Amy: mais que um “Addicted” ou um “Rehab”, um belo “Jazz n’ Blues”

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Guilherme Hansen

O documentário “Amy”, dirigido por Asif Kapadia (Senna), lançado em 2015, narra com detalhes a trajetória artística da cantora Amy Winehouse, isto é, desde a descoberta de seu dom e os primeiros passos para a fama, até os últimos momentos de sua vida, abalada pelo vício em álcool e drogas.

Apesar da vida da cantora ter sido marcada por altos e baixos, o documentário escolhe mostrar um lado mais humano da artista. Uma Amy que, antes de cantora e muito além de uma garota problemática, é um ser humano com tristezas, vulnerabilidades e um imenso talento e sensibilidade apurada – infelizmente, prejudicado não só por uma vida pessoal conturbada, como também por exploradores que quiseram “tirar uma casquinha’’ de sua fama e dinheiro.

A humanidade de Amy é manifesta por elementos simples, no entanto, muito esclarecedores. Seus pais, ao se divorciarem ainda em sua infância, deixam lacunas emocionais na filha que, durante a adolescência, já transgredia as regras, ao mesmo tempo em que ia ao médico e tomava antidepressivos, embora ela relutasse em reconhecer que tinha depressão. Na mesma época, ela desenvolve distúrbios alimentares , que são tratados com desdém pelos pais. De maneira fria, Amy chega em sua mãe, Janis e afirma: “Eu tenho uma nova dieta: Como tudo o que quero e depois vomito”. Mesmo com uma confissão tão chocante, os pais ignoram a bulimia de sua filha, achando que “isso iria passar”. Mas não passou.

A partir disso, entende-se o porquê de uma Amy tão carente e emocionalmente dependente  de seus parceiros. Ao ter seu então namoro com Blake Fielder-Civil (mais tarde seu marido), interrompido em meados de 2005 devido à paixão deste por outra garota, Amy começa a se embebedar cada vez mais, iniciando a sua dependência química. Seus produtores tentam levá-la à reabilitação pela primeira vez. Porém, junto com a resistência da cantora, seu pai, Mitchell, prefere não interná-la, pois diz que Amy está bem e não precisa ser reabilitada.

Curiosamente, é a partir de suas desilusões pessoais que surge a inspiração para compor, como a própria afirma, através de gravações de voz: “Escrevo canções porque estou com a cabeça ferrada, coloco no papel e me sinto melhor. Existe algo bom além do ruim.” Músicas como “My Tears Dry on Their Own” e a famosa “Back to Black”, título de seu segundo e mais bem sucedido álbum, surgem a partir desses momentos tumultuados de Amy.

Contudo, é “Rehab” a responsável por levar a artista de vez para a fama, que a assusta e a oprime de várias formas. Em áudio também, ela diz: “Se eu me achasse famosa, eu me mataria. A fama é muito assustadora.” Simultaneamente, ela volta com Fielder-Civil e se casa com ele, que parece não dar a mesma importância que Amy à relação do casal. Em um vídeo gravado num bar em Miami, ele diz sobre seu casamento com a cantora: “Eu fui a um lugar com ela e um idiota nos declarou marido e mulher. Eu não sei quem ele era.” É Fielder-Civil também que lhe apresenta drogas pesadas, como crack e heroína, como afirma: “Eu tinha usado e gostei. Ela erradica completamente qualquer tipo de sentimento negativo e depois experimentou comigo. Acabou tomando conta de nós dois muito rápido”.

Como diz a sabedoria popular, nada é tão ruim que não possa piorar. Em poucos meses, Amy teve sua primeira overdose e junto com seu vício, a perseguição voraz da imprensa cresceu proporcionalmente, assim como o mercenarismo desenfreado de Mitchell. Mesmo com a saúde frágil, ele queria que Amy fizesse shows de sua turnê agendados na América, o que só não ocorreu porque Juliette Ashby, grande amiga da cantora, roubou os passaportes dela para que ela não realizasse a viagem, segundo o que disse em gravações de voz. A relação com Fielder colabora diretamente para a sua ruína. Segundo Blake, ao se drogarem, ele corta o braço com uma garrafa. Amy pega o objeto, repete o procedimento em seu corpo e diz ao marido: “Farei qualquer coisa que você fizer.” Não é difícil entender de onde veio a inspiração para canções como “Love is a losing game”, por exemplo.

Com a prisão do parceiro, as lutas de Amy contra a dependência química se intensificaram ainda mais. Mesmo que ficasse limpa em alguns períodos, ela se afundava cada vez mais em álcool e drogas, o que além de prejudicar sua saúde, estava prejudicando sua própria voz. Ademais, Amy começou a tratar o público de forma arredia, mais uma pauta para a mídia detoná-la. Quando finalmente começa a se tratar, ela trai o marido, que se divorcia dela. Embora tenha a levado à dependência química, Blake demonstra pouco caso ao problema da ex-esposa e diz categoricamente: “Dane-se, eu sou adulto. Sou bonito pra caramba e estou limpo de heroína. Vou malhar muito e me vestir bem. Então por que estou desperdiçando meu tempo com ela?”.

Com esse histórico, não é difícil entender que sua morte precoce era inevitável. Uma hora ou outra, o pior aconteceria e realmente aconteceu. No dia 23 de julho de 2011, ela faleceu em seu apartamento. A causa de sua morte é atribuída ao consumo excessivo de álcool (de acordo com autópsia, o nível de álcool no sangue de Amy estava cinco vezes acima do permitido para dirigir). Independente de ter sido muitas vezes hesitante em relação à reabilitação, Amy Winehouse foi tratada muitas vezes como um trampolim comercial, seja pela postura de seu pai e de seus empresários, que a expuseram mesmo em momentos de vulnerabilidade, seja pela mídia que tanto dedicou tempo para ridicularizar a imagem da artista e vender jornais e revistas através dela enquanto viva. Kapadia foi muito feliz em ressaltar o quanto Amy foi vítima dos piores aspectos da fama – a eterna sensação de “ter tudo, mas não ter nada.”

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Não é surpreendente, portanto, que ela, segundo seu guarda costas, Andrew Morris, tenha dito: “Se eu pudesse voltar atrás só para caminhar pelas ruas sem me estressar, eu voltaria.” Ser famosa definitivamente custou caro para Amy Winehouse. Custou a própria vida.

Entretanto, o que perdura acima de tudo é a grandeza artística da cantora. Mesmo com tantos problemas, ela marcou sua história no mundo da música. O consagrado cantor Tony Bennett afirma veementemente: “Ela era uma das cantoras de jazz mais verdadeiras que já ouvi. Para mim ela devia ser tratada como Ella Fitzgerald, como Billie Holiday. Ela tinha o dom completo”. Ademais, cantores como Adele e Bruno Mars já cantaram músicas de Winehouse em seus shows, a homenageando.

O documentário, vencedor do Oscar este ano, só veio para reiterar o que todos nós já sabemos, mas, vez ou outra, precisamos sempre lembrar: Amy é um gênio e seu legado jamais morrerá.

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