Cinema Almanac é uma coleção enfadonha

Cena do filme Cinema Almanac. Nela, vemos um homem e uma mulher parados ao lado de uma estátua durante o dia. Ambos são brancos. O homem tem barba branca, usa chapéu coco, veste uma camisa bege com terno branco e calça jeans. A mulher tem cabelo ruivo na altura dos ombros, veste uma camisa vermelha e carrega uma bola no braço direito.
O longa faz parte da Apresentação Especial da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (Foto: microFILM)

Caio Machado

A produção romena Cinema Almanac (Almanah Cinema, no original), presente na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, é apresentada como uma coletânea de seis curtas de Radu Jude (Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental), que assina a direção e roteiro em algo semelhante a quando um escritor publica um volume de seus contos ou poesias. Por estarem reunidos em um mesmo conjunto, faz sentido pensar que possuem características em comum, além da mera aleatoriedade. Cinco dos curtas que a compõem, Caricaturana, Os Potemkinistas, Memórias do Front Oriental, As Duas Execuções do Marechal e Punir e Disciplinar, mostram que o cineasta busca refletir sobre as imagens do passado e o possível impacto que podem causar no observador contemporâneo. Porém, ele próprio mal consegue impactar, devido à forma como utiliza as fotografias. 

Em Memórias do Front Oriental e Punir e Disciplinar, a exploração dessas imagens é enfadonha, similar a uma apresentação de slides em um seminário interminável. O uso de planos estáticos exibe as fotos inteiras e raramente se aproxima delas para destacar alguma informação. Ao assisti-los, o espectador folheia um álbum cheio de imagens de estranhos. É inegável que as fotografias possuem seu valor histórico ou causam uma pequena comoção pela tristeza enraizada nas expressões faciais, como em Punir, mas os curtas não vão muito além disso. A força que o som poderia ter ao mostrar aquelas cenas estáticas é deixada de lado e somente o texto é capaz de forjar alguma conexão emocional com o espectador, como no caso de Memórias, em que os relatos dos soldados, transcritos na tela, servem para dar uma dimensão do horror da Segunda Guerra Mundial.

Cena do filme Cinema Almanac. Nela, vemos uma foto em preto e branco de um funeral de soldados mortos em guerra. À esquerda, vemos túmulos dos mortos e, à direita, os soldados que sobreviveram. Ao fundo, vemos uma multidão com mais soldados.
Como sentir algo vendo uma coletânea de fotos de desconhecidos? (Foto: microFILM)

Caricaturana, filme que inaugura a antologia, tenta dar novo significado às ilustrações que expõe por meio de um humor irônico, capaz de provocar um sorrisinho de canto de boca e nada mais. Os Potemkinistas, produção na qual os personagens de Alexandru Dabija e Cristina Draghici discutem sobre uma estátua enquanto são inseridas cenas do clássico O Encouraçado Potemkin, traz belas imagens, mas torna-se desinteressante rapidamente ao utilizar seus personagens como mero veículo para vomitar informações históricas. 

Já em As Duas Execuções do Marechal, melhor curta do conjunto, Radu Jude alterna a filmagem real da execução de um marechal romeno com a dramatização do evento em um filme lançado décadas depois, para mostrar como a vida é muito mais dura do que a ficção. Por meio desse confronto entre as duas cenas, expõe o quão crua, triste e ridícula a realidade é, sem nada épico, e formada apenas por pessoas que cumprem ordens. 

Cena do filme Cinema Almanac. Nela, vemos vários brinquedos em cima de uma superfície verde, em um ambiente com fundo vermelho que parece um parque de diversões, com roda gigante, chapéu mexicano e um trenzinho. Os bonecos que estão no cenário variam de tamanho, alguns pequenos e outros bem maiores.
Em um dos curtas, bonequinhos são usados como instrumento de reflexão sobre a essência do ser humano (Foto: microFILM)

A obra que fecha o longa, Plástico Semiótico, é a mais estranha das seis. Abandona o interesse pelas imagens do passado que as anteriores tinham e usa brinquedos em planos belíssimos para ilustrar a jornada turbulenta da vida humana, desde a infância até a velhice. É uma obra que usa os sons dos próprios brinquedos e a fotografia colorida de Marius Panduru para transmitir uma originalidade muito instigante, se apropriando de elementos do universo infantil para passear pelo passado, presente e futuro da humanidade. 

Ao final, Cinema Almanac, assim como várias outras antologias, é bastante irregular. Faz um uso pouquíssimo criativo das imagens históricas que têm em mãos e só consegue construir uma ideia em dois dos seis curtas que reuniu, nos quais o cineasta Radu Jude se lembra que está fazendo Cinema, com suas composições, cores e sons, e não uma mera apresentação de PowerPoint.

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