagem. A frente de seu rosto estão três arcos dourados que circulam seu nariz, seu lábio e olhos e seu rosto completo, um dentro do outro. Atrás a iluminação é feita por arcos luminosos com o centro em sua cabeça.
Madonna tentou contratar Rosalía para a festa do seu 60º aniversário, que aconteceu no Marrocos em Agosto de 2018, mas as negociações não deram certo (Foto: Columbia Records)

Através de uma relação íntima e perigosa com o lírico e gêneros não tão conhecidos ou aceitos popularmente, Rosalía se arriscou no que poderia ter sido apenas uma conclusão de sua graduação. Ela também gerou polêmica quanto sua suposta reinvenção do flamenco, desafiando o status quo cinco anos atrás e catapultando sua carreira ao reconhecimento mundial do atual cenário da indústria 

Com El mal querer, Rosalía conseguiu não apenas conquistar prêmios e reconhecimento internacional, mas também provocar reflexões sobre temas como o amor, a violência, a liberdade e a identidade feminina, se fazendo um exemplo de como a arte pode ser transformadora e inspiradora para as novas gerações. Além disso, também reivindica seu espaço como uma das vozes mais interessantes da música contemporânea, não se limitando a seguir padrões estabelecidos, inovando e experimentando novas formas de expressão e da própria Arte, feitos incomuns para um TCC.

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