Caroline Campos
São necessários apenas 20 minutos para White Eye estruturar e acusar a sociedade de classes em que se insere. O curta-metragem israelense dirigido por Tomer Shushan é um retrato potente do privilégio social e da noção agressivamente individualista de propriedade privada, utilizando uma esquina de Tel Aviv como seu epicentro. Indicado ao Oscar 2021, o roubo de uma bicicleta é a força narrativa que movimenta um completo desmantelamento da figura humana.
O protagonista interpretado por Daniel Gad é Omer, que, há um mês, teve sua bicicleta furtada. Supostamente, Omer a encontra acorrentada em um bairro industrial e inicia a missão de recuperá-la, entrando em uma espiral de fúria na busca por justiça. Seu alvo se torna Yunes, o funcionário de um açougue vivido por Dawit Tekelaeb que afirma ter comprado o veículo para transportar a filha. A situação, na verdade, foi inspirada num acontecimento real quase idêntico ao curta que envolveu o diretor, que escreveu o roteiro de White Eye em menos de uma hora.
O conflito que parecia inofensivo só se tenciona quando Omer insiste em envolver a polícia, o elemento necessário para entender a dinâmica racial e política da sociedade israelense. Yunes é um imigrante da Eritreia e seu visto está expirado, ou seja, fique em silêncio e faça o que mandam. Omer enfim percebe as consequências de sua ação impulsiva, mas não há o que se fazer. O destino de Yunes já foi decidido, mas quem bate o martelo está muito além do recorte social em tela.
O senso de urgência que toma a atmosfera daquela esquina escura se torna ainda mais palpável pela escolha de Shushan em filmar White Eye sem cortes. Não há, para nós ou para Omer, um momento para respirar e pensar racionalmente sobre aquela sucessão de eventos. Tudo simplesmente… acontece. E no momento que Omer percebe o tamanho da ferida que cutucou, sua posição privilegiada como homem branco já não pode interferir no problema.
Apesar de apostar nas sutilezas, Tomer Shushan utiliza uma grande cena para ilustrar e resumir o medo em seu estado mais primitivo. A cena dos outros trabalhadores do estabelecimento, todos imigrantes ilegais, se escondendo no frigorífico, é o momento certeiro que garante o posicionamento político de White Eye, sem necessariamente utilizar do conhecimento do espectador em relação a Israel e a seu fluxo migratório.
Tel Aviv é a maior cidade do país, abrigando cerca de 40 mil refugiados da Eritreia e do Sudão. A discussão acerca do tratamento dado a essa população com base em uma insignificante bicicleta fez com que White Eye garantisse sua vaga entre os 5 concorrentes na categoria de Melhor Curta-Metragem em Live Action na 93ª edição do Oscar. Shushan contou com imigrantes africanos que conheceu nas ruas da cidade e diferentes falantes de hebreu para compor o restante do seu elenco, que, apesar de pouco utilizado, é essencial para a criação do restante da obra.
Apelando para a empatia do espectador, White Eye não falha em nos fazer questionar a importância de um bem material acima do ser e existir. O egoísmo violento e irracional de Omer pode ter partido ao meio a tentativa de abrigo e o direito à dignidade de Yunes. Para a polícia, para o Estado, Yunes não é nada além de estatística. E a bicicleta? Com a lealdade dividida, ficou imóvel. Inutilizada. Assim como seus donos.