Após uma década, a guerra dos tronos chega ao seu fim

 

Daenerys Targaryen antes de atacar King’s Landing (Foto: Reprodução)

Rafaela Martuscelli

Atenção, este texto contém spoilers! Leia por sua conta e risco!

A última temporada de Game Of Thrones tem tudo o que as outras tiveram: diálogos marcantes, guerras, mortes, drama. Então por que tanta decepção por grande parte dos fãs com o final da série? Tá aí algo que não é de hoje, essa insatisfação do público que assiste e a acompanha desde o início.

Desde que fora anunciado a redução da quantidade de episódios da sétima e oitava temporada, já vimos uma onda de reclamações. Será que uma história do porte dessa série conseguiria se resolver em apenas mais 13 episódios? E tivemos a resposta: não.

O final da sexta temporada deixou muito pano pra manga, com muitas situações a serem trabalhadas. Houve o Jon Snow ressuscitando e logo em seguida lutando na Batalha dos Bastardos. Arya Stark concluiu seu grande treinamento em terras longe de Winterfell e foi atrás de cada nome que havia colocado em sua lista de pessoas para matar. Cersei Lannister explodiu o Grande Septo com muitas pessoas importantes dentro, sendo elas aliadas ou não, para não correr o risco de perder o seu trono – mas perdeu seu filho, Tommen Baratheon.

É claro que os episódios restantes seriam muito pouco para fechar perfeitamente tantos arcos que foram deixados em aberto, por mais que a duração de cada episódio tenha passado a ser de mais de uma hora cada. No entanto, apesar de produzidos impecavelmente, houve uma irregularidade na velocidade em que os acontecimentos iam se desencadeando.

Esse atropelamento na história gerou um impacto muito grande no desenvolvimento das personagens, às vezes para melhor, às vezes para pior. Alguns momentos foram acelerados, com diálogos importantes trabalhados de modo raso e rapidamente, além das viagens entre cidades, que antes tomariam vários minutos da série, passaram a acontecer em segundos. Em contrapartida, outros episódios tiveram grandes lacunas com cenas de pouca relevância.

No geral, as personagens femininas tiveram um crescimento muito coerente de acordo com a história de cada uma. Acompanhamos as irmãs Stark, Arya e Sansa, desde o início de suas vidas, e foi inegável o quanto elas se desenvolveram e se entenderam como mulheres no contexto em que a série roda. Arya sempre teve uma personalidade marcante e honrou sua trajetória ao focar nas suas táticas de luta. Sansa sofreu consequências de um machismo escancarado da época que exigiu o seu amadurecimento, forçando os espectadores a assistir repetidas cenas de estupro – assim como aconteceu com Daenerys.

Cersei também nunca se desvirtuou do que acreditava. Apesar de detestável, sempre foi fiel aos seus princípios e a quem amava. A maior parte das atitudes que teve, por mais terríveis que fossem, foi fruto de esforços para proteger seu trono e sua família – o que realmente importava, respectivamente. Toda a sua maldade a tornou uma personagem marcante para os fãs, e que, querendo ou não, traziam um sentimento no mesmo instante em que aparecia na tela, mesmo que esse sentimento fosse a aversão. Uma personagem que foi inesquecível – pelo menos para os fãs, já que os roteiristas aparentemente esqueceram dela. Mas isso a gente discute mais adiante.

De outro lado, temos Daenerys Targaryen, uma personagem que deu o que falar nessa reta final. O mito da Daenerys como rainha louca surgiu logo após uma sucessão de maus momentos para ela. Desde o começo da série, ela foi conquistando tudo o que via pela frente, dando esperança aos fãs que torciam para ela na corrida pelo trono. Tudo isso acaba, quando nas duas últimas temporadas, perde seus dragões, Viserion e Rhaegal; seu braço direito, Missandei; seus aliados Tyrion Lannister e Lorde Varys; e, talvez, a sanidade.

King’s Landing em chamas após ataque de Daenerys contra a cidade. (Foto: Reprodução)

Mas ao se tratar do final de Game Of Thrones, ele foi decepcionante não só para o próprio cast da série quanto para a maioria dos fãs que estavam criando expectativas para o grande desfecho. Por uma década, ela se consolidou como uma série a qual muita gente sempre esperou muita coisa. Surpresas de grande impacto já eram previstas, mas a falta foi de surpresas que geram choques, e não desapontamentos.

Em aquecimento para a season finale, os fãs iniciaram 2019 cheios de teorias para Arya Stark, justificando os anos de treinamento e honrando sua lista. Até então, acreditávamos fielmente que ela mataria Cersei após usar o rosto de Jaime, o que não aconteceu. Então as apostas mudaram para Arya como assassina de Daenerys, o que vimos que também não rolou. Para a alegria dos fãs, ela acabou com toda a história do Rei da Noite, que foi resolvida em uma intensa batalha já no começo da temporada, que durou o terceiro episódio inteiro.

