Em ‘Gigantes’, BK com novos ritmos e a mesma essência

“Falando alto para sermos gigantes”: a capa, assinada pelo artista plástico Maxwell Alexandre, dá conta da versatilidade e variedade do segundo disco de BK’ (Foto: Reprodução)

Elder John

Após mais de dois anos do lançamento de Castelos & Ruínas (2016), BK lançou no dia 31 de outubro seu segundo disco, intitulado Gigantes, com 13 faixas. Anteriormente, o rapper carioca havia lançado dois EPs nomeados Antes dos Gigantes Chegarem Vol. 1 & 2 (2017), criando expectativa para o tão esperado álbum.

Seu principal desafio foi sair da pressão criada por Castelos & Ruínas, que ficou entre os melhores discos nacionais de 2016 e já é considerado um clássico do rap nacional. Em cima disso, BK trouxe versatilidade para Gigantes, desde uma mudança na escrita até as variações de ritmos dentro do registro, tudo muito natural e fluente.

O estudante de Relações Públicas, Vinicius Confessor, nos conta sobre a sensação que teve ao ouvir o disco: “Nesse álbum eu senti uma diferença muito grande pro Castelos & Ruínas, o C&R é um álbum com as músicas muito parecidas, mesma vibe e tal, sempre achei um trampo fenomenal e meio melancólico, mais sóbrio. Gigantes eu achei muito foda porque tem umas levadas muito diferentes assim, com o BK variando para outras paradas. Ele saiu (da zona de conforto), me mostrando o que eu realmente queria ver do BK, ele aplicado em outras paradas que não fossem parecidas com Castelos & Ruínas, que ele já fazia em participações de outras músicas, mas não nos sons dele.”

Outro fato curioso é distinção com os EPs lançados antes do disco, que teoricamente seriam uma amostra do que estaria por vir – mas não foi exatamente o que aconteceu. Cada EP conta com 3 músicas de temas variados, que já demonstravam uma flexibilidade por parte do rapper, mas não ainda da forma que Gigantes provou.

A começar pelos beats, que passaram do melancólico para o melódico. O número de feats também chama atenção, pois foram aumentando gradativamente. Em C&R há apenas duas participações no refrão de duas músicas. Já em Antes dos Gigantes Chegarem Vol. 1 & 2, houveram 3 participações em um número de faixas bem menor.

Em Gigantes, Abebe Bikila escolheu grandes nomes para ajudá-lo na composição do álbum, num total de 8 artistas. Começando por Baco Exu do Blues, que participou da faixa “Vivos” juntamente com Luccas Carlos (que também marca presença em “Planos”). A letra retrata bem o que é a música: “E hoje todos os comentários são igual ao do Luis Roberto”, fazendo referência à fala/meme “esses negros maravilhosos” do narrador de futebol da TV Globo. Já no remix da faixa “Correria”, as participações ficam por conta de Akira Presidente e Drik Barbosa, que mandam versos contundentes, finalizando o álbum em alto nível.

Parceiragem: BK e Marcelo D2 na descontração. Em “Falam”, a dupla mais Sain, filho de D2, cantam sobre quem os desencorajou na caminhada (Foto: Reprodução/V!$H Mídia)

Em fevereiro de 2017, participando da música “Atleta do Ano” do MOB79, BK’ diz: “No futuro meu filho vai tá pra mim igual Sain tá pro Marcelo”. E eles também estão em Gigantes, na faixa “Falam”, pra mostrar que a união com a vivência de pai e filho dá muito certo. Outro nome da velha escola que também trabalhou no disco foi o mestre KL Jay, com scratches de Racionais, Black Alien e Filipe Ret na faixa “Abebe Bikila”. Além de Juyè, que fez parte da faixa-título do álbum, retomando uma parceria que deu certo no EP anterior.

Mais um ponto de destaque é a parte visual do disco, desenvolvida pelo artista plástico Maxwell Alexandre, buscando sempre retratar a autoestima dos negros em locais que antes não eram bem-vindos e hoje dominam, inspirando cada vez mais gente a fazer o mesmo.

Aqui vamos acompanhar alguns versos de destaque do disco. “Lembro quando cinco parecia mil, hoje mil parece cinco”, a princípio, Abebe estaria falando de ostentação, já que a faixa “Porcentos” aborda cobranças na vida. Mas, surpreendentemente, BK está falando sobre amizade, a relação de proximidade que tinha com certas pessoas antigamente e que se tornou extremamente superficial. Outra passagem notória acontece na faixa “Falam”: “E falam, que eu passei da hora de criar família / E falam, pra eu não trair os conceitos da rua / E falam, que tão a meses sem pagar pensão / Falam do dinheiro e da mina do irmão”. Toda a construção da faixa segue esse raciocínio de cobranças contraditórias que o rapper sofre: pessoas falando o que ele deve ou não deve fazer, sendo que nem mesmo elas seguem aquelas regras.

Levando tudo isso em conta, o disco chega como prova definitiva do talento de BK em transitar por diversas formas de fazer rap e manter o nível do álbum a todo momento. Gigantes é um trabalho com músicas para relaxar e curtir, mas também com críticas sociais certeiras – e não dá pra esperar menos do que isso dele. Em “Titãs”, ele canta “Até se o BK erra, o BK acerta”, verso que representa sua atual imagem no rap brasileiro, estabilizado como um dos principais nomes da cena.

Apesar de todos os seus trabalhos em cyphers e feats, Abebe ainda convivia com a pressão de se legitimar como um rapper de alto nível fazendo um disco que superasse Castelos & Ruínas, e ele conseguiu. Se mostrou um artista autêntico e confiante ao sair da comodidade que o primeiro disco trouxe e produzir algo distinto do seu disco de estreia, profundamente sintonizado com as tendências do exterior, mas ainda fiel à sua essência, assim como o choque que Mano Brown provocou ao lançar Boogie Naipe (2016) e MV Bill com Monstrão (2013). Enfim, não há mais dúvidas: BK é definitivamente um Gigante do rap.

“Eu sigo na sombra, não fico com a sobra”: Abebe Bikila é gigante! (Foto: Reprodução)

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