Do Lixo ao Tesouro: Transformando Negativos em Positivos celebra a Arte como resistência

Cena do documentário Do Lixo ao Tesouro: Transformando Negativos em Positivos. Ao fundo está uma paisagem montanhosa nublada com nuvens ao topo. À frente estão dois homens negros montados em cavalos. Eles estão olhando para a esquerda. Os homens vestem agasalhos reforçados. O de trás está com uma touca amarela e um casaco verde, enquanto o da frente está totalmente enrolado em um agasalho que cobre desde sua boca até suas pernas. A estampa segue formas geométricas e se destaca por suas cores amarela, marrom e vermelha.
O curta-metragem, além de estar disponível no Itaú Cultural Play para exibição na 47º Mostra Internaciona de Cinema em São Paulo, também está na íntegra no YouTube (Foto: Cultures of Resistance Films)

Henrique Marinhos

Do Lixo ao Tesouro: Transformando Negativos em Positivos é um documentário que mostra como a Arte pode ser uma forma de resistência, transformação e empoderamento de uma comunidade. O filme acompanha a trajetória de diversos artistas do Lesoto, um pequeno país nas montanhas da África do Sul, que usam o lixo como matéria-prima para suas obras, além de muitas outras atividades sociais. Através da criatividade, da reciclagem e principalmente da paixão pelo que fazem, eles criam peças e projetos que expressam suas identidades, culturas e lutas em um cenário que por muitos seria considerado infértil.

A obra é dirigida por Iara Lee, uma ativista e cineasta brasileira que já produziu outros filmes sobre temas sociais e ambientais, como o documentário em curta-metragem Beneath the borqa in Afghanistan (em tradução livre, Por baixo da burca no Afeganistão) e sua organização Culturas de Resistência, que apoia projetos que promovem a agroecologia, a educação, os direitos humanos e a diversidade cultural. A produção foi exibida em um dos maiores eventos culturais de São Paulo, a 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, na seção Apresentação Especial.

Cena do documentário Do Lixo ao Tesouro: Transformando Negativos em Positivos. Ao fundo estão árvores em uma mata. Ao centro estão cinco homens negros. Todos estão agasalhados. Três deles estão sentados a frente enquanto dois estão em pé. Um ao lado e outro atrás. Eles estão com instrumentos longos feitos com materiais recicláveis e encaram a câmera enquanto tocam. Ao redor estão muitas garrafas de vidro ao chão cercando-os em um círculo central
O curta foi inspirado por Lixo Extraordinário, de Vik Muniz, que retrata catadores de lixo no Brasil com materiais recicláveis (Foto: Cultures of Resistance Films)

O desenvolvimento do curta-metragem é dinâmico, sem muitas separações ou introduções, e nos aventuramos quase às cegas entre os tantos relatos apresentados, que da mesma maneira inesperada, se encerram. Entre artistas e projetos, ainda que tenham começado como hobbies, as estrelas do documentário potencializam a ideia de que o que fazem é, de fato, seu propósito de vida: criar espaços seguros e saudáveis para eles mesmos e para suas comunidades. 

Algumas das vertentes que tratam majestosamente em tão pouco tempo é a prática da arte têxtil para empoderar e educar as meninas, alertando sobre os riscos do casamento precoce e da prostituição. Além de outras ações como a de Tumisang Taabe, que ensina crianças e adultos a andar de bicicleta, Sotho Sounds, um grupo de músicos que utiliza instrumentos feitos de lixo descartável, ou Siphiwe Nzima-Nts’ekhe, uma poetisa focada nos direitos de crianças africanas.

Em seus lindos 24 minutos, a trilha sonora compõe um ambiente otimista e vibrante. A obra toda, na verdade, é regada a Música também como produção cultural e parte do projeto, com os créditos do som por Aleksey Antonov. Apresentada através do rap, do jazz, do rock, do folk, e principalmente do reggae, a sonoridade é brilhantemente complementada com transições compostas por paisagens estonteantes (fotografia e montagem por Dimo Petkov), construindo pontos altos de refinamento. Compreendemos sua beleza natural e diversidade geográfica com montanhas, os vales, os rios, os lagos e as cachoeiras que cercam o país, além das cidades, as vilas, as ruas e as casas que revelam sua realidade social e cultural.

Cena do documentário Do Lixo ao Tesouro: Transformando Negativos em Positivos. A imagem mostra um tecido em macro em que podemos ver os detalhes de costura de uma renda rosa e marrom. À direita está uma etiqueta circular feita de couro marrom com o bordado em preto no formato do continente Africano de cabeça para baixo comparado ao Mapa Múndi.
Iara Lee também lançou o documentário Modulations: Cinema for the Ear, que traça a evolução da música eletrônica desde as origens experimentais até as festas rave em 1998 (Foto: Cultures of Resistance Films)

Do Lixo ao Tesouro: Transformando Negativos em Positivos convida à reflexão sobre os desafios enfrentados por Lesoto, seja a pobreza, a seca, a erosão do solo, a falta de saneamento básico ou a dependência econômica da África do Sul. O filme o faz de maneira muito emocional e contemplativa, celebrando a Arte como forma de expressão, comunicação e principalmente transformação. 

A transformação do tempo dos artistas em suas produções, da sociedade em que vivem, e diretamente, como explicita o título, a transformação do lixo como um problema grave em uma nova maneira de geração de renda e conscientização ambiental. Sobretudo a preservação de sua identidade cultural, língua, música, Arte e olhares sobre a vida.

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