Um outro personagem que acompanhou a Arya pela história inteira, Sandor Clegane, O Cão, também não teve um final daqueles. Esperamos por uma década para uma batalha inesquecível onde ele finalmente realizaria o seu maior desejo: matar seu irmão. O caminho percorrido até o seu encontro conseguiu prender mais do que a luta em si, que foi rápida e acabou na morte dos dois personagens.

Cersei, que deu licença à luta de irmãos ao simplesmente sair do local, não chegou tão longe. Após anos sendo uma das figuras mais importantes da trama, tivemos que nos contentar com seu soterramento ao mesmo tempo em que desejávamos uma morte lenta e cheia de torturas, de modo que ela sofresse na mesma medida que fez muitas outras pessoas sofrerem – seja psicologicamente ou fisicamente.

Ou então, a luta do século. Aquela em que Cersei Lannister e Daenerys Targaryen se encarariam, frente a frente, a poucos metros uma da outra. Aquela em que fogo de dragão entraria em combate com o fogo verde. Aquela em que apenas uma sairia viva. Mas isso aí também não rolou. O final de Daenerys foi nas mãos do seu interesse romântico, Jon Snow, que mesmo cometendo um homicídio, se saiu como um herói que “fez o que deveria fazer”. Mais um momento em que Game Of Thrones conseguiu escancarar o machismo da série, visto seu histórico de causas de morte, estupro e pessoas no poder.

Jon Snow teve muitas falhas na temporada. Ter se apaixonado por Daenerys o desviou de uma linha de raciocínio que vinha seguindo. Anteriormente, faria de tudo por um amigo, mas passou reto ao ver Sam jogado em meio a uma batalha contra os mortos, incapacitado de lutar. Em épocas passadas, não hesitaria em parar para defendê-lo. Errou, também, ao não levar em consideração o que suas irmãs insistiam em alertá-lo. No final, essa construção só ajudou a justificar a decisão de matar Daenerys e isentar Snow de qualquer culpa que poderia levar.

A verdade é que Game Of Thrones nunca fez a vontade dos fãs. Sempre houve mortes importantes – como a inesperada de Ned Stark, logo na primeira temporada – e essa que era a graça da série. Previsibilidade com certeza não é a palavra que a define melhor. Mas dessa vez, se fizermos uma breve pesquisa nas redes sociais, concluímos rapidamente que pouca coisa agradou. Pouco foi aceito como uma surpresa agradável.

O último episódio contou com discursos e monólogos de duas personagens que costumavam a fazer isso com mais frequência, Daenerys e Tyrion. Sentimos falta desse lado, que foi um pouco esquecido devido às batalhas que seguiram, porém ambos não foram convincentes o suficiente para comover o público. O único que se convenceu e foi influenciado de alguma maneira foi o próprio Jon Snow, que já não sabia mais para que lado correr e foi obrigado a tomar uma decisão.

A pressa em terminar a série também fez com que muitos momentos fossem mal explicados. No final das contas, Jon Snow ser um Targaryen só serviu para a morte de Daenerys e para um dragão enfurecido em busca de justiça queimar o trono com suas próprias chamas. O fato de Bran Stark ter passado a série inteira dizendo que não queria se tornar rei foi igualmente ignorado, quando por ideia de Samwell Tarly – um dos únicos que manteve a sensatez – foi nomeado rei dos Sete Reinos através de uma votação. Sete reinos que, na verdade, virou seis. O Norte quis se desvincular de toda a treta e pediu a independência de Winterfell, dando o título oficial de Lady à Sansa. E assim foi autorizado pelo novo rei, Bran, que… é nortenho.

Apesar de alguns buracos, é inegável que esses dez anos de Game Of Thrones deixou um legado para a televisão. A série foi uma das maiores produções, com locações ao redor do mundo inteiro e um uso enorme de efeitos especiais de extrema qualidade. A gente quase chega a acreditar que dragões existem e nem repara em muitas cidades que foram criadas praticamente em computação gráfica.

 

Grande parte dos cenários surgiram a partir de efeitos especiais. (Foto: Reprodução)

A influência contínua em escala mundial: os locais usados para as gravações viraram pontos turísticos, o que causa um grande impacto econômico nas regiões – como aconteceu na Irlanda do Norte. Alguns lugares passaram a ser tão visitados que passaram a ter problemas com superlotação de turistas.

Além de tudo, a série é capaz de unir. Pessoas se mobilizam para estarem juntas no momento em que ela está sendo transmitida, seja entre amigos dentro de casa ou em bares ao redor de todo o mundo, que abrem as portas como se estivessem prestes a ver a final da copa do mundo. Elas torcem, discutem teorias, por vezes até brigam, mas estão reunidas. Qual será a próxima produção de mesmo poder sobre nós? Aguardo respostas.

 

In memoriam.

